março 07, 2008

Discórdia - ato II

UM TIRO NO PÉ

Paulo Fábio Dantas Neto[1]

O conflito entre a Secretária de Justiça e Direitos Humanos do Estado e um conjunto de entidades lideradas pelo Movimento Negro Unificado é um paradoxo para os que lutam pela redução das desigualdades sociais e pelo avanço da democracia na Bahia, pois os pólos envolvidos cumprem, historicamente e no atual momento político, papéis de relevância em torno desses objetivos.

A professora Marília Muricy, como jurista e ativista, atua em defesa dos direitos humanos, hoje e desde o tempo do regime militar, quando a restrição às liberdades truncava os movimentos sociais, hoje livres graças ao regime democrático, conquistado na luta desses movimentos, partidos políticos e personalidades como a sua.

O movimento negro – com destaque o MNU – depois de anos atuando em sociedade marcada por visões autocráticas e/ou reacionárias sobre questões étnicas e relações raciais, alcança reconhecimento social para parte relevante da sua agenda. A seqüência da sua trajetória vitoriosa no atacado depende da afirmação do próprio movimento, mas também da preservação e aprofundamento de uma rede de solidariedade social que seqüelas de cunho varejista, decorrentes do conflito em curso, podem ameaçar.

Existe flagrante desproporção entre o desentendimento administrativo que opôs a secretária a um militante petista e do movimento negro, investido, por indicação política, em cargo público no âmbito da secretaria por ela dirigida e desdobramentos políticos pretendidos pelo movimento deflagrado em solidariedade ao referido militante, em razão da sua exoneração. A imprensa divulgou versões opostas sobre o fato gerador e a esse respeito cabe, no máximo, controvérsia sobre a legitimidade administrativa do ato da secretária, ou sobre a conduta do gestor exonerado. Como houve manifestação, mesmo indireta, de discordância em relação ao ato, por parte de outro secretário do governo, deste governo se requer posição oficial explícita, até para preservar uma componente de sua equipe de uma contenda que resvala para o plano pessoal.

Ainda que haja controvérsia sobre o ato administrativo, são impróprias e injustas as acusações feitas à atitude político-institucional da secretária. Acusar Marília Muricy de racismo institucional é contradição em termos, pelo que nos diz a sua práxis pública. Refiro-me não só à sua trajetória, mas ao que vem dizendo e fazendo na posição de secretária de governo. Espero não ter se apagado de nossa memória recente a sua ação paradigmática quando enfrentou uma rebelião de presos. Admitiu, sem rodeios, dificuldades em combater o crime dentro das cadeias, recusou reprimir a rebelião ferindo direitos humanos e propiciou a cena, vista pela TV, de prepostos do governo, sem abrirem mão da autoridade do Estado, negociarem em torno de uma mesa com líderes do movimento. Pergunta-se aos ativistas que hoje a acusam se é acidental que a cor negra predominasse entre os que naquela mesa eram aceitos como interlocutores, quando a tradição era meramente rotulá-los de bandidos.

Se tal comparação com passado recente for feita com isenção não levará, racionalmente, a se ver na ação atual da Secretaria prevaricação para com agressões aos direitos humanos da comunidade de negros, ou qualquer outra. Esses direitos vêm sendo esquecidos ou vilipendiados desde sempre e é injustiça inaudita afirmar que se prevarica logo quando se inverte a lógica tradicional. É óbvio que violências seguem sendo cometidas sem pronto reparo pelas autoridades, mas há que se ver o sentido geral da conduta governamental neste setor, que tem sido o de caminhar na direção oposta. Creio que há motivos para o movimento negro cobrar mais ação do Governo do Estado em respeito à sua comunidade, mas impulsos de mudança faltam em outros setores da administração, não na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.

É irônico que se atire pedras nessa Secretaria na semana em que uma ação policial agrediu e intimidou a comunidade moradora da avenida Contorno, sugerindo, no mínimo, falta de controle governamental sobre a corporação policial. Peço reflexão ao movimento negro sobre esse senso de proporção que prioriza, na denúncia midiática e junto ao Ministério Público, a defesa de um militante exonerado antes do bom combate a uma barbaridade como aquela. Ações de insegurança pública, como a caçada da Contorno, é que ameaçam compromissos de mudança do atual governo, pelos quais luta, com brilho e paixão, a secretária Marília Muricy.

[1]Professor do Departamento de Ciência Política da UFBA, pesquisador e Diretor do CRH/UFBA. E-mail pfabio@ufba.br

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Salvador, janeiro de 2008

“População magoada,
A nossa honra
tem que ser lavada”

Eis que chegou o momento do Movimento Negro definir melhor seus pares e trilhar em busca das perspectivas e objetivos que tem caracterizado a sua história; o incidente ou acidente, de certo modo presumível, com o ex-superintendente do PROCON/BA. O advogado e professor Sergio São Bernardo, que ao ser exonerado fez publicamente denuncia de ter sido vitima de racismo institucional por parte da Secretária de Direitos Humanos Marilia Muricy, sacudiu a elite intelectual progressista da boa terra, ao ponto de o senhor Paulo Fábio Dantas Neto, no jornal A Tarde de 12/01/08, levantar a bandeira de que este movimento negro já foi longe demais e alguém tem que por rédeas! Quando textualiza: “O movimento negro – com destaque o MNU - , depois de anos atuando em sociedade marcada por visões autocráticas e/ou reacionárias sobre questões étnicas e relações raciais, alcança reconhecimento social para parte relevante da sua agenda”.

No texto do senhor Paulo Fabio Dantas Neto, em questão, antes de ele vir com o discurso de visão autocrática e/ou reacionária do MNU, ele apresenta à senhora Marilia Muricy como professora, jurista e ativista em defesa dos direitos humanos, e salienta que a democracia que vivemos é resultado da luta de pessoas com a referida professora e os partidos que segundo ele construíram esta democracia! Ou, subentenda campo que dá liberdade para existir organizações como o MNU. Esta democracia que este senhor se vangloria é a que continua matando o nosso povo sistematicamente em função da cor de pele.

No entanto, o professor e advogado Sergio São Bernardo, que começou a sua trajetória na luta popular entrando na adolescência, por ser negro, a sua historia é tratada com invisibilidade, é apenas um militante que chegou a um cargo por indicação política! Como se a senhora Marilia Muricy tivesse sido eleita!

O que alerta a comunidade negra, é o fato de que a luta anti-racista sempre foi invisível para progressistas desta esquerda que nós temos; quando Stalin e Hitler assinaram o pacto de não agressão, a esquerda ficou vacilante em obediência as ordens e orientações que vinham de longe! É importante salientar que religião sempre foi um ópio para essa gente; e para o nosso povo, foi o fundamento que fez com que encontrássemos a sabedoria dos ancestrais para chegarmos até aqui. O Axé abriu caminhos, iluminou horizontes, nos religou a nossa verdadeira história! Lembrando, que para estes progressistas a historia de luta do trabalhador brasileiro começava com a chegada dos imigrantes europeus e orientais. Por mais que estudassem, sempre negaram a luta dos nossos antepassados para construir este país. Não chegamos até aqui por obra e graça de quem quer que seja muito menos da esquerda brasileira, que resistiu bravamente para não perceber o papel do racismo na super-exploração em nosso país.

Agora, aparece o senhor Paulo Fabio Dantas, pedindo reflexão ao movimento negro! Este senhor que fala em democracia e direitos humanos, segura o povo negro e diz: você precisa pensar! Ora, sendo esta a capacidade que diferencia o ser humano de qualquer outro animal, o que somos então?

De certo modo, entendo que as elites se sintam ameaçadas e comecem a fazer o seu movimento de retorno – A elite é uma só! E tem uma herança social a defender; neste ponto, progressistas e conservadores chegam a um denominador comum. Não é por menos que se cogita a construção de uma penitenciaria no Queimadinho, no coração do bairro da liberdade, no local que existe o museu da água! Outra penitenciaria está sendo cogitada na comunidade remanescente de quilombos: Pitanga dos Palmares.

Na verdade, o episódio para o povo negro é muito maior e mais amplo que o Professor e Advogado Sergio São Bernardo! É um rufar de tambores para acordar aos irmãos e irmãs que acreditam na possibilidade de construir uma alternativa para o nosso povo no interior da esquerda; os progressistas estão se comportando como em outros e outros movimentos, vários progressistas apoiaram a revolta de búzios; no entanto, “a pena capital foi para os negros um exemplo”. (...) “Num triste legado da escravidão / a necessidade é quem faz a razão / Dói ver em cada esquina partir um irmão / que tombou sem direito a opção”. Através de uma série de organizações construídas ao longo da história e manifestações que pareciam ser isoladas, nosso povo negou e tem negado o modelo de cidadania que esta gente tem proposto para nós!

Definitivamente, não são estes cargos que irão por o nosso povo no poder e combater a discriminação e o preconceito!nosso povo continua tombando nas vias e avenidas, tendo como causa de morte a cor da pele! Existem militantes na esfera de governo, neste momento, precisam tomar uma decisão e manter a coerência com a luta anti-racista, fora isto, é a manutenção do status de escravo domesticado; aquele que sofre com as dores do senhor! Em saúde e educação a situação não é diferente! O ataque que tem partido ao MNU tem objetivos profundos de barrar aquilo que o senhor Paulo Fabio Dantas como porta-voz das elites chama ou alerta – Que este movimento conseguiu: “alcançar o reconhecimento social para parte relevante da sua agenda”. Isto incomoda e inquieta esta gente! Como não morremos na serra da barriga, não basta acabar com o MNU, que foi um embrião! Chegaram tarde! A criança nasceu e hoje tem filhos e netos!

A democracia que nos oferecem,
É sem escola, sem saúde e com insegurança!
A cidadania que nos prometem,
São penitenciarias mais “aconchegantes”
em nossas próprias casas!
E os cargos que nos oferecem,
São para encenar o quadro do banquete
No fechamento da Revolução dos Bichos!

Eduardo Sergio Santiago
Militante do Movimento Negro

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PREZADOS LEITORE(A)S DOS COMENTÁRIOS DO SR. EDUARDO SANTIAGO A RESPEITO DO MEU ARTIGO EM A TARDE,

Cheguei de viagem ontem, dia 30, e por esta razão só hoje, dia 31, pude ler o que escreveu o sr. Eduardo Santiago acerca do artigo meu, recentemente publicado em A Tarde, analisando o conflito que se estabeleceu entre entidades do Movimento Negro e a Secretária estadual de Justiça e Direitos Humanos.

A interpretação de textos é livre, portanto, não contestarei a do sr. Eduardo em relação ao meu, embora desejasse que ela fosse alimentada por um pouco mais de boa vontade e respeito ao que escrevi. Quanto às adjetivações e classificações que me foram imputadas, do ponto de vista político e social, não tenho porque discuti-las, pois são de livre arbítrio e critério do comentarista. É seu direito ter uma opinião sobre mim. Como sou razoavelmente conhecido, creio que as pessoas destinatárias têm como comparar as conclusões do Sr. Eduardo com as suas próprias, vindas das experiências que possam ter tido comigo, ou com as de outras pessoas que talvez me conheçam mais do que o autor. E ainda me resta a expectativa de, com o tempo, este próprio chegar a conclusões diversas.

Mas voltando aos aspectos substantivos, quero dar àqueles e àquelas pessoas que receberam o texto do Sr. Eduardo, mas que não chegaram a ler meu artigo, a oportunidade de fazê-lo agora e julgarem se são apropriadas e/ou justas as interpretações que lhe foram dadas. Tomei então a liberdade de anexar meu texto, grifando trechos que me parecem ter passado desapercebidos ao olhar vigilante do crítico, apesar de revelarem meu respeito e reconhecimento ao movimento negro e a seus militantes.

Os motivos dessa não percepção, não me cabe adivinhar. Cada um, se quiser, poderá fazê-lo. Mas de todo o modo, o fato de ontem, hoje e sempre, admirar, respeitar e ser solidário ao movimento negro, não me impede de opinar em sentido discordante a alguma posição dele, ou de parte dele. E no caso, fiz isso de público, como é do meu feitio, e por dois motivos: para defender uma pessoa que conheço há quase 30 anos e que está sendo acusada, a meu ver, injustamente e para assinalar o quanto, a meu modesto juízo, este ato é um equívoco, um tiro no próprio pé, dado por um movimento cuja luta quero ver vitoriosa, porque creio que ela não colide, ao contrário, se completa, com a luta permanente pela ampliação da democracia no Brasil.

Atenciosamente,

Paulo Fábio Dantas Neto

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