PICICA: "Seria delicioso acreditar numa liberdade total, como a proposta por
Sartre em sua filosofia existencialista, isto é, uma filosofia que se
volta para a existência e não para a essência. Para Sartre vamos nos
constituindo conforme vamos vivendo. Tal pensamento se conecta a Spinoza
que não concebia uma separação organizada do mundo das ideias e do
mundo real."
Livre-arbítrio e destino em Spinoza
Não, Spinoza não achava que as coisas estavas escritas nas estrelas nem que alguma coisa precisava realmente acontecer pois já estava pré- determinada. Ele acreditava que o nosso livre arbítrio não era tão livre assim pois nossas escolhas são condicionadas por nosso meio ambiente, por nossa realidade, por nossa natureza.
Enfim, a liberdade dos outros afeta a nossa liberdade. As escolhas alheias condicionam as nossas escolhas. Onde nascemos, em qual época, em qual família também vão facilitar ou dificultar certos caminhos.
Seria delicioso acreditar numa liberdade total, como a proposta por Sartre em sua filosofia existencialista, isto é, uma filosofia que se volta para a existência e não para a essência. Para Sartre vamos nos constituindo conforme vamos vivendo. Tal pensamento se conecta a Spinoza que não concebia uma separação organizada do mundo das ideias e do mundo real.
Se algumas circunstâncias nos empurram mais para um lado do que para o outro, isso não nos exime da fazer escolhas e assumir as suas consequências.
Numa visão mais idealista, o mundo do pensamento era o real, era o que valia a pena, colocando o homem que pensa e sente à frente do homem que age. Para Spinoza o homem é uma unidade entre pensamento e atos. Mais do que isso. O que Descartes considerava racionalismo "Penso, logo existo", Spinoza refutou pois o que era considerado por outros filósofos como razão, para ele não passava de imaginação.
Outro aspecto refutado por Spinoza é o termo Homem para designar individualidades. Se definimos por exemplo que o Homem tem determinadas qualidades, não poderíamos considerar como seres humanos aqueles desprovidos de tais traços. Convenhamos que pensar não está muito em moda e nem por isso deixamos de considerar pessoas não reflexivas como fora da raça humana. Para Spinoza deveríamos falar sobre homens singulares.
Admito a minha fraqueza em querer acolher o mundo como algo dual e ficaria com o homem ou os homens que pensam e sentem. Mas por outro lado, esta combinação entre materialidade e imaterialidade é consistente pois não ignora nenhum aspecto da realidade. E falando nesta tal realidade tão subjetiva e fragmentada, tão questionada e desconstruída por filósofos como Deleuze e por artistas surrealistas como o cineasta Luis Buñuel, numa mescla de transgressão e idealismo, para Spinoza só podemos considerar como realidade aquilo que nos é papável e captado pelo intelecto e pelos sentidos simultaneamente. Se algo não passa pelos sentidos não é real e não é racional.
Sob a perspectiva filosófica, é possível refletir e questionar o simbólico na nossa sociedade e na nossa cultura. Algumas atitudes, alguns lugares, alguns estilos de vida são relacionados a melhor status , a maior realização e felicidade. Os valores sociais concebem a felicidade como algo linear e uniforme , isto é, igual a todos desrespeitando as individualidades. O ideal de sucesso que se tornou socialmente falando sinônimo de felicidade , é fazer uma faculdade depois de sair da escola, arrumar um emprego rentável , acumular dinheiro e comprar uma casa num condomínio fechado, além de realizar um casamento tradicional e ter dois filhos e um cachorro.
Lutamos por tais conquistas de forma quase que mecânica pois não paramos para refletir sobre nossas prioridades e o nosso conceito particular de sucesso e felicidade. E qualquer pessoa que contrarie tais valores será mesmo que sutilmente pressionada e constrangida socialmente. É preciso estar muito convicto das suas escolhas para não ceder ao jogo social nem se sentir menos por ter optado por outro caminho.
A filosofia muito mais do que um emaranhado de conceitos teóricos, é uma forma crítica e criativa de entender e sentir a vida. Ou pelo menos tentar entendê-la parcialmente, pois verdades absolutas não existem quando falamos de assuntos subjetivos e fugidios como a felicidade.
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