março 08, 2008

São Paulo: túmulo da Reforma Psiquiátrica?

Cartaz alusivo ao Dia Nacional de Luta Antimanicomial
São Paulo é uma pedra no sapato da Reforma Psiquiátrica brasileira. Também pudera, com o tucanato no poder há mais de duas décadas! Descontado o fato de que as metrópoles brasileiras, em sua maioria, oferecem tímidas respostas na implantação da rede de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, pois nelas se concentram a nata do psiquiatria conservadora do país, o fato é que não fossem os municípios administrados pelo Partido dos Trabalhadores, como Santo André e Campinas, São Paulo por pouco não se trasforma no túmulo da Reforma Psiquiátrica brasileira, segundo o carioca Zefofinho de Ogum, colaborador do PICICA - Observatório dos Sobreviventes (em processo de reconstrução). "Pega leve, Zé! Essa história de túmulo não colou com o samba e não vai colar com a reforma; estamos todos no mesmo barco, leso!"

01/03/2008
tratados como animais
Manicômio é retrato do abandono
Pacientes do Hospital Psiquiátrico Charcot, na Zona Sul, ficam amarrados à cama, em péssimas condições de higiene
Isis Brum
isisb@diariosp.com.br

Pacientes amarrados em cama e sem diagnóstico médico, péssimas condições de higiene, falta de médicos e enfermeiros, alimentação ruim e pacientes sem tratamento adequado. Esse é o retrato do Hospital Psiquiátrico Charcot, na Vila Liviero, Zona Sul de São Paulo. O descaso foi descoberto durante uma vistoria surpresa do Ministério Público Federal (MPF), em outubro do ano passado. Na última sexta-feira, o MPF entrou com uma ação na Justiça Federal pedindo providências. No ano passado, um surto de diarréia afetou 38 pacientes, sendo que um morreu. A unidade é conveniada à Secretaria Municipal de Saúde.

Em nota, a direção do Charcot informou que as denúncias não procedem. “Os pacientes estão em situação degradante e humilhante”, afirmou Adriana da Silva Fernandes, procuradora regional dos direitos do cidadão, que assinou a ação junto com a procurada da República Sônia Maria Curvello.

Situação precária
Com 192 leitos, mas com 200 pacientes à época da vistoria, havia apenas uma médica plantonista no hospital. Segundo a denúncia, os pacientes estavam sujos, muitos deles descalços, andando desocupados pelos pátios, sem qualquer atividade de lazer ou terapêutica, que os habilitasse a voltar ao convívio social.

Entre os internos, sete estavam sem documentação e cerca de dez haviam recebido alta, mas permaneciam internados. O hospital não possui nenhum projeto para tratar os internos, seja com terapia ou medicação. As novas regras do serviço de saúde mental determinam tratamento individual para cada paciente.

Também foi constatado paredes com mofo, janelas enferrujadas, vidros quebrados, instalações elétricas sem nenhuma proteção, falta de armário para guardar roupas e objetos pessoais e inexistência de quadra para lazer ou salas para atividades físicas. Segundo a procuradora, toda a unidade apresenta mau cheiro.

Profissionais de saúde
Das 200 pessoas internadas, 48 eram homem, 68 mulheres e 90 eram considerados casos graves, separados em uma ala chamada Intercorrência Clínica (uma espécie de UTI psiquiátrica), que mistura pacientes do sexo masculino e feminino.

No total, o MPF contou um médico plantonista, cinco auxiliares de enfermagem, dois psicólogos e dois terapeutas ocupacionais. No entanto, constam 71 profissionais contratados e pagos com verbas do SUS, no Ministério da Saúde, dos quais seis são médicos psiquiatras. A unidade deveria ter, ainda, nutricionista, enfermeiro, farmacêutico e assistente social.

O MPF pediu uma liminar à Justiça, ainda não concedida, que determina a adequação da unidade em 90 dias, e a formação de uma equipe multidisciplinar com profissionais de saúde das secretarias municipal e estadual de Saúde e do Ministério da Saúde. Caso o hospital não atenda às exigências, a procuradoria pedirá a transferência dos internos.

Surto de diarréia matou paciente
Entre os meses de junho e julho do ano passado, um surto de diarréia atingiu 38 pacientes do Hospital Psiquiátrico Charcot, um deles morreu.

Um relatório do Centro de Vigilância Epidemiológica, citado na ação do Ministério Público Federal, apontou como causa do surto a falta de higiene pessoal dos pacientes. A direção do hospital informou que a diarréia foi provocada pela internação de um paciente, mas não explicou o motivo do surto ou da morte.

O hospital teve desempenho ruim nas duas vezes em que foi avaliado pelo Programa de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH), do Ministério da Saúde, não atingindo a pontuação mínima para se manter cadastrado no Sistema Único de Saúde (SUS).

Entre 20 itens analisados entre 2005 e 2007, o hospital piorou em sete deles, melhorou em quatro e se manteve estável em oito deles. Dos que mantiveram os mesmos índices, três deles permaneceram regulares e dois péssimos.

Dado que pode explicar o surto de diarréia, em 2007, o índice de prevenção e controle de infecções relacionadas à assistência passou de regular para ruim. Outra piora significativa foi nas condições de atendimento dos casos graves (intercorrências clínicas). Nesse item, a avaliação caiu de excelente para ruim em dois anos. Também piorou a alimentação dos pacientes e a estrutura física da unidade.

Hospital rebate as denúncias
Ao rebater todas as denúncias feitas pelo Ministério Público Federal, a presidente do Hospital Psiquiátrico Charcot, Rosimeire Cunha, afirmou que recebe de três a quatro pacientes novos por dia, sendo a maioria moradores de rua, encaminhados à unidade pela polícia, quando apresentam sintomas de doenças psiquiátricas.

Ela afirmou que o hospital é voltado ao tratamento de pessoas carentes e recebe outros com escabiose (doença de pele contagiosa). Na nota, a presidente afirma que recebe diária no valor de R$ 33 por interno, e que o valor é insuficiente. Questionada sobre o repasse à instituição, a Secretaria Municipal de Saúde, órgão ao qual o hospital é conveniado, não informou o valor do contrato.

A unidade abriga atualmente 195 pacientes e possui, segundo a direção do hospital, sete psiquiatras, seis enfermeiros, três assistentes sociais, três terapeutas ocupacionais, quatro psicólogos, um nutricionista e 34 auxiliares de enfermagem. São 57 profissionais mencionados contra os 71 registrados no Ministério da Saúde.

O Charcot ainda afirmou que é vistoriado duas vezes por ano pela Prefeitura. Citados na ação, a Prefeitura, o Estado e a União são acusados de omissão. Procuradas, as secretarias municipal e estadual de Saúde informaram que estão à disposição do MPF e que participaram de auditorias em conjunto com o Ministério da Saúde. A secretaria municipal destacou que foram estabelecidas metas e parte delas foram cumpridas.

O Ministério da Saúde respondeu que acompanha com preocupação a situação do hospital psiquiátrico e que está em discussão “os encaminhamentos necessários para a solução desta situação de forma colegiada (junto com Prefeitura e Estado)”.

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02/03/2008
manicômio
Prefeitura pode investigar Charcot

Só médicos podem encaminhar pacientes, não policiais, como disse a unidade
Isis Brum
isisb@diariosp.com.br

A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo poderá investigar a internação de moradores de rua levados por policiais ao Hospital Psiquiátrico Charcot, na Vila Livieiro, Zona Sul da capital, como informou a direção da unidade. Na edição de ontem, o DIÁRIO mostrou que os pacientes sofrem maus-tratos, alguns ficam até amarrados a suas camas, vivem em péssimas condições de higiene e não têm tratamento terapêutico adequado.

“O problema será encaminhado à área de saúde mental da secretaria, que fará a avaliação do caso, ouvirá o hospital e verificará os procedimentos feitos pela unidade. Depois, serão tomadas as medidas cabíveis, se necessário”, informou a Secretaria. Os manicômios só podem receber pacientes com guia de internação feita por um psiquiatra no serviço de saúde (unidade básica ou hospital). E o Charcot está sendo investigado pelo Ministério Público Federal por suspeita de irregularidades na cobrança das AIHs, as guias de Autorização de Internação Hospitalar do SUS.

Floriano Pesaro, secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, não acredita que policiais encaminhem moradores de rua à unidade. “Isso não pode ser verdade”, disse. Segundo ele, pacientes em crise são levados aos pronto-socorros e, após avaliação, o médico psiquiatra pode fazer ou não o encaminhamento.

Pacientes sem-teto
Hoje, 196 pacientes estão internados no Charcot. Segundo a presidente da instituição, Rosimeire Cunha, a maioria dos internos é composta por moradores de rua, levados para lá, segundo a direção, até com doença de pele.

A unidade está totalmente deteriorada, com infiltração na parede, banheiro sem portas e lixo dividindo espaço com as roupas sujas e limpas da lavanderia. Faltam médicos e enfermeiros e projeto terapêutico para tratar os internos. Entre junho e julho do ano passado, um surto de diarréia deixou 38 doentes, um morreu.

‘Essa instituição é um depósito’
“Essa instituição (Charcot) é um depósito de gente, que não tem projeto terapêutico algum”, afirmou Elisa Zoneratto Rosa, membro do Conselho Federal de Psicologia. Em 2004, ela participou do mapeamento dos hospitais psiquiátricos no país, cujo relatório já apontava uma série de irregularidades na unidade da Zona Sul, como pacientes amarrados, más condições de higiene e falta de profissionais. Quatro anos depois, a situação é a mesma.

“O tratamento terapêutico deve ser individualizado”, disse Elisa. Ou seja, cada interno tem que ter um diagnóstico, uma terapia adequada ao seu caso, incluindo medicamento, se preciso, e oficinas. “Amarrar o paciente, hoje, é totalmente desnecessário”, explica ela, sobre a falta de projeto para a reabilitação dos internos.

3 comentários:

Taísa Serpa disse...

Mais uma postagem rebelde em prol da reforma! Parabéns Rogério!
Essas denuncias precisam aparecer, para que possamos sempre lembrar a natureza da transformação pela qual lutamos!
Ainda há muitos muros a derrubar!

Abraços!

Taísa Serpa
quase-psicóloga e militante em Juiz de Fora-MG

Anônimo disse...

Acho complicado falar sobre coisas que nao sabemos. De fato o Charcot era um local que gritava por mudanças. Mas penso que só quem conviveu ali e/ou fez parte daquilo tem o direito de criticar. Nao se sabe de fato o que acontecia ali, se sabe? Existem informações incoerentes e falsas. reforma sim, hipocrisia nao!

Anônimo disse...

Eu posso atestar tudo o que foi escrito, pois estive la, internado, amarrado durante cinco dias, tomei injeção na perna, sessões de eletrochoque, diarréia, infecçao istestinal... vi coisas terriveis, descaso e abandono... sobrevivi, mas nao da pra esquecer.