abril 01, 2015

"Na cabine do avião". Por Franco Berardi

PICICA: "Dizem que o jovem piloto Andreas Lubitz sofria de crise depressiva e mantinha escondidas da Lufthansa as suas condições psíquicas. Os médicos tinham aconselhado um período de licença do trabalho. Mas isso não é de fato surpreendente: o turbocapitalismo contemporâneo detesta aqueles que pedem para usufruir licenças médicas, e detesta à enésima potência qualquer referência à depressão. Deprimido, eu? Não se fala nunca disso. Eu estou bem, perfeitamente bem, eficiente, alegre, dinâmico, enérgico e acima de tudo competitivo. Faço jogging toda manhã, estou sempre disponível e preparado para coisas extraordinárias. Não seria talvez esta a filosofia do “baixo custo”? Não seríamos talvez rodeados ininterruptamente pelo discurso da eficiência competitiva? Não estaríamos talvez constrangidos no cotidiano a comparar o nosso estado de ânimo com aquela alegria agressiva dos rostos bem sucedidos que aparecem nos anúncios publicitários? Não correríamos talvez o risco de demissão se faltarmos demais ao trabalho por estarmos doentes?

Agora os jornais (os mesmos jornais que há anos vêm nos chamando de pouco esforçados e elogiam a exclusão dos ineficientes) aconselham-nos a prestar mais atenção nos processos seletivos. Teremos controles extraordinários para verificar se os pilotos de avião não sejam desequilibrados, loucos, depressivos, maníacos, melancólicos tristes e abatidos. De verdade? E os médicos? E os coronéis do exército? E os motoristas de ônibus? E os condutores de trem? E os professores de matemática? E os agentes da polícia rodoviária?"

Na cabine do avião

Por Franco Berardi (Bifo) | Trad. Bruno Cava

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Dizem que o jovem piloto Andreas Lubitz sofria de crise depressiva e mantinha escondidas da Lufthansa as suas condições psíquicas. Os médicos tinham aconselhado um período de licença do trabalho. Mas isso não é de fato surpreendente: o turbocapitalismo contemporâneo detesta aqueles que pedem para usufruir licenças médicas, e detesta à enésima potência qualquer referência à depressão. Deprimido, eu? Não se fala nunca disso. Eu estou bem, perfeitamente bem, eficiente, alegre, dinâmico, enérgico e acima de tudo competitivo. Faço jogging toda manhã, estou sempre disponível e preparado para coisas extraordinárias. Não seria talvez esta a filosofia do “baixo custo”? Não seríamos talvez rodeados ininterruptamente pelo discurso da eficiência competitiva? Não estaríamos talvez constrangidos no cotidiano a comparar o nosso estado de ânimo com aquela alegria agressiva dos rostos bem sucedidos que aparecem nos anúncios publicitários? Não correríamos talvez o risco de demissão se faltarmos demais ao trabalho por estarmos doentes?

Agora os jornais (os mesmos jornais que há anos vêm nos chamando de pouco esforçados e elogiam a exclusão dos ineficientes) aconselham-nos a prestar mais atenção nos processos seletivos. Teremos controles extraordinários para verificar se os pilotos de avião não sejam desequilibrados, loucos, depressivos, maníacos, melancólicos tristes e abatidos. De verdade? E os médicos? E os coronéis do exército? E os motoristas de ônibus? E os condutores de trem? E os professores de matemática? E os agentes da polícia rodoviária?

Depuremos os deprimidos. Depuremo-los. Pena que sejam a maioria absoluta da população contemporânea. Não estou falando dos deprimidos declarados, que aliás estão crescendo em proporção, mas daqueles que sofrem de infelicidade, tristeza, desespero, aqueles que raramente informam a situação e com certa prudência. A incidência de doenças psíquicas tem crescido enormemente nas últimas décadas. A taxa de suicídio, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde, subiu 60% (!) nos últimos quarenta anos.

Quarenta anos? O que isso poderá significar? O que aconteceu nos últimos quarenta anos para que tanta gente se apresse em vestir paletó de madeira? Existirá talvez uma relação entre esse incrível aumento da propensão a abreviar a vida e o triunfo do neoliberalismo, que implica precariedade e competição obrigatória? E existirá talvez uma relação com a solidão de uma geração inteira que cresceu diante da tela sendo submetida a contínuos estímulos psico-informativos e tocando sempre menos o corpo do outro? Não se esqueçam que, para cada suicídio realizado, existem cerca de vinte tentados sem sucesso. E não se esqueçam que, em muitos países do mundo (também na Itália), os médicos são convidados a ter cautela na hora de atribuir a morte ao suicídio, se não existirem provas evidentes da intenção do falecido. E quantos acidentes de carro ocultam uma intenção suicida mais ou menos consciente?

Não apenas as autoridades de investigação e a companhia aérea revelaram que a causa do desastre aéreo foi o suicídio de um trabalhador que sofria de crise depressiva e que a mantinha escondida, eis que na internet se coloca em marcha o costumeiro exército de teóricos da conspiração. “Até parece que vou acreditar”, dizem aqueles que suspeitam de um complô. Deve ter a mão da CIA, ou talvez Putin, ou quem sabe foi simplesmente um gravíssimo erro da Lufthansa que agora querem esconder do público. Um chargista que se chama Sartori e acredita ser muito espirituoso mostra um cara lendo um jornal com a manchete “Tragédia Airbus: responsável o copiloto deprimido” e fala: “daqui a pouco vão dizer que o ISIS também é feito por deprimidos”.

Olha aí, parabéns. Acertou o ponto em cheio: o terrorismo contemporâneo pode ter mil causas políticas, mas a única causa verdadeira é a epidemia de sofrimento psíquico (e social, mas as duas coisas são uma só) que se está difundindo pelo mundo. É possível explicar o comportamento de um terrorista, de um jovem que se explode para matar uma dezena de outros seres humanos, apenas em termos políticos, ideológicos, religiosos? Certo que se pode, mas vai ser conversa fiada. A verdade é que quem se mata considera a vida um peso intolerável, e vê na morte a única salvação, na tragédia a única vingança. Uma epidemia de suicídio se abateu sobre o planeta Terra, porque por décadas se pôs pra rodar uma gigantesca fábrica de infelicidade de onde parece cada vez mais impossível escapar. Aqueles que em todo lugar veem um complô deveriam parar de buscar uma verdade escondida, deveriam em vez disso interpretar diversamente a verdade evidente. Andreas Lubitz se trancou naquela maldita cabine porque a dor que sentia dentro de si tinha se tornado insuportável, e porque acusava daquela dor os 150 passageiros e colegas que voavam com ele, e todos os outros seres humanos que como ele são incapazes de libertar-se da infelicidade que devora a humanidade contemporânea, desde que a publicidade nos submeteu a um bombardeio de felicidade obrigatória, desde que a solidão digital multiplicou os estímulos e isolou cada um dos corpos, desde quando o capitalismo financeiro nos constrangeu a trabalhar o dobro para ganhar a metade.

Fonte: UniNômade

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