Sociedade civil intervém duramente no caso Jundiaí
Noticiamos aqui a aprovação pela Câmara de Vereadores, e assinatura pelo prefeito de Jundiaí no dia 4 de abril, da lei nº 7.025/2008, que interrompe e proíbe a distribuição das pílulas do dia seguinte pelos serviços públicos e conveniados de saúde do município. Pelo dossiê imprensa disponibilizado no portal da Comissão de Cidadania e Reprodução (leia aqui), observa-se que o tempo todo a hierarquia católica influenciou este processo, comemorando o desfecho que, em nome da democracia e dos direitos das mulheres, precisa ser revertido.
A Lei é inconstitucional e disto foram advertidos tanto vereadores quanto o Prefeito, antes de se posicionarem. O Ministério da Saúde soube do caso através de representantes de organizações da sociedade civil, e a diretora substituta do Departamento de Ações Estratégicas do Ministério, Lena Peres, disse à imprensa:
“Tentamos, antes da sanção, um contato com a secretaria de Saúde local, mas não houve acordo.”
Os encaminhamentos anunciados pelos jornais locais e também em O Estado de S.Paulo, em 21/04, não ocorreram. A promotora Vera Crotti não direcionou qualquer pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade ao procurador-geral de Justiça do Estado e tampouco o Ministério da Saúde entrou com uma ação civil pública contra a medida municipal, a exemplo do que fez nos casos semelhantes ocorridos em Anápolis (GO), e São José dos Campos, Jacareí e Pindamonhangaba (SP).
Diante disto, dez organizações da sociedade civil apresentaram no dia 30 de abril, uma representação de inconstitucionalidade e improbidade administrativa do prefeito e dos vereadores.
A prática é corriqueira – O Jornal de Jundiaí fez reportagem, em 24/04, denunciando a prática de criar e aprovar leis “inúteis” para mostrar serviço. Um dos membros da Consultoria Jurídica da Câmara de Jundiaí declarou que esta situação piora em ano eleitoral. “Muitos [vereadores] querem fazer em seis meses o que não fizeram em quatro anos”. Em média, são 20 projetos de lei que passam, a cada mês, para serem analisados por esta Consultoria, dos quais 97% são carimbados de ilegais ou inconstitucionais, em geral por entrarem em campos que não são da competência do legislativo local. Entretanto, o parecer da consultoria vem sendo sistematicamente derrubado, como foi o caso desta lei.
Além de não ser da competência do município condenar medicamentos, os vereadores e o prefeito de Jundiaí deram ouvidos a argumentos infundados de que a pílula do dia seguinte é abortiva, e alegaram também que o medicamento é “altamente danoso à saúde das mulheres”. Em um município grande, hoje classificado como o mais próspero do estado de São Paulo, e que dispõe de uma medicina avançada, esta estreiteza é no mínimo contraditória.
Comentando este caso no debate “Estado Laico, Democracia e Direitos Humanos”, realizado na capital paulista pela CCR em 29 de abril, o médico Cristião Rosas afirmou que não há provas científicas para os argumentos de que o medicamento “provoca danos sérios à saúde como esterilidade para o resto da vida, enfarto, cegueira” e acrescentou:
“São colocadas na mídia anti-evidências como se fosse discurso científico, como a de que o medicamento provocaria um aborto induzido, o que não condiz com a verdade”.
Em artigo publicado no jornal A Notícia (SC), Samantha Buglione denuncia a falácia na abordagem de eventuais efeitos colaterais da pílula do dia seguinte, com que se tentou justificar a proibição do medicamento:
“…vamos proibir o cigarro, o álcool, andar de carro, viver em locais poluídos ou os outros métodos contraceptivos. Afinal, tudo, em alguma medida faz mal ou não tão bem. Entre o bem e o mal, o problema é tirar das pessoas a autonomia no gerenciamento de suas vidas”.
Autor da lei é questionado pelas mulheres do PSOL – O vereador Cláudio Miranda, que é médico cardiologista, foi interpelado por integrantes da Secretaria de Mulheres de seu partido. Ele foi lembrado da Resolução do Partido Socialismo e Liberdade/ PSOL no 1º Congresso da legenda, em 2007, de comprometimento com “Informação sobre todos os métodos anticoncepcionais e o acesso irrestrito a eles”. Um dado importante desse episódio é que Miranda deve ser confirmado como candidato a prefeito de Jundiaí. Ele espera ser defendido pelos companheiros de Legislativo que o ajudaram a aprovar o projeto, e evitou comentários com a imprensa, limitando-se a dizer:
“Sempre norteei minha vida pública sobre estes pilares: ética, moral e fé”, insistindo ainda que a contracepção de emergência “É uma bomba hormonal”.
O mesmo teor esteve presente em declaração do Prefeito Ary Fossen, que disse ter promulgado a lei…
…“por ser um homem temente a Deus, com princípios éticos e morais (…) minha decisão foi tomada pensando na preservação da vida das mulheres”.
Igreja comemora e quer mais - No dia 20 de abril o bispo da diocese local, Dom Gil Antônio Moreira, expôs a visão da igreja em artigo no Jornal de Jundiaí:
“Não tenho dúvida que [a pílula do dia seguinte] seja [abortiva]. Se é abortiva, é anticonstitucional distribuí-la, uma vez que, no Brasil, os únicos casos de aborto legal não prevêem esta modalidade. A eventual desaprovação da referida pílula em outras Câmaras Municipais se tornaria uma realidade, não fosse a pressão de forças do Governo Federal que, incompreensivelmente se negam a aceitar o seu caráter abortivo, contrariando assim a ciência, e não querem enxergar os danos que ela causa às mulheres. Oxalá o Brasil, constituído de um povo feliz com a vida, francamente contrário a leis abortistas, tenha a coragem de dar uma grande lição ao mundo de respeito à dignidade da vida e do valor incondicional da pessoa humana!”
Moreira celebrou uma missa dedicada a jornalistas, em cujo sermão exortou a mídia a ser “ética” e “defender a vida”, o que significa acusar de antiética e ‘antivida’ a Constituição Brasileira, a lei de Planejamento Familiar, as normas técnicas do Ministério da Saúde que regulamentam o uso da anticoncepção de emergência, e todas as pessoas que defendem o direito de usar o medicamento. Não é a primeira vez na História que a Igreja Católica dá mostras de manipulação da ciência em favor de preceitos que quer impor a toda a sociedade. O que não pode admitir é que o poder público coloque as leis a este serviço.
É rigorosa a representação entregue por entidades ao MP
No dia 1º de maio o Jornal de Jundiaí noticiou a entrega da representação assinada pela sociedade civil, nas mãos da promotora de Justiça da Comarca de Jundiaí, Vera Crotti, que a deve encaminhar ao Procurador-geral de Justiça do Estado, Fernando Grella Vieira (leia a notícia e veja foto da coletiva de imprensa aqui).
A íntegra do texto merece ser lida, por representar uma peça que desmoraliza as tentativas de reverter a lei de Planejamento Familiar. O documento, publicado no Informativo Antigona nº 10( Leia aqui), destrincha o episódio em torno da lei 7.025/08 em seu quadro de irregularidades, com base no marco legal brasileiro e nos acordos internacionais assinados pelo país.
As organizações signatárias solicitam, além da ação direta de inconstitucionalidade e garantia imediata de acesso à contracepção de emergência, encaminhamento de pedido de improbidade administrativa do Prefeito Ary Fossen e de vereadores, e pedido de intervenção do Estado em Jundiaí.
Na coletiva de imprensa Margareth Arilha, diretora executiva da CCR, criticou a postura do prefeito Ary Fossen ao justificar a sanção pelo fato de ser ´temente a Deus´:
“Quem governa não pode levar em consideração opiniões ou crenças pessoais” .
Para Arilha “improbidade administrativa não é só desviar verbas. O prefeito violou o princípio da legalidade e imparciabilidade. Vereadores também aprovaram uma lei sabidamente inconstitucional”. O professor Aníbal Faúndes (UNICAMP/ CEMICAM), também signatário da petição, reforçou na coletiva a leitura científica sobre os efeitos da pílula do dia seguinte:
“Se o óvulo já tiver sido fecundado ou se já estiver pronto para ser fecundado, o medicamento não dá efeito. Ele deve ser ingerido antes disso e, portanto, não poderia provocar um aborto”.
Este caso ensina que é preciso pressionar para que os direitos das mulheres não sejam engolidos por visões ultrapassadas, e que diante de estratégias como esta a vigilância deve ser constante. Quanto às forças a que o bispo se refere em seu artigo, nada mais são do que a voz de brasileiras e brasileiros que se preocupam com a saúde das mulheres e, sobretudo, com seus direitos. Devemos nos mobilizar para que não paire dúvidas sobre qual deve ser a “grande lição ao mundo de respeito à dignidade da vida e do valor incondicional da pessoa humana”.
Angela Freitas/ Instituto Patrícia Galvão
Assinam a petição entregue ao MP:
Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia/ Febrasgo
Comissão de Cidadania e Reprodução/ CCR
Comitê Latino Americano e do Caribe p/ a Defesa dos Direitos da Mulher/ Cladem Brasil
Instituto Antígona
Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos/ Rede Saúde
Rede Bras. de Promoção de Informações e Disponibilização da Contracep. de Emerg./ Rede CE
Católicas pelo Direito de Decidir/ CDD
Ipas Brasil
Jornadas pelo Aborto Legal e Seguro
Aníbal Faúndes/ diretor do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas-Cemicamp
Fonte: Mulheres de Olho
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