junho 08, 2008

Romance das ladeiras

Manaus - anos 1950; ao fundo, a baía do Rio Negro
ROMANCE DAS LADEIRAS

Anibal Beça ©

As ladeiras de Manaus
desciam no barro liso:
capins na Baixa-da-Égua
fundo Buraco-do-Pinto

Covãos de muitas colinas
na surpresa dos reinóis:
garganta de São Raimundo
sovaco de Santo Antônio
suspiro de moça-virgem
umbigo da Tapajós

Da língua preta de asfalto
nem a saliva se via
Descia-se nos pés em pé
descia-se nos pés sentados
os freios nos calcanhares
nos contornos bem redondos
das nádegas se arrastando
dançando pela ladeiras
chamadas de quebra-bundas

Eram ladeiras alegres
nos tropeços que traziam
nunca se soube notícia
de caminhantes gessados
nas ladeiras de Manaus

Mas de risos se sabia
das quedas escangotadas
dos tombos que desnudavam
os fundilhos generosos
das normalistas da tarde

De uma colhi margarida
noutra plantei açucena
lótus pegou no meu pé
com lírio perdi a pureza
dancei com amor-crescido
quedei-me com malmequer
essa plantinha sestrosa
que sabe todas as curvas
das ladeiras de Manaus

OFERENDA

Aos olhos mais curiosos
um aviso de saudade
libidinoso e egoísta:
acordei menino antigo
sonhando o sonho da noite
brechando o sonho sozinho
das meninas das ladeiras
nas ladeiras de Manaus
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