EL PAÍS
03/05/2008
México vence biopirata americano que patenteou um feijão tradicional do país latino
Uma decisão pioneira anula a patente do produto centenário
De Rafael Méndez
Em Madri
A biopirataria -a apropriação de remédios e plantas tradicionais por parte de grandes empresas- começa a se chocar com a lei. Em uma decisão pioneira, o escritório de patentes dos EUA anulou a patente de um tradicional feijão mexicano que uma empresa de sementes do Colorado registrou como sua. A patente permitia que a empresa cobrasse por cada libra (0,450 kg) que o México exporta para os EUA, apesar de ser tradicional ao sul do rio Grande há um século. A FAO (agência da ONU para a alimentação) e outros organismos internacionais recorreram e o feijão amarelo volta a ser dos agricultores.
Larry M. Proctor é um sujeito esperto. Através de sua empresa de sementes, a Pod Ners, encontrou em 1994 um feijão amarelo muito cobiçado no Colorado.
Disse que era o produto de cruzamentos únicos e lhe deu o nome de sua esposa, Enola. Em 15 de outubro de 1996, Proctor pediu a patente do feijão Enola. Ficou registrado no órgão de patentes dos EUA em 13 de abril de 1999.
Ninguém contestou o opaco processo. O feijão, seu material genético, já era propriedade de Proctor. Seu número de patente, 5.894.079, lhe dava todos os direitos.
Anos depois, as empresas mexicanas começar a exportar para os EUA esse mesmo feijão, só que o chamavam de "azufrado" [enxofrado] ou "mayocoba". E Proctor exigiu de todas elas US$ 0,60 por libra importada. Foi demais. Arruinou as importações e ficou com o mercado. Assim funciona a biopirataria, o termo que descreve as empresas que se apropriam dos remédios tradicionais ou das variedades de cultivo que os agricultores utilizam há séculos.
A FAO e o Centro Internacional para a Agricultura Tropical (Ciat) começaram em 2001 um processo para recuperar a patente do feijão. Como explica da Colômbia Daniel Debouck, responsável pela Ciat, se concentraram em demonstrar que o Enola era na verdade o feijão conhecido cientificamente como Phaseolus vulgaris. Recorreram ao banco de sementes e demonstraram que ele abrigava pelo menos seis variedades indistinguíveis do feijão de Proctor.
"Esse feijão é, por sua cor, muito apreciado no sudoeste dos EUA e no norte do México e Proctor começou a processar os agricultores que o plantavam", indica Debouck.
O caso se transformou em símbolo, e na última terça-feira o escritório de patentes decidiu que o feijão patenteado é na verdade "uma variedade da ervilha comum de campo Phaseolus vulgaris" e que isso inclui "a planta, a semente, o material que se propaga, sua progênie e seus híbridos". Em sua resolução de 48 páginas, afirma que Proctor comprou um pacote de sementes desidratadas em 1994, que as plantou no condado de Montrose e patenteou as descendentes desses feijões definindo-as como possuidoras de uma cor amarela "única".
É um problema crescente no qual empresas de alimentação e farmacêuticas patenteiam remédios tradicionais empregados há muito tempo por indígenas. O Brasil quer controlar o acesso de estrangeiros à Amazônia para evitar essa biopirataria. Há casos muito famosos como a vincristina, um medicamento que a Lilly patenteou contra a leucemia, que é extraído em Madagascar da rosa de Periwinkle.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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