PICICA: "A esquerda brasileira sempre padeceu de
diversos problemas. O maior deles é o eurocentrismo, que na verdade é
parte de algo maior, a saber, o desconhecimento da nossa própria
realidade latino-americana e brasileira. Infelizmente, alguns camaradas
não aprendem com os erros da história."
Chega de Eurocentrismo na Esquerda Brasileira!
Por Roberto Santana Santos* – em colaboração especial para o Brasil em 5 (participe também enviando seus textos aqui)
A esquerda brasileira sempre padeceu de
diversos problemas. O maior deles é o eurocentrismo, que na verdade é
parte de algo maior, a saber, o desconhecimento da nossa própria
realidade latino-americana e brasileira. Infelizmente, alguns camaradas
não aprendem com os erros da história.
Nos últimos meses escuto de maneira
atordoada frases parecidas com essa: “agora a coisa está mudando, a
esquerda voltou, graças ao Podemos na Espanha e o Syriza na Grécia”. Por
favor, parem. Apenas parem. Façam aquilo que um marxista faz de melhor
(ou deveria): análise de conjuntura.
Vivemos ainda sob a hegemonia do
neoliberalismo, mesmo que seja hoje uma hegemonia contestada. Uma
hegemonia combalida, porém não derrotada. Onde surgiram as reações mais
avançadas e populares aos “ajustes neoliberais”? Na região do mundo onde
os tais ajustes foram aplicados de maneira mais selvagem e ortodoxa,
nossa América Latina. Mais do que isso, rebeliões populares se
traduziram a médio/curto prazo em avanços organizacionais capazes de
disputar e chegar ao poder.
O Caracazo de 1989 na Venezuela iniciou o
processo que culminaria em Hugo Chávez como produto das lutas do povo
daquele país. Assistimos há dezessete anos a Revolução Bolivariana
triunfar, hegemonizar a política venezuelana, construir novas formas de
se pensar o socialismo (adaptado ao nosso tempo histórico e à nossa
latino-americanidade) e inclusive sobreviver à desaparição física de sua
liderança, mantendo o processo frente a todos os desesperados ataques
do Império.
A “Guerra da Água” (2000) na Bolívia,
realizada por movimentos sociais contra a privatização desse recurso
vital, levou à criação do MAS (Movimento ao Socialismo) que chegou ao
poder com Evo Morales. Processo semelhante criou a Alianza País de
Rafael Correa no Equador. Essas e outras forças minimamente
progressistas da região tocam um sem número de projetos de integração
regional de forma soberana e a margem dos interesses norte-americanos.
Somam-se outras forças de esquerda nessa conjuntura que não chegaram ao
poder, mas ganharam fôlego devido às mudanças perpetradas nos últimos
tempos.
A resposta ao neoliberalismo e o
renascimento do socialismo no século XXI (dado como morto pelo
pensamento conservador após o fim da União Soviética), é produto da
organização e originalidade latino-americana. Por acaso os atuais
processos na Grécia e na Espanha são mais avançados que o da Venezuela? O
governo do Syriza é melhor que o do Equador? Aléxis Tsípras e Pablo
Iglesias são intelectuais capazes de desenhar um socialismo com mistura
de relações produtivas como cooperativas, estatais e
comunitário-indígenas como Álvaro Linera (vice de Morales na Bolívia)?
Essas forças europeias têm um projeto de integração regional alternativo
ao grande capital e balizado por um pensamento como o bolivariano?
Não se trata aqui de diminuir ou
glorificar. O que ocorre hoje na Grécia e na Espanha merece toda a nossa
solidariedade e apoio. Trata-se da nossa esquerda desconhecer seus
povos e a si mesma. Somos originais e originais devem ser nossas
respostas revolucionárias. Nossas burguesias e boa parte de nossa classe
média vivem na “síndrome do vira-lata”. Uma esquerda popular não, não
pode cometer tamanho erro. O século XXI não perdoará outra vacilação da
esquerda latino-americana. “Ou inventamos, ou erramos”.
Fonte: Brasil em 5
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