agosto 25, 2015

F for Fake – Orson Welles (1973) (AVANT, CINEMA!)

PICICA: "Ralph Stephenson e J.R. Debrix em seu livro O Cinema Como Arte (Zahar Editores, 1965) afirmava que o cinema possuía uma aparente debilidade, quando comparado com, e até então como costumava ser comparado, o teatro, quando se falava na terceira dimensão. Não que fosse algo que de fato diminuísse a sétima arte, que então ainda estava em anos de formação de identidade própria, mas era fato que a ausência de tridimensionalidade na imagem bidimensional do cinema ocasionava certa perda do uso do espaço. A perda no entanto, segundo afirma Stephenson e Debrix, era somente de cunho técnico.  Não faltavam tentativas de aprimorar o uso do espaço no cinema – e muito antes da revolucionária mise em scène francesa. Mas foi com o Cidadão Kane de Orson Welles (1941) que a coisa começou a tomar forma. E que forma. Conforme os autores supra, era forma de penetrar no espaço e na vida privada da personagem Kane – alusão a um famoso magnata da época, e que anteriormente deveria ter sido Howard Hughes. Penetrou como faca, rasgando as veias do espaço e adentrando na psique de Kane. Estava iniciada com propriedade a profundidade de campo do cinema e ela jamais tornaria a deixar de ser usada."

F for Fake – Orson Welles (1973)

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Ralph Stephenson e J.R. Debrix em seu livro O Cinema Como Arte (Zahar Editores, 1965) afirmava que o cinema possuía uma aparente debilidade, quando comparado com, e até então como costumava ser comparado, o teatro, quando se falava na terceira dimensão. Não que fosse algo que de fato diminuísse a sétima arte, que então ainda estava em anos de formação de identidade própria, mas era fato que a ausência de tridimensionalidade na imagem bidimensional do cinema ocasionava certa perda do uso do espaço. A perda no entanto, segundo afirma Stephenson e Debrix, era somente de cunho técnico.  Não faltavam tentativas de aprimorar o uso do espaço no cinema – e muito antes da revolucionária mise em scène francesa. Mas foi com o Cidadão Kane de Orson Welles (1941) que a coisa começou a tomar forma. E que forma. Conforme os autores supra, era forma de penetrar no espaço e na vida privada da personagem Kane – alusão a um famoso magnata da época, e que anteriormente deveria ter sido Howard Hughes. Penetrou como faca, rasgando as veias do espaço e adentrando na psique de Kane. Estava iniciada com propriedade a profundidade de campo do cinema e ela jamais tornaria a deixar de ser usada.

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Se fazemos toda esta retomada na carreira de Wells para falar de F for Fake de 1973, é porque neste ano, o diretor faria outra grande inovação que como a profundidade de campo, chacoalharia as estruturas do cinema, talvez não como a de Cidadão Kane, mas certamente repensaria algo que desde Eisenstein talvez não tivesse tido outra tão radical: a montagem.

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Orson Welles escolhe seu tópico de interesse, Elmyr, um pintor falsário que engana toda a comunidade artística, vendendo quadros para museus famosos como se verdadeiros fossem. Mas não é assim que vamos pegando os detalhes, a narrativa é quase fragmentária. Não ficamos sabendo da temática de forma óbvia como costuma acontecer com este gênero do cinema. É primeiro formado todo um enredo do contexto, e dos arredores de Elmyr. Os cortes e assuntos são deliberadamente cortados, na forma que o próprio diretor anuncia que deixará assunto x para breve. Depois se retorna. É um movimento de caracol, vamos fazendo um contorno, retornando nos pontos anteriores, mas cada vez mais se aprofundando no tópico. Até chegarmos ao centro do caracol.

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Porém, ocorre o inesperado. O diretor anuncia que irá narrar uma mentira durante uma hora. Não sabemos no que acreditar. Vemos o documentário sem saber o que é verdade e mentira, a arte imitando a vida, tal qual Elmyr, a verdade se perde, ou melhor, é forjada por Welles. Quando, no entanto, nos pegamos incumbidos então de julgar o certo e o errado, Elmyr diz: Minha obras são tão boas quanto as verdadeiras, se passassem um bom tempo nos museus, se tornariam reais. É uma ordem de valores. Parece que um novo documentário se descortina, o que antes parecia ser sobre um falsário de arte, agora parece ser uma busca pelo que é real.

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Eis então que surge a questão fundamental do filme, se algo é tão idêntico ao que seria a verdade (ou o verdadeiro), então o que é real, e na verdade importa? Os quadros de Elmyr são tão idênticos ou até melhores – em termos de técnica – que os originais. Em certa hora o falsário atiça, dizendo que determinado pintor jamais tivera o traço tão seguro como o dele. O falso então parece tomar verdadeira nova dimensão.

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Ao fim, nos é revelado ainda que ele prometeu contar ume mentira em uma hora, porém o filme possuí uma hora e meia. Então, o que era real no que nos foi apresentado? Tal como a vida e obra de Elmyr, tudo parece ter sido inventado. Eu mesmo não sabia se Elmyr se quer tinha existido de fato, mas por meio de uma falsificação, é fato que me encantei com personagens que podem não ser mais que atores, uma deliciosa farsa. E no fim, ficamos com uma dúvida enorme de se importa o original ou seria somente a experiência? Não sei se faria diferença prática saber se Elmyr de fato existiu, ou se é apenas outra das pegadinhas de Welles – como já fizera anos antes sobre uma invasão alienígena, em transmissão radiofônica de Guerra dos Mundos, causando pânico no país inteiro), ou mesmo as obras de Elmyr, que, com poder de causar tanto encanto, a ponto de serem compradas por colecionadores do mundo todo. Como as pinturas dos grandes mestres, importaria não serem as originais, mas no entanto causarem o mesmo deslumbre de um Picasso ou um Matisse? É o que nos propõe Orson Welles numa das mais belas montagens do cinema.

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Fonte: AVANT, CINEMA!

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