julho 09, 2015

"Chega de Eurocentrismo na Esquerda Brasileira!" (Parte 1) Por Roberto Santana Santos (Brasil em 5)

PICICA: "A esquerda brasileira sempre padeceu de diversos problemas. O maior deles é o eurocentrismo, que na verdade é parte de algo maior, a saber, o desconhecimento da nossa própria realidade latino-americana e brasileira. Infelizmente, alguns camaradas não aprendem com os erros da história."


Chega de Eurocentrismo na Esquerda Brasileira!


Por Roberto Santana Santos* – em colaboração especial para o Brasil em 5 (participe também enviando seus textos aqui)


A esquerda brasileira sempre padeceu de diversos problemas. O maior deles é o eurocentrismo, que na verdade é parte de algo maior, a saber, o desconhecimento da nossa própria realidade latino-americana e brasileira. Infelizmente, alguns camaradas não aprendem com os erros da história.


Nos últimos meses escuto de maneira atordoada frases parecidas com essa: “agora a coisa está mudando, a esquerda voltou, graças ao Podemos na Espanha e o Syriza na Grécia”. Por favor, parem. Apenas parem. Façam aquilo que um marxista faz de melhor (ou deveria): análise de conjuntura.


Vivemos ainda sob a hegemonia do neoliberalismo, mesmo que seja hoje uma hegemonia contestada. Uma hegemonia combalida, porém não derrotada. Onde surgiram as reações mais avançadas e populares aos “ajustes neoliberais”? Na região do mundo onde os tais ajustes foram aplicados de maneira mais selvagem e ortodoxa, nossa América Latina. Mais do que isso, rebeliões populares se traduziram a médio/curto prazo em avanços organizacionais capazes de disputar e chegar ao poder.


O Caracazo de 1989 na Venezuela iniciou o processo que culminaria em Hugo Chávez como produto das lutas do povo daquele país. Assistimos há dezessete anos a Revolução Bolivariana triunfar, hegemonizar a política venezuelana, construir novas formas de se pensar o socialismo (adaptado ao nosso tempo histórico e à nossa latino-americanidade) e inclusive sobreviver à desaparição física de sua liderança, mantendo o processo frente a todos os desesperados ataques do Império.


A “Guerra da Água” (2000) na Bolívia, realizada por movimentos sociais contra a privatização desse recurso vital, levou à criação do MAS (Movimento ao Socialismo) que chegou ao poder com Evo Morales. Processo semelhante criou a Alianza País de Rafael Correa no Equador. Essas e outras forças minimamente progressistas da região tocam um sem número de projetos de integração regional de forma soberana e a margem dos interesses norte-americanos. Somam-se outras forças de esquerda nessa conjuntura que não chegaram ao poder, mas ganharam fôlego devido às mudanças perpetradas nos últimos tempos.


A resposta ao neoliberalismo e o renascimento do socialismo no século XXI (dado como morto pelo pensamento conservador após o fim da União Soviética), é produto da organização e originalidade latino-americana. Por acaso os atuais processos na Grécia e na Espanha são mais avançados que o da Venezuela? O governo do Syriza é melhor que o do Equador? Aléxis Tsípras e Pablo Iglesias são intelectuais capazes de desenhar um socialismo com mistura de relações produtivas como cooperativas, estatais e comunitário-indígenas como Álvaro Linera (vice de Morales na Bolívia)? Essas forças europeias têm um projeto de integração regional alternativo ao grande capital e balizado por um pensamento como o bolivariano?


Não se trata aqui de diminuir ou glorificar. O que ocorre hoje na Grécia e na Espanha merece toda a nossa solidariedade e apoio. Trata-se da nossa esquerda desconhecer seus povos e a si mesma. Somos originais e originais devem ser nossas respostas revolucionárias. Nossas burguesias e boa parte de nossa classe média vivem na “síndrome do vira-lata”. Uma esquerda popular não, não pode cometer tamanho erro. O século XXI não perdoará outra vacilação da esquerda latino-americana. “Ou inventamos, ou erramos”.

*Roberto Santana Santos é historiador e professor de história. Doutorando em políticas públicas pela UERJ. Membro da Coordenação Política Nacional das Brigadas Populares. Autor do livro “Coronéis e empresários: da esperança da transição democrática à catástrofe neoliberal (1985-2002)” (ver aqui).

Fonte: Brasil em 5

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