A força da solidariedade, por Egon Heck |
“O outono continua chuvoso, e de muita esperança para os Kaiowá Guarani e Terena. Hoje, após muita espera e promessas, a comunidade Terena de Cachoeirinha resolveu retornar a um pedaço de sua terra tradicional, já demarcada. Esperamos que prevaleça o direito constitucional e sagrado da comunidade indígena. Que não se repitam as covardes agreções ocorridas no ano passado com ação violenta da polícia militar. Abril é o mes dos povos indígenas. É tempo de reconhecer os direitos dos povos originários, tempo de ir superando a discriminação e os preconceitos, o racismo e a violência, as ameaças e assassinato das lideranças. Temos a possibilidade de conviver com experiências de socieddes milinares, e não somos capazes de aprender com os povos indígenas, com a mãe terra”, escreve Egon Heck, coordenador do CIMI-MS, ao enviar o artigo que publicamos a seguir. Eis o artigo.
Crianças, adolescentes e jovens canadenses vão construindo cartas e cartões para seus irmãos do Ypo’i, comunidade Kaiowá Guarani, distante a milhares de quilômetros daí. A iniciativa foi da Anistia Internacional no Canadá.
Final de março. Três mulheres, da equipe do Cimi Dourados, seguem para o Ypo’í. Tem uma missão especial. Levam consigo mais de mil cartas e carões de solidariedade à comunidade do Ypo’i. Elas tem que ir à noite, atravessando fazendas. O fazendeiro Escobar não deixa ninguém chegar lá pela estrada. Uma porteira e um cadeado fechado, impedem o acesso à comunidade. O cerco só está rompido parcialmente por uma decisão judicial que autoriza a Funai e a Funasa prestarem assistência à comunidade duas vezes por mês.
Muita alegria com a chegada. O dia amanhece com ritual de gratidão. A aldeia de umas dezenas de casas cobertas de sapé ou lona preta, é um aguerrido grupo resistindo em seu tekoha, seu território tradicional. Se a presença de pessoas solidárias já é motivo de muita alegria, imaginemos a cena da entrega das cartas. A sensação de que o mundo envolvesse o pequeno espaço de mata onde a comunidade está cercada. Parecem voar livres nas asas da solidariedade expressa em centenas de desenhos e escritos que foram cuidadosamente sendo sentidas e apreciadas por crianças, jovens e adultos. Como gestos simples se transformam em poderosas armas de esperança! Depois do momento de sentir e apreciar, os cartões se transforma num imenso varal da solidariedade. A resposta vem em gestos de gratidão e felicidade expressos em mais de uma centena de desenhos e escritos que tomem o destino inverso: de Ypo’i ao Canadá.
“Esse é o dia mais feliz de minha vida”, declarou, emocionado, Rodolfo ao caminhar pelo fragmento de floresta em que estão confinados, e mostrar os caminhos da luta e da resistência. Relembrou os momentos difíceis em que foram atacados, torturados e assassinados os dois professores, Genivaldo e Rolindo no final de outubro de 2009. Até hoje não foi localizado o corpo de Rolindo e o inquérito está com o Ministério Público Federal de Ponta Porã.
Ao retornarem a Dourados, da missão de solidariedade, levavam a missão de gratidão das dezenas de cartões que serão enviados a amigos do povo Guarani, no Canadá. Fica uma bela página de resistência e solidariedade, gravada em milhares de corações.
Ninguém ficará impune
Outro fato importante para os Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul, foi a visita da Comissão Técnica Federal do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Os cinco integrantes dessa importante delegação, com o apoio e escolta da polícia rodoviária federal, tiveram um intenso roteiro, de visitas para ouvir horas e horas de relato das agressões, violências, ameaças e discriminação de que são vítimas comunidades e indígenas Kaiowá Guarani neste região do cone sul deste Estado.
Em Dourados a Comissão teve um encontro com uma delegação de lideranças do Conselho da Aty Guasu. Puderam explicar aos indígenas a atuação desse programa do governo federal, no sentido de se inteirar das violências e ameaças de que são vítimas cidadãos deste país e encaminhar aos respectivos órgãos relatos exigindo providências. Com isso esperam contribuir para que não mais se repitam as bárbaras violências contra os Kaiowá Guarani, especialmente na luta pelas suas terras.
De Dourados seguiram para visita à comunidade do Ypo’í, município de Paranhos, onde permaneceram um dia ouvindo todos os relatos da comunidade. Tudo foi gravado e filmado. Extensos e pormenorizados relatos forram registrados. Para a comunidade foi um momento importante para sentirem que daqui em diante estarão mais protegidos em seus direitos, contra qualquer tipo de desrespeito e agressão a seus direitos. Rodolfo fez uma fala emocionada, conforme relato do advogado Rogério, dizendo “…Meu pai perdeu o filho, morto pelos pistoleiros. Um filho assassinado que estava lutando pelo tekohá. Até hoje ninguém foi preso. Aí, depois de um tempo, aparece um processo acusando meu pai de um crime que ele não cometeu. Isso é Justiça? Isso não tá certo! Isso que é a Justiça que querem dar para o nosso povo?” Quando a comitiva estava chegando próximo ao portão da fazendo, subitamente apareceu o fazende iro Fermino Escobar, desandando acusações contra os índios.
A comissão seguiu para visita à comunidade de Nhanderu Marangatu no município de Antonio João. Ali também puderam ouvir relatos de uma década de violência e confinamento de mais de mil indígenas em 124 hectares de Terra. Além das agressões e ameaças que a comunidade continua sofrendo, também lembraram que apesar de sua terra de 9.300 hectares ter sido demarcada e homologada pelo presidente Lula, até hoje não foi julgado o pelo Supremo Tribunal Federal, o processo que lhes devolvesse as terras. O processo contra os assassinos de Dorvalino, no dia 24 de dezembro de 2005, está parado. Foram quase cinco horas de depoimentos e contato com essa realidade de uma das comunidades mais agredidas nesses últimos anos.
A visita à comunidade Terena de Cachoeirinha também foi muito importante. Foi a primeira visita da Comissão a uma comunidade Terena, que sofreu violências brutais da polícia do estado, ao ser despejada, no ano passado, de parte de sua terra, já demarcada.
A solidariedade ampla, nacional e internacional é uma das formas mais eficazes da garantia dos direitos indígenas.
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