março 02, 2008

ABP e o "jus esperniandi"


A excitante arte de equilibrar interesses tem como protagonistas a Associação Brasileira de Psiquiatria - para muitos, uma instituição conservadora - e o Conselho Nacional de Saúde - que desde meados de 2007 criou uma nova resolução elencando novos representantes na Comissão Intersetorial de Saúde Mental. O cenário é mais ou menos o seguinte: a ABP se queixa de que o pessoal da ciência ficou de fora, em favor do pessoal da poesia. Nada a ver com o caso do Amazonas onde, de fato, ficou configurado que levaram a licença poética ao extremo da leseira; sob a elegação de que hansenianos também sofrem psicologicamente garantiram uma vaga no que aqui em Manaus se chama Comissão de Saúde Mental (ex-Conselho de Reforma Psiquiátrica). E as pessoas com malária, tuberculose, hepatite etc. não sofrem também? Numa linha mais sofisticada de raciocínio, por que não colocar os namorados apaixonados, posto que as dores de amor geram sofrimento pra ninquém botar defeito? Ah! meu caro Marcus Vinicius, o Festival de Leseira que Assola o País é interminável. Rir é o melhor remédio! Resta analisar o pleito da ABP. Quem se habilita? RC
CISM: Representatividade equivocada
25-02-2008----------------------------

João Alberto Carvalho: "... como sustentar física e moralmente algo que de princípio tem mecanismos que excluem parte do debate?"

Ideologia e corporativismo para nortear ações deixam ciência em segundo plano

Publicada no Diário Oficial da União, em 30 de janeiro de 2008, a resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº377, de 14 de junho de 2007, que elenca as entidades que deverão compor a Comissão Intersetorial de Saúde Mental (CISM), reacende a discussão sobre a representatividade e seriedade do órgão. Na mesa de reuniões da CISM, responsável por sugerir novas políticas públicas para o setor de saúde mental, médicos especialistas são apenas suplentes.

O CNS é formado por 48 conselheiros titulares e seus respectivos suplentes. São representantes de familiares e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), profissionais de saúde, incluída a comunidade científica, prestadores de serviço, empresas da área da saúde e instituições do governo.

O presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), João Alberto Carvalho, em entrevista, faz uma análise sobre a composição da comissão e reafirma o posicionamento da ABP na formulação das políticas públicas de saúde mental. Não deixem de ler!

Notícias da ABP: Sobre a resolução do CNS publicada recentemente no Diário Oficial, como você avalia a nova composição estrutural da Comissão Intersetorial de Saúde Mental?

JAC: Esta análise deve ser cuidadosa e não burocrática. Merece alguma problematização e reflexão aprofundada. É inegável que o conhecimento psiquiátrico tem sido pouco considerado. Isto é sério, importante e a situação atual é grave, na medida em que envolve recomendações e decisões acerca dos rumos da saúde mental da população de um país. O que se percebe é um franco descaso com a opinião técnica da psiquiatria e de outras profissões. A atual composição obedece a uma lógica francamente ideológica, construída há anos, sem a atenção para o fato de que o que se espera não é atender interesses específicos, mas fazer recomendações que, respeitando o senso comum e a experiência coletiva, se detenham no conhecimento técnico que é bem produzido no país, no que diz respeito à assistência e prevenção.

Notícias da ABP: Como esta mudança se insere no contexto da reforma da assistência em saúde mental?

JAC: Para pensar este tópico, é necessário fazer uso dos vários e importantes “considerandos” que buscam justificar a publicação em Diário Oficial. Vê-se ali a alusão à epidemiologia dos transtornos mentais e sua importância, uma argumentação com base na lei 10.216, cuja avaliação da implantação é imperiosa. Alega-se a relevância da reabilitação psicossocial dos pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internação, com base na lei 10.708/2003. Defende ainda a necessidade de acompanhamento da política de saúde mental em nível nacional, além de pretender que a referida comissão forneça “subsídios efetivos ao Conselho Nacional de Saúde na temática de saúde mental”. Tudo isso sob a égide da “sustentabilidade”, que diz respeito a consenso ético e tem base na solidariedade. Tão nobres e abrangentes propósitos devem requerer uma soma de conhecimentos, experiências e vivências. Tudo isso com referência na pesquisa científica e conhecimento sistemático. Como excluir profissionais na defesa de premissas como estas? Não é aceitável que se pretenda ter respostas a tão sérias indagações sem considerar o conhecimento de profissionais brasileiros.Como sustentar física e moralmente, algo que de princípio tem mecanismos que excluem parte do debate? Como pensar em consensos éticos e baseados na solidariedade, nesse contexto?

Notícias da ABP: Com base na resolução, é possível dizer que a CNS cumpriu a determinação, descrita em seu website, de abrigar a comunidade científica e os profissionais de saúde?

JAC: Seguramente não. Onde está o realce necessário para tantas áreas de conhecimento fundamentais, sobretudo a medicina que defendemos, na saúde mental? Aqui, cabe articular esta lógica de distanciamento do conhecimento médico também com a recente publicação da Portaria 154, de 24 de janeiro de 2008. Ali, e esse é um bom exemplo do que demonstramos, mesmo em um projeto de inegável utilidade, se desconsidera o conhecimento psiquiátrico, na medida em que não faz referência clara a uma importante demanda de saúde no PSF: a elevada prevalência de alguns transtornos mentais, reconhecida pelo MS como preocupante e apontado por diversos colegas que trabalham com atenção primária. Vamos nos pronunciar detidamente em breve, mas é indisfarçável o descaso com evidências da psiquiatria, inclusive para que se ofereça cuidados aos pacientes com estes transtornos, que de fato precisam de assistência psiquiátrica. Onde está, de maneira clara e precisa o conhecimento arduamente produzido pela legião de profissionais, pacientes e comunidade em geral, no campo da psiquiatria? As representações da sociedade civil presentes na CISM merecem todo o respeito, mas duvido que qualquer uma delas, em suas cotidianas batalhas pretenda dar conta de todos os indivíduos em situação de maior vulnerabilidade ou risco. Pensar isso seria falta de respeito. É inaceitável rechaçar os profissionais que labutam na assistência e prevenção, particularmente falo aqui da psiquiatria, que não lida exclusivamente com patologias. A promoção da saúde é também parte do nosso compromisso e do nosso conhecimento.

Notícias da ABP: Por que o Conselho Nacional de Saúde não dá relevância à participação de associações médicas na Comissão Intersetorial de Saúde Mental?

JAC: Gostaria muito de que esta pergunta fosse feita aos responsáveis pelas políticas de saúde deste país, com a expectativa de respostas pouco burocráticas, baseadas em frios documentos. A presença formal, por decretos, de representantes de áreas do saber está longe de significar o reconhecimento de sua necessidade e importância. Fenômenos como este, na composição de uma Comissão tão essencial, se sustentam em práticas políticas e culturais bem sedimentadas. Nós, os psiquiatras brasileiros, temos debatido, trabalhado e feito proposições. Esperamos ver o mesmo nas autoridades constituídas.

Notícias da ABP: Na época em que a resolução foi aprovada, como se posicionou a ABP?

JAC: Naquele momento, como em muitos outros, a ABP foi firme em seus posicionamentos. A diretoria, na ocasião liderada pelo Prof. Josimar França, foi incisiva em sua posição contrária à composição agora oficializada. Isto é inteiramente coerente com a história de nossa ABP. Estamos presentes, desde sempre, na luta contra o autoritarismo no país, no árduo trabalho de combate ao estigma em relação à doença mental, doentes, familiares e profissionais. Nunca nos ausentamos dos debates acerca da necessidade de ir de encontro às discriminações contra aspectos inerentes à pessoa. Por tudo isso e por nosso trabalho atual, sinto-me autorizado a emitir opiniões como estas, oriundas de anos de trabalho no campo médico e social.

Notícias da ABP: Houve resposta dos responsáveis sobre a ausência de médicos na CISM?

JAC: Gostaria muito de debater este tema e outros que dizem respeito à saúde mental no Brasil. Só recebemos silêncios formais. Repetimos exaustivamente que temos trabalho para oferecer, experiências para compartilhar e não temos tido uma escuta respeitosa às nossas posições. Seguimos trabalhando, no campo científico, na ação comunitária, no compartilhar experiências entre nós e com outros profissionais. Este é o nosso compromisso e não deixaremos de cumpri-lo.

Notícias da ABP: O senhor acredita em ingerência da coordenação de saúde mental do Ministério da Saúde no Conselho Nacional de Saúde?

JAC: Nossos argumentos pretendem falar por si. Repito que explicações burocráticas não dão conta de evidências da instalação de práticas com base ideológica e possíveis interesses específicos. Prefiro o debate às farpas e difamações tão comuns no lidar com as diferenças.Nos últimos anos, a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde está empenhada no projeto de reforma do modelo em assistência de saúde mental. Nesse período, os psiquiatras não se furtaram em apontar o que consideram falhas no processo. Ao mesmo tempo em que suas sugestões foram sucessivamente ignoradas, sua representatividade nas discussões das políticas públicas se deteriorou. É importante repetir que isso não se trata de uma luta de classes e que a assistência em saúde mental deve ser interdisciplinar. Por fim, é fundamental que os responsáveis pela condução da saúde mental admitam que a participação dos psiquiatras nesse processo é essencial, na assistência, prevenção e formação de profissionais.

Fonte: Associação Brasileira de Psiquiatria

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