PICICA: "Através de vários mecanismos surge o
homem moderno. Os processos de subjetivação são vários: a família
nuclear, a escola, o exército, o hospital e caso tudo falhe, as prisões.
Foucault se debruçou sobre o modelo de funcionamento destas
instituições e dentre suas conclusões percebeu que todas funcionavam
através do modelo panóptico, figura arquitetural idealizada por Jeremy
Bentham.
O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente […] A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha” – Foucault, Vigiar e Punir"
Através de vários mecanismos surge o
homem moderno. Os processos de subjetivação são vários: a família
nuclear, a escola, o exército, o hospital e caso tudo falhe, as prisões.
Foucault se debruçou sobre o modelo de funcionamento destas
instituições e dentre suas conclusões percebeu que todas funcionavam
através do modelo panóptico, figura arquitetural idealizada por Jeremy
Bentham.
O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente […] A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha” – Foucault, Vigiar e Punir
Este dispositivo funciona dissociando o
par ver-ser visto. Nesta nova forma de exercer o poder, você é sempre
visto, mas não pode ver a torre central que te vigia. Cada preso, aluno,
trabalhador, paciente, etc., é colocado em uma célula, uma divisória
permanece isolado de outros estímulos e pode ser constantemente
observado. Desta forma, os alunos podem estudar melhor, os trabalhadores
não organizam greves e os presos não se revoltam. A multidão, lugar de
trocas e de afetos, é transformada em uma coleção de múltiplas
individualidades, mas separadas por uma fina divisória que não nos
permite acessar por completo o diferente.
O homem moderno não se esconde, pelo
contrário, se torna constantemente visível, e por consequência,
plenamente individualizado. O formato panóptico de exercer o poder
prescreve a cada um seu lugar. Um poder onipresente e onisciente
subdivide e distribui cada um de acordo com o que lhe pertence, suas
capacidades, sua história, sua origem. Através dos recursos para o bom adestramento: olhar hierárquico, sanções normalizadoras e exames, o poder é capaz de, mais que reprimir ou corrigir, produzir.
Trata-se de um poder espacial, ele age
sobre as multiplicidades, elas são confusas e indóceis, é preciso
discipliná-las para obter produtividade delas. “O panóptico é um zoológico real, o animal é substituído pelo homem”
(Foucault, Vigiar e Punir). O poder funciona reduzindo as velocidades,
fixando cada um em uma função social, trata-se de colar um rosto em sua
cabeça: advogado, médico, proletário, estudante, louco. Fim do
nomadismo, fim dos errantes e dos perdidos, fim das experimentações…
E para se exercer, esse poder deve adquirir o instrumento para uma vigilância permanente, exaustiva, onipresente, capaz de tornar tudo visível, mas com a condição de se tornar ela mesma invisível” – Foucault, Vigiar e Punir
Sim, somos constantemente vigiados, e
tudo pela melhor forma possível de poder, aquele que se tornou
invisível, imperceptível, confiável. Cada vez que mandamos uma mensagem
de nosso celular, ligamos a televisão, acessamos o facebook e o google,
mandamos informações nossas que são armazenadas em um banco de dados.
Criticamos o big brother, mas não percebemos que estamos imersos em um
imenso big brother anônimo, difuso. “O panóptico é um local
privilegiado para tornar possível a experiência com homens, e para
analisar com toda certeza as transformações que se pode obter neles” (Foucault, Vigiar e Punir).
O panóptico não foi construído como um
modelo megalomaníaco, mas está aí, sua essência constitui o poder
disciplinar moderno. Códigos de barras, cartões de crédito, carteira de
identidade, câmeras de vigilância, telefones monitorados. Ele se espalha
nas relações, cria raízes nas instituições, ultrapassa seus limites,
entra em nossa própria cabeça.
Foucault chamou este modelo disciplinar
de arquipélago carcerário, nome bonito para dizer que transitamos entre
uma prisão e outra. Neste arquipélago estende-se uma complexa rede de
comunicação: psicólogos, conselhos tutelares, policiais, professores,
gerentes, pais, os carcerários modernos. Somos levados de uma
instituição a outra. A partir do momento que nossos corpos já foram
suficientemente docilizados na escola, estamos prontos para a
universidade, ou para o trabalho, dependendo de cada caso específico. A
disciplina não é a instituição, é o modelo que poder utiliza em seus
processos de subjetivação.
Nossa sociedade não é de espetáculos, mas de vigilâncias: sob a superfície das imagens, investem-se os corpos em profundidade; atrás da grande abstração de troca, processa-se o treinamento minucioso e concreto das forças úteis; os circuitos da comunicação são os suportes de uma acumulação e centralização do saber; o jogo de sinais define os pontos e apoios do poder; a totalidade do indivíduo não é amputada, reprimida, alterada por nossa ordem social, mas o indivíduo é cuidadosamente fabricado, segundo uma tática das forças e dos corpos” – Foucault, Vigiar e Punir
Nossa sociedade nos dá a ilusão de um
espetáculo porque estamos embaixo dos holofotes constantemente, mas aos
olhos do poder ela é uma máquina de inquérito e confissão. “Mostrem-se! Você são livres! Contem tudo! Estamos interessados em você! Queremos saber mais!” … a visibilidade é uma armadilha:
Somos bem menos gregos que pensamos. Não estamos nem nas arquibancadas nem no palco, mas na máquina panóptica, investidos por seus efeitos de poder que nós mesmos renovamos, pois somos suas engrenagens” – Foucault, Vigiar e Punir
A disciplina ordena as multiplicidades humanas, as individualiza e as produz em série. O nomadismo morre, o corpo-dócil nasce. A vigilância é interiorizada, o sujeito castra a si mesmo, se sabota. “O que vão pensar? O que vão dizer?“.
O “rei quis” torna-se a obediência mecânica, “não pode porque não
pode!”, um reflexo de submissão. Temos a constante impressão de que
estamos sendo observados (e será que não estamos?), a vergonha alheia já
não é mais tão alheia.
Como escapar? Como fugir desta máquina
que agora age dentro de nós mesmos? Repetimos: a visibilidade é uma
armadilha. Existe algum dispositivo possível? Sim, as zonas de
desconhecimento, de experimentação, espaços de indefinição,
estranhamento, do novo e do anômalo, a coxia é mais criativa que o
palco! Se logo lhe colocam um nome, fuja, se esconda, finja, faça o
contrário. Se logo te definem, experimente-se, surpreenda-se.
Não se deixar capturar é o caminho mais
curto para si mesmo. Desconhecer-se é o melhor meio de ultrapassar-se.
Você não é o número de sua identidade, você não é a sua conta no banco,
você não é a marca de camiseta que usa. Descobriram seus segredos? Crie
novos! Abra fendas! Já sabem os seus caminhos? Trace linhas de fuga.
Corra mais rápido, se torne nômade. Ande pelo escuro, com prudência,
caso contrário vão te roubar, ou melhor, vão te produzir! Devenha
imperceptível!
Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões? – Foucault, Vigiar e Punir
> Texto da série Vigiar e Punir <
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