Foto: Rogelio Casado - Ruelas do Pelourinho, Salvador-BA, fev/2004
"Bahia, o teu cenário é uma beleza...
Mas os teus CAPS vivem na dureza!..."
Zefofinho de Ogum, o incorrigível
Dívida de R$1,3 mi ameaça atendimento psiquiátrico"Bahia, o teu cenário é uma beleza...
Mas os teus CAPS vivem na dureza!..."
Zefofinho de Ogum, o incorrigível
Profissionais param segunda-feira e Osid podem devolver gestão de residências terapêuticas
Mariana Rios
Mais uma crise no combalido serviço de saúde municipal. Desta vez, no sistema de atendimento a pacientes psiquiátricos. Cerca de 45 profissionais "quarteirizados" dos sete Centros de Atenção Psicossocial (Caps) cruzam os braços segunda-feira. Também por atrasos no pagamento, a administração de seis residências terapêuticas, onde vivem 49 pacientes com transtornos mentais, pode ser devolvida pelas Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) ao município, cuja dívida com a instituição chega a R$1,3 milhão, em dez meses de inadimplência.
A situação pode tornar ainda mais precária a oferta do serviço, que, esta semana, revelou uma face perversa: José Mário Costa Oliveira, 22 anos, portador de transtornos mentais, foi libertado de cárcere privado em sua própria casa, no bairro de Mirante de Periperi. Sem acesso a atendimento adequado, a família não teve outro jeito a não ser confiná-lo.
"Não defendo cárcere privado de forma alguma, mas se transfere o ônus do cuidado no serviço de saúde unicamente para a família, que se sente desassistida, sem serviços estruturados. Não se pode culpar as famílias dos pacientes. Não há serviço estruturado sem política de recursos humanos adequada", afirmou o psiquiatra Carlos Tadeu da Silva Lima, que trabalha no Caps Rosa Garcia, na Boca do Rio, e é um dos profissionais contratados pela Fundação da Associação Bahiana de Medicina de Pesquisa e Extensão na Área da Saúde (Fabamed) – terceirizada pela Secretaria Municipal de Saúde.
Reivindicações – Os profissionais deixam de trabalhar esta segunda-feira e reivindicam regularização de todos os pagamentos, feitos com até quatro meses de atraso, a formalização de um contrato de trabalho e melhores condições para a oferta adequada do serviço. Às 14h30, vão à Câmara de Vereadores para apresentar o colapso que vive a assistência psiquiátrica na cidade. Desde dezembro, por exemplo, o Caps Professor Adilson Sampaio, na Ribeira, está sem médicos. Resta à população acorrer ao Hospital Mário Leal, no IAPI, mantido pelo estado.
"Não adianta planejar e abrir novos centros de atenção. É preciso prover de recursos humanos e materiais, além de oferecer manutenção. Esperamos que seja resolvido da forma mais rápida possível. A decisão de encerrar a paralisação cabe ao prefeito", declarou Silva Lima, denunciando a ausência de medicação básica e mesmo de receitas médicas nos centros. Os profissionais tentarão uma audiência com o prefeito João Henrique. As sete unidades do Caps atendem cerca de 2,4 mil pacientes em Salvador.
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Prazo vai até dia 20
Ontem, as Obras Sociais Irmã Dulce divulgaram comunicado anunciando que, caso a prefeitura não resolva as pendências financeiras, entregam a administração de seis residências terapêuticas. O prazo para que o município quite a dívida é o próximo dia 20. Desde maio de 2007, a instituição tem arcado com as despesas das residências terapêuticas, que funcionam em casas alugadas nos bairros da Ribeira, Jardim Baiano, Boca do Rio e Itapuã. Nelas vivem pacientes desinstitucionalizados – ou seja, que estavam abandonados em hospitais psiquiátricos da capital.
São 69 funcionários, entre cuidadores e monitores administrativos, responsáveis pelas residências que oferecem ainda supervisão médica e de enfermagem. "Estamos tendo reuniões mensais na tentativa de receber o recurso. Tínhamos um convênio com o município que venceu em abril de 2007. Não houve renovação e a instituição está pagando alimentação, salários e fardamento dos funcionários além de medicamentos. Estamos transferindo recursos de programas das obras para atender a demanda de responsabilidade da prefeitura", explicou o gestor operacional das Osid, Paulo Bittencourt, acentuando que a instituição chegou ao limite. A dívida do município chega a R$1,363 milhão.
A decisão das Osid só será revista caso a prefeitura pague o devido, estabeleça o instrumento jurídico do convênio e assuma o compromisso de arcar com os pagamentos futuros. Junto com as residências terapêuticas (RT), os Caps e o atendimento ambulatorial (leitos psiquiátricos em hospitais gerais) deveriam constituir o tripé de equipamentos para a reinserção social dos pacientes.
Na RT da Ribeira convivem 17 pacientes – nove homens e oito mulheres. Apenas um recebe a visita de familiares. As monitoras comemoram os avanços daqueles que conheceram durante toda a vida apenas o confinamento em sanatórios. Além de dividir atividades diárias, como limpeza do banheiro e lavagem das roupas, repartem também tarefas cotidianas como comprar pão. "Não sinto saudade do (sanatório) Bahia (fechado em 2006)", confirma Arlete Barreto, 50 anos, que aprendeu a ir buscar sozinha sua medicação no Caps.
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Termo assinado em 2005
Em novembro de 2005, município, estado e União assinaram um termo de ajustamento de conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público Estadual. À época, cerca de 520 leitos psiquiátricos seriam fechados. Editada em 2001, a lei 10.216 que modificava o sistema de atendimento à saúde mental preconizava a ubstituição do modelo manicomial por atendimento descentralizado nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e nas RT. Foi dado um prazo de seis meses para a adequação ao TAC, sob pena de multa diária de R$1,5 mil pelo descumprimento do termo.
Diante da deficiência no atendimento, a promotora da cidadania, Silvana Almeida, declarou que está providenciado a execução do TAC para pagamento da multa. "O TAC previa o aumento no número de Caps e de RTs, além da capacitação de profissionais que trabalham nas áreas de emergência como Samu. Mas estamos recebendo denúncias de pessoas que estão criando asilos e retendo o benefício de pessoas com deficiência por falta da prestação eficiente", afirmou Almeida.
A assessoria de comunicação da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) foi procurada durante toda a tarde de ontem, mas não retornou as ligações. O órgão apenas orientou os coordenadores dos Caps para não atender equipes de reportagem.
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