março 27, 2008

O efeito Zidane

Zinédine Zidane
Visita de Zidane agiliza legalização da primeira rádio de SP

Cristina Charão, para o Observatório do Direito à Comunicação
14.03.2008

Quase dez anos depois de aprovada a Lei de Radiodifusão Comunitária, a maior cidade do país recebe sua primeira autorização para o funcionamento de uma emissora nessa categoria. O ato de outorga do canal 87,5 FM à União de Núcleos, Associações e Sociedade de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco (Unas) foi publicado na última quinta-feira (13/3), no DiárioOficial da União. Com ele, a Rádio Heliópolis, fechada tantas vezes pela Polícia Federal e tantas vezes reaberta, reafirma sua legitimidade.

A autorização, no entanto, surge em meio a um processo conturbado de regularização das rádios comunitárias em São Paulo. Segundo o Observatório do Direito à Comunicação apurou, a interferência direta da Presidência da República levou o Ministério das Comunicações a realizar em menos de uma semana as etapas finais do processo de outorga da Heliópolis.

A ordem foi dada depois de quase um ano e meio de esforços da sociedade para viabilizar a legalização coletiva de diversas emissoras na capital. E por uma razão exótica: a visita do ex-jogador da seleção francesa de futebol, Zinedine Zidane, à comunidade no domingo, dia 16. O craque francês inauguroua nova quadra esportiva da Unas.

A Adidas, patrocinadora da benfeitoria e do atleta, convidou o presidenteLuís Inácio Lula da Silva para participar do evento. Diante desta oportunidade, o Planalto avaliou quais seriam as ações do governo federal que poderiam ser apresentadas pelo presidente no domingo.

O nome da Rádio Heliópolis surgiu e, com ele, a informação de que a emissora não havia sido regularizada. A avaliação dos assessores do governo foi de que a visita presidencial a uma comunidade onde uma rádio aguarda há anos legalização "pegaria mal". O resultado da correria em Brasília beneficia a comunidade de Heliópolis e reforça o pleito das diversas organizações que aguardam a mesma autorização.

Ao mesmo tempo, atesta a incapacidade do governo de, em cinco anos, definir uma política pública que dê conta da demanda pela instalação das rádios comunitárias.

*Heliópolis e o caos paulistano

*Funcionando desde 1992 no centro da maior favela da capital paulistana, a Rádio Heliópolis tornou-se um dos símbolos da perseguição oficial às comunitárias ao ser lacrada, em julho de 2006, por agentes da PF e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A mobilização da comunidade e do movimento de rádios conseguiu recolocar o sinal da Heliópolis no ar, com uma solução precária: a emissora passou a funcionar em caráter científico-experimental, numa parceria com a Universidade Metodista de SãoPaulo.

Neste vai-vem, o caso Heliópolis ganhou também notoriedade jurídica. A Justiça Federal julgou ação movida pela rádio e proclamou que seu funcionamento sem autorização do governo não configurava crime. Foi considerado ilícito administrativo. Ainda assim, há duas semanas, agentes da Anatel estiveram na sede da rádio, prontos para fechá-la novamente. "Ligamos pra direção da Anatel aqui em SP e nem eles estavam sabendo desta ação", contou Geronino Barbosa, uma das lideranças responsáveis pela emissora.

De um lado, a autorização põe fim às incertezas para a comunidade e, aparentemente, encerra a indecisão do governo sobre como se comportar em relação às rádios comunitárias na capital paulista. De outro, o espontaneísmo com que surge a outorga surpreendeu os vários atoresenvolvidos no processo de regularização coletiva iniciado em dezembro de2006, com a publicação do Aviso de Habilitação para a capital paulista.

O Aviso é um tipo de edital para promover o cadastro de interessados em receber a autorização para rádio comunitária. Responderam ao Aviso 154 entidades, das quais 117 foram consideradas aptas para concorrerem à autorização. A Unas era uma destas mais de cem organizações habilitadas. "O que é mais surpreendente é que, ao longo de todo este tempo, o Ministério das Comunicações não fez qualquer esforço para solucionar a questão paulistana, para chegar a um acordo para colocar o maior número de rádios no ar", avalia a advogada Anna Claudia Vazzoler, coordenadora do Escritório Modelo D. Paulo Evaristo Arns. O escritório assessorou diversas organizações no processo de habilitação e acompanhou os esforços de acordo feitos pelas próprias rádios para garantirem as autorizações.

Um dos esforços vem sendo colocar o maior número de emissoras em funcionamento, respeitando a distância obrigatória de 4 quilômetros. A decisão antecipada sobre a Rádio Heliópolis, por exemplo, pode dificultar a instalação de rádios por duas outras entidades habilitadas, nos bairros Saúde e Vila Alpina.

Juçara Terezinha Zottis, da Associação Comunitária Cantareira, uma das entidades habilitadas junto ao ministério para receber a autorização, espera que a decisão indique a disposição de acelerar o processo de todas as rádios comunitárias. Mas ela se mostra surpresa. "A gente está se perguntando porque aquela rádio e não todas. Não dá pra saber qual o critério do Ministério."

Em tempo: o presidente Lula decidiu não participar da atividade com Zidane no domingo.

Fonte: Observatório do Direito à Comunicação

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