agosto 07, 2012

"Fatos e mitos sobre a luta dos professores federais", por Idelber Avelar

PICICA: "Apesar de tudo, a máquina de mentiras do governismo continuou operando a toda nas redes sociais: um de seus pseudônimos no Twitter chegou a afirmar que havia professores brasileiros no exterior “fazendo as malas” para voltar. Só se for os professores brasileiros residentes no Zimbábue, porque o que é oferecido a um Professor Doutor (lembre-se: graduação + mestrado + doutorado: no mínimo década e meia de estudo e produção acadêmica contínua) como salário-base inicial para um regime de 40 horas ainda é menos que Tulane University,  uma universidade que reconhecidamente paga mal, oferece como bolsa a um estudante de mestrado – isso em New Orleans, cidade que tem hoje um custo de vida inferior aos do Rio de Janeiro ou de Belo Horizonte, para ficarmos nas sedes das duas mais ilustres universidades federais brasileiras. Ainda assim, a greve dos professores vem sendo atacada como “corporativista”, o que é francamente ridículo em se tratando de uma categoria tão importante, estratégica e mal paga. Como diria o nosso querido TecloLogoExisto, querem que os professores façam greve por quê? Pela paz e harmonia universal entre os povos?" 


Fatos e mitos sobre a luta dos professores federais

 

A mídia brasileira, supostamente um “PiG” segundo tantos governistas, parece abandonar qualquer veleidade golpista quando se trata de greve de trabalhadores. No caso da atual greve dos professores federais (do Magistério Superior e do Magistério Básico, Técnico e Tecnológico) e dos servidores técnico-administrativos, a imprensa tem funcionado basicamente como uma caixa de ressonância do governo, repetindo de forma descontextualizada números que se desmancham quando colocados em contexto, de forma a criar a impressão de professores marajás que se recusam a aceitar generosas ofertas do Executivo. Vamos ver se essas matérias resistem à análise.
 1. A mentira do reajuste de 45% (ou será 47,7%?)
Na rotina de repetir informações oficiais, a imprensa foi preguiçosa, na melhor das hipóteses ou, como o governo, desonesta com os números. Governo concede reajuste de 25% a 45%, afirmou o Estadão. Governo propõe reajuste de até 47,7%, manchetou o Globo. Em primeiro lugar, salta aos olhos a discrepância entre os números dos dois jornais. É 45%, como diz o Estadão, ou é 47,7%, como diz o Globo? Não pode ser as duas coisas. Na verdade, não é nenhuma das duas, e não o é por um motivo muito simples, tão simples que chega a ser difícil acreditar que foi mera preguiça dos dois jornais. No mundo realmente existente, os preços sobem – existe aquela coisinha chamada inflação. Vejamos o que acontece com os números do governo quando ela é computada. A remuneração recebida pelos professores até fevereiro foi tomada como referência pelo governo e os valores foram fixados em julho de 2010. Ou seja, há que se computar a perda do poder aquisitivo desde julho de 2010. Mas a brincadeira não termina aí. Os índices propangadeados pelo governo não são de um aumento imediato e automático. A tabela só seria completada em março de 2015.
 É só fazer as contas. Vamos lá?
A partir do IVC medido pelo DIEESE, a desvalorização salarial entre julho de 2010 e junho de 2012, mais a projetada até março de 2015, é de 35,55%. De uma tacada, desaparece um enorme naco do que seria o “reajuste” proposto pelo governo. Lembre-se de que todo o noticiário sobre a proposta apresentada aos docentes brandia esses números (45% ou 47%) como se esses fossem os reajustes – sem informar que se tratava de valores fixados em julho de 2010 e sem mencionar que eles não seriam implementados na íntegra até março de 2015.
Computando a corrosão inflacionária, então, sobrariam 10% (segundo a mentira publicada no Estadão) ou 12% (segundo a mentira publicada no Globo) de reajuste para os docentes, correto? Errado de novo. Esse número apresentado depois da partícula “até” — “Governo oferece reajuste de até 45%” – na verdade se aplica somente aos Profesores Titulares, que representam não mais que 10% do quadro docente das federais brasileiras. Mais importante ainda, e desconhecido por quem não está familiarizado com o sistema universitário federal brasileiro, é o fato de que os Professores Titulares atualmente não estão inseridos no plano de carreira dos demais professores. Um Professor Adjunto 4 (nível imediatamente anterior) que queira aceder à posição de Titular deverá prestar outro concurso e, em muitos casos, perder benefícios previdenciários que já possuía. No caso da maioria dos professores, a proposta do governo representa, na verdade, uma perda salarial.
2.  A farsa dos R$17 mil 
A greve dos professores foi iniciada no dia 17 de maio, com 14 universidades. Nas duas semanas seguintes, já eram mais de 40 instituições paralizadas, e logo em seguida a greve passou a incluir quase a totalidade dos professores federais. Praticamente dois meses inteiros transcorreram até que, no dia 13 de julho, o governo aceitou se sentar à mesa de negociação. Repitamos: a mesma Dilma Rousseff que se cansou de falar em “valorizar o magistério” e “priorizar o diálogo” durante a campanha eleitoral deixou que uma greve do mui mal pago professorado federal transcorresse durante 57 dias sem tomar conhecimento, oferecer qualquer proposta ou sequer reconhecer que havia um movimento reivindicatório. Quando o governo finalmente dirigiu a palavra aos professores, 56 das 59 universidades estavam em greve. Junto com a mentirosa porcentagem dos “45%”, brandiu-se na mídia o valor de R$ 17,1 mil, que é o oferecido pelo governo para Professores Titulares, em fim de carreira, a ser recebido em 2015 – uma anomalia que afeta uma ínfima parcela dos professores universitários brasileiros, que recebem salários que estão longe da metade disso. Eu cheguei a ser interpelado por uma pessoa que estava convicta de que os professores federais brasileiros “haviam recusado oferta de 17 mangos por mês”.
 Tal como está estruturada hoje, a carreira do docente universitário se divide em: Professor Auxiliar (que possui graduação, progride de níveis 1 a 4 e que hoje entra ganhando  2.872,85 reais), Professor Assistente (que possui mestrado, também progride de níveis 1 a 4 e hoje começa com 3.181,04 reais – sim, isso, um professor universitário com mestrado no sistema federal brasileiro recebe hoje menos da metade de um técnico de nível médio do TCU), Professor Adjunto (que tem doutorado, também avança de 1 a 4 e inicia, hoje, na faixa dos 3.553,46 reais de vencimento básico [VB], acrescidos de uma retribuição por titulação [RT] que eleva o bruto a 7.627,00) e Professor Associado (também doutor, também escalonado em quatro níveis, e com VB iniciando em 4.043,87, chegando até 11.131,69 quando computamos o RT). No caso de que abra uma vaga na instituição, quem tem tempo, energia e disposição para se preparar para outro concurso terá a chance de aceder ao cargo de Professor Titular.
Todos os números fornecidos acima se referem aos professores que trabalham em regime de dedicação exclusiva. Para os que trabalham em regime de 40 ou 20 horas, a remuneração é substancialmente inferior, claro. Aliás, os professores são, provavelmente, os únicos servidores federais para quem a remuneração em regime de 40 horas não é o dobro daquela paga aos que trabalham em regime de 20 horas. Um Doutor, entrando como Profesor Adjunto, em regime de 20 horas, recebe hoje 2.619 reais no sistema federal brasileiro, já incluída a remuneração por titulação. Trabalhando em regime de 40 horas, esse mesmo Professor Adjunto, com doutorado, recebe hoje 4.472 reais, só 2.618,61 dos quais são realmente salário. O resto é bonificação por titulação que não entra, por exemplo, no cálculo dos benifícios previdenciários. Os números podem ser conferidos a partir da página 170 deste documento.

3. Reivindicações
Os professores reivindicam um plano de cargos e salários que unifique a profissão de professor federal e que trate os docentes com isonomia, dentro de uma sequência coerente. Várias das propostas apresentadas pelo movimento foram apropriadas pelo governo e desvirtuadas dentro de um regime no qual elas perdem o seu sentido. Por exemplo, a proposta de redução dos 17 níveis da carreira atual para 13 foi aceita pelo governo, mas … tchan tchan tchan … aumentando de 18 para 24 meses o prazo mínimo para que se ascenda de um nível a outro! Basta você multiplicar 17 x 18 e depois multilplicar 13 x 24 para perceber que o governo simplesmente tirou sarro da cara dos grevistas. Pior ainda, a progressão de nível passa a ser sujeita a “avaliação de desempenho de acordo com diretrizes estabelecidas pelo MEC”, diretrizes que ninguém sabe quais são.
Mais grave ainda, a primeira proposta apresentada pelo governo incluía o aumento da carga horária mínima obrigatória, de oito para doze horas-aula semanais, incrementando em 50% o tempo de sala de aula e reduzindo ainda mais as condições de pesquisa e produção acadêmica segundo as quais os docentes são avaliados. Num magnífico texto publicado no Passa Palavra, o Prof. João Alberto da Costa Pinto, da Universidade Federal de Goiás, detalhou o caráter essencialmente tecnocrático da proposta do governo, que impõe, especialmente às ciências humanas, um modelo de avaliação próprio das ciências exatas, consoante com a famosa frase da Presidenta, de que “o Brasil não precisa de mais sociólogos, precisa é de engenheiros”. Para uma avaliação minuciosa do escárnio que foi a proposta do governo, pode-se consultar este documento da ANDES.
Apesar de que nenhuma das reivindicações dos docentes foi atendida pelo governo, uma entidade que não representa mais que oito instituições, e formada por forças governistas com pouquíssima representatividade dentro da categoria, o Proifes, assinou um “acordo” com o Executivo prevendo o fim da greve. Esqueceram-se, como diria Garrincha, de combinar com os russos. Mesmo algumas das universidades cujo sindicato é controlado pelos pelegos do Proifes — UFBA, UFG, UFC e UFPel — decidiram pela continuação da greve. A rigor, só a Federal de São Carlos decidiu pela volta às aulas. Outro belo texto do Prof. João Alberto da Costa Pinto relata como a luta dos professores vai atropelando, de forma surpreendente para muitos, os pelegos do Proifes.  Para entender como se construiu um sindicato pelego para tentar solapar a ANDES e a luta dos professores, este texto do Acerto de Contasé leitura obrigatória.
Apesar de tudo, a máquina de mentiras do governismo continuou operando a toda nas redes sociais: um de seus pseudônimos no Twitter chegou a afirmar que havia professores brasileiros no exterior “fazendo as malas” para voltar. Só se for os professores brasileiros residentes no Zimbábue, porque o que é oferecido a um Professor Doutor (lembre-se: graduação + mestrado + doutorado: no mínimo década e meia de estudo e produção acadêmica contínua) como salário-base inicial para um regime de 40 horas ainda é menos que Tulane University,  uma universidade que reconhecidamente paga mal, oferece como bolsa a um estudante de mestrado – isso em New Orleans, cidade que tem hoje um custo de vida inferior aos do Rio de Janeiro ou de Belo Horizonte, para ficarmos nas sedes das duas mais ilustres universidades federais brasileiras. Ainda assim, a greve dos professores vem sendo atacada como “corporativista”, o que é francamente ridículo em se tratando de uma categoria tão importante, estratégica e mal paga. Como diria o nosso querido TecloLogoExisto, querem que os professores façam greve por quê? Pela paz e harmonia universal entre os povos? Lembremos ainda que a greve inclui também os Professores e Técnicos-Administrativos dos Institutos Federais, aos quais o governo ainda não fez nenhuma proposta, o que inviabiliza, claro, que o seu sindicato, o SINASEFE, sequer cogite abandonar a greve.
Tudo isso, claro, porque elegemos um governo que prometeu “valorizar o magistério”.

Agradeço ao Chico Capeta pela cessão de materiais relacionados à greve.

Fonte: Outro Olhar

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