maio 07, 2008

VAMOS AO BAILE: GINGAS DA COMUNICAÇÃO E DA PARTICIPAÇÃO NO ZAPATISMO


Professor Guilherme Gitahy Figueiredo, da Universidade do Estado do Amazonas, tem artigo publicado no número 72 da Revista Lua Nova. Leia abaixo o início do artigo.


VAMOS AO BAILE: GINGAS DA COMUNICAÇÃO E DA PARTICIPAÇÃO NO ZAPATISMO*
Guilherme Gitahy de Figueiredo

“Bailan en el aire piensamientos belicosos.
Todas las palabras son fuertes [...]”
Tássio Franchi

Nas celebrações zapatistas sempre acontece um baile (Rovira, 1997). Este artigo aborda o baile que constitui as novas maneiras de se fazer política do zapatismo. Parte-se dos resultados da dissertação de 2003, publicada no livro A guerra é o espetáculo: origens e transformações da estratégia do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) (Figueiredo, 2006). Nele, tomou-se a “estratégia” como padrões das práticas, dos discursos e das formas de organização ligados aos objetivos e à sobrevivência de um movimento, desenvolvendo-se a idéia de que houve uma lenta mas radical mudança na estratégia zapatista, que deixou o modelo clássico de guerrilha para consolidar-se, em 1996, como construção de “um mundo onde caibam muitos mundos” através do processo de criação de “mecanismos de participação e comunicação”. Agora, ousa-se adensar a análise dos desdobramentos desses “mecanismos” a partir de 1994 (1), antes mesmo de sua consolidação. O processo político instaurado por eles não é do tipo em que um sujeito planeja, executa e tem um resultado previsível, como na “fabricação” de Arendt (2002): relação entre “sujeito” e “objeto”. A nova estratégia zapatista
desenvolve-se na confluência de inúmeros performers, cuja interação gera e é gerada por aqueles mecanismos de participação e comunicação. Isto remete ao conceito de “ação”, que Arendt contrapõe a “fabricação”: a “ação” desperta inúmeras reações de outros sujeitos, de maneira que seus resultados não são previsíveis e perdem-se de vista nas teias inefáveis das relações sociais – é relação entre “sujeito” e “sujeito”.

À luz de Geertz (1989), considera-se que para todas as práticas a sociedade atribui significados, de maneira que elas são “discurso social”, encerrando sempre uma dimensão comunicativa. No caso da “participação”, mas não somente, os zapatistas concordariam com isso: costumam referir-se a ela como “trazer sua palavra”. Mas se para Geertz os significados pertencem a uma “concepção” que é “pública”, comum aos membros de uma “cultura”, para este trabalho é mais adequada a abordagem individualista de Certeau
(1994): as práticas são sempre “artes de fazer”, nas quais cada sujeito inventa, a partir de seu repertório de práticas e significados, um discurso social que não é mera reprodução de uma cultura, mas que também opera desvios, produz a nova cultura através de colagens (2). Ora, se as práticas do povo são sempre “artes de fazer”, podemos ousar o estudo delas como se faz na teoria literária ou na história da arte: a partir de suas tópicas.

[...]

* Este artigo contou com as contribuições do coletivo “Pensamento Radical”, especialmente Leo Vinicius Liberatto, Pablo Ortellado e Marco Fernandes. Devo aindaàs críticas preciosas de Nashieli Rangel, Leda Gitahy, Tássio Franchi e, sobretudo, Adrián Gurza Lavalle, bem como à inspiração do grupo de dança contemporânea Micrantos.
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(1) Sobre o período anterior, o autor não dispõe de dados suficientes para ir além das reflexões do livro.
(2) Certeau (1994) usa o termo bricolage, inspirando-se na imagem dos pequenos trabalhos manuais domésticos em que as pessoas transformam os produtos e sucatas da sociedade urbano-industrial, dando-lhes novos usos e significados.
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