julho 27, 2015

O capital que neutraliza e a necessidade de uma outra esquerda. Entrevista com Giuseppe Cocco, por IHU online (UniNômade)

PICICA: "Com rigor de análise, nesta entrevista Cocco aponta a profunda mistificação à esquerda do debate brasileiro em 2015. Mistificação que não descansa, simplesmente, em falsas ideias vigentes nas cabeças dos esquerdistas, em falsas crenças induzidas por conceitos inadequados. Assenta-se, isso sim, num esgotamento real, sensível, histórico, dos modos de implicação dessa própria esquerda no projeto governista ou do PT (ou da esquerda do PT), esterilizando em consequência qualquer práxis transformadora ou organização de ação, que permitissem contribuir para alternativas e saídas da crise."

O capital que neutraliza e a necessidade de uma outra esquerda

Entrevista com Giuseppe Cocco, por IHU online, 5/7/15

Cocco


INTRODUÇÃO 

Quem começou o dilúvio

Com rigor de análise, nesta entrevista Cocco aponta a profunda mistificação à esquerda do debate brasileiro em 2015. Mistificação que não descansa, simplesmente, em falsas ideias vigentes nas cabeças dos esquerdistas, em falsas crenças induzidas por conceitos inadequados. Assenta-se, isso sim, num esgotamento real, sensível, histórico, dos modos de implicação dessa própria esquerda no projeto governista ou do PT (ou da esquerda do PT), esterilizando em consequência qualquer práxis transformadora ou organização de ação, que permitissem contribuir para alternativas e saídas da crise.


Segundo Giuseppe, tal mistificação passa, em primeiro lugar, pela reedição da dicotomia entre capital financeiro e um estado intervencionista, que seria capaz de regulamentar a dinâmica supostamente gananciosa do lucro e caótica da acumulação. Essa dualidade geralmente assume tons morais e se deve, sobretudo, à oposição entre mercado e estado: seria possível produzir uma correlação de força no interior das forças do capital que, com a ideologia certa, pudesse levar à ocupação do estado por uma vontade política capaz de tensionar o grande capital, a favor da renda do trabalho, combatendo assim a especulação e o rentismo.


A gramática antineoliberal dos anos 1990 reaparece, dessa forma, introduzida à força no cenário bastante diverso de 2015, depois das transformações da composição social e de classe dos anos 2000 e das expressões biopolíticas de um novo ciclo de luta, em especial, na expressão máxima das jornadas de junho de 2013. Ignorando as mudanças reais do mundo, a lógica da “correlação de força” se torna simplória, restringindo-se a um braço-de-ferro entre o capital financeiro e o estado mais ou menos dirigido pela esquerda, numa disputa linear de forças que se resolveria, feitas as contas, nos planos macroeconômico e geopolítico. 

Dessas premissas, decorre a tão conveniente leitura que Dilma e o PT, no primeiro mandato, tentaram afirmar uma relação melhor entre capital e trabalho, por exemplo, na redução dos juros, mas acabaram vencidos e subjugados 1) pelo inimigo externo dos mercados, 2) pelo inimigo interno do “avanço conservador”. Apesar disso, da derrota que hoje cabe reconhecer com a indicação de um banqueiro para comandar a Fazenda, havia e continua havendo uma intenção ideológica que, uma vez retomado o crescimento, vai resgatar uma ação virtuosa à esquerda. Com isso, o “ajuste fiscal” — o teor real do slogan eleitoral “muda mais” — é desculpado como imposição, enquanto Dilma apenas aparece como uma governante enfraquecida, refém das circunstâncias, como se superada por uma crise.


O erro é duplo, de premissa e de perspectiva. Primeiro, erro do que seria uma remobilização produtiva capaz de alterar a configuração de forças, antes de chegar às contas da macroeconomia e da geopolítica. O governo Dilma e o PT apostaram numa visão do que seria “setor produtivo”, segundo o esquema neodesenvolvimentista, apostando na aliança com os empresários comprometidos com o desenvolvimento nacional, isto é, agrobusiness, montadoras, empreiteiras, mineradoras e indústria do Petróleo, nessa lógica para privilegiar campeões nacionais, os “brazilian global players”, ainda que eles sejam… Eike Batista, Kátia Abreu, a JBS/Friboi. Como se a Odebrecht fosse patrimônio do povo brasileiro. Em segundo lugar, erro da perspectiva, ao desconsiderar inteiramente a capacidade criativa e antagonista de uma nova composição de classe, num discurso decadentista em que o PT, em especial a esquerda do PT, se coloca como último bastião das conquistas sociais em meio a um caldo amorfo e conservador das massas. Os preconceitos esquerdistas contra os evangélicos em geral (amiúde identificando avanço conservador com avanço evangélico), assim como a desqualificação de panelaços e outros protestos anticorrupção, são exemplares dessa operação, alimentada diariamente pela blogosfera e a facebukosfera progressistas.

Como Giuseppe explica, parafraseando-o: “sem democracia operária só resta virar playground do capitalismo.” Os dois erros, portanto, conduziram ao “ajuste fiscal”. O que aconteceu não porque o governo e o PT tenham sido vencidos, mas porque, justamente, ambos venceram. Estamos vivenciando o sucesso de tudo o que significa o governo Dilma. A conjuntura atual não foi causada por crises internacionais ou por alguma emergência endógena de conservadorismo social, que tenha mudado a “correlação de forças”. Foi resultado, isso sim, de uma política deliberada e estratégica bancada pelo governo Dilma e ideologicamente pela esquerda do PT, que já estava presente nos governos Lula e que se aferrou, quase unidimensionalmente, a partir de 2011. 

Uma política estratégica que, apesar das constantes deblaterações antineoliberais vagamente keynesianas, está inteiramente engrenada na lógica do capital mundial. Depois da dissolução pós-fordista do valor e da globalização intensificada da produção, do ponto de vista da expansão do novo regime de acumulação, — como comenta o entrevistado, —  não existe mais qualquer antagonismo real entre estado e mercado, qualquer contradição entre imperialismo dos EUA e da China (ou Rússia), nos termos de uma esquerda embotada da guerra fria. Esses termos, nos anos 70, já eram antiquados.

O drama da conjuntura presente tem sido a capacidade de, apesar de tudo, negar diariamente essa mistificação à esquerda, com a tentativa de repolarizar a sociedade não a partir das lutas, demandas, tensões e crises em que vivemos; mas “desde cima”, a partir de uma polarização artificial entre grupos que aspiram apenas a manter-se em cargos, posições e mandatos, custe o que custar. Não podendo absorver a conflitividade social, o sistema político se fecha ainda mais, blindando-se. O conflito real se transfere assim a terrenos outros, num caldeirão de indignações que começa a se tornar inestancável e positivamente imprevisível. Com todas suas limitações, as manifestações do 15M e do 12A de 2015 demonstram como, obliterada a possibilidade de relação com as esquerdas, essas indignações passam a se apropriar, elas próprias, dos referentes que encontrarem à disposição, para formular um projeto novo.

Daí não admire a tentativa, às vezes condensada na ideia de um frentismo de esquerda, de resgatar uma intenção residual, apesar de tudo, num projeto ainda depurável do PT  — ou, pelo menos, na cada vez mais acrobática esquerda do PT. O vazio e o subsequente fracasso dessa tentativa têm conduzido, pela falta de agenda positiva, a remoer a chantagem do après moi, le déluge. O que só funciona com uma esquerda esgotada de positividade, de práxis, de ação produtiva, a ponto de ter de alternar entre um looping infindável de denúncias inertes (por vezes autofágicas) e a busca desesperada de um novo redentor, seja ele Haddad, a volta de Lula ou — suma salvação — o próprio monarca do Vaticano. 

Mas para quem sofre os efeitos da crise, as águas já estão subindo. E para os movimentos não-governistas e as lutas de junho de 2013, o golpe já aconteceu. 

(Bruno Cava)

ENTREVISTA

IHU On-Line – A partir da crescente financeirização da economia e do aprofundamento das desigualdades, quais são as novas formas políticas que surgem em nosso tempo?
Giuseppe Cocco – Responderei em dois momentos: em primeiro lugar sobre a desigualdade e, em segundo lugar, sobre a financeirização.

No capitalismo contemporâneo, a desigualdade aumenta por causa de um regime de acumulação capitalista que consegue mobilizar o trabalho por fora da relação salarial de tipo fabril e ao mesmo tempo por fora dos marcos nacionais, num terreno imediatamente global (o que se chama, aliás, de “global sourcing”: as redes globais da “terceirização”). Trata-se de um movimento ambivalente, como sempre no capitalismo.

Por um lado, o trabalho fabril está perdendo direitos e força (há um movimento de exclusão por fragmentação das grandes massas homogêneas de proletariado fabril); pelo outro, os pobres estão sendo mobilizados como pobres sem mais passar pela relação salarial (há um movimento de inclusão sem homogeneização ou por “modulação”). O trabalho está se tornando “pobre” e os “pobres” estão sendo postos para trabalhar, como pobres.

Um dos marcos dessa ambivalência foi a divergência do andamento da curva que caracteriza a desigualdade nas economias centrais (onde aumentou), comparativamente à curva das economias emergentes (onde teve uma leve inflexão). Os governos Lula foram, assim, o teatro de uma pequena diminuição da desigualdade.

Em cima disso, eles construíram duas miragens: por um lado, passaram a afirmar que a pobreza teria desaparecido (não importa que isso não corresponda à evidência da persistência, sempre aparece algum relatório de alguma instituição decretando o que a realidade contesta batendo nas panelas de todo o país); pelo outro, olharam apenas para o oásis das estatísticas de renda e, com base nisso, afirmaram a emergência de uma “nova classe média”.

Regime fabril autoritário

Contudo, essas duas miragens desempenharam um incrível papel no marketing eleitoral e, ao mesmo tempo, acabaram funcionando mesmo como… miragens: no final da caminhada, não havia nenhum oásis de consenso consumidor e o deserto passou a ser o terreno de um novo êxodo: um novo ciclo potentíssimo e inovador de lutas sociais.

O levante de junho de 2013 foi ao mesmo tempo o teatro e a antecipação desse novo êxodo. Os setores de “esquerda” do PT (se é verdade que ainda existem, mas tenho minhas dúvidas) deveriam ter se recusado a esse achatamento teórico e político e multiplicado os esforços por uma abordagem em termos não de “desigualdade” apenas, mas também e, sobretudo, de “exploração” e, pois, de composição social do trabalho. Mas, na realidade, o oportunismo cínico da esquerda e do governismo como um todo apenas deixou subsistir algumas ilhas de empirismo, sem nenhum potencial de renovação teórica e política. Ser de esquerda significa, antes de mais nada, dizer que “há outras relações verdadeiras que não sejam aquelas mensuráveis” [1].

A “esquerda” (governista e também boa parte da de oposição) passa por um mecanismo mental estranho: ou renunciou a pensar o trabalho e a exploração ou, quando tenta, não consegue fazê-lo a não ser nos moldes de um impossível mundo industrial.

A saudade da “classe operária” funciona de maneira paradoxal: ou se procura pelo processo de industrialização que poderia construí-la, ou se renuncia totalmente a pensar a composição social em termos de trabalho (e exploração), e as únicas variáveis que são levadas em conta são a renda e o consumo e marketing eleitoral alimentado pelo (ab)uso dos cofres públicos.

A incapacidade de pensar o trabalho no capitalismo contemporâneo se transforma, assim, num dos principais álibis para o oportunismo mais deslavado: assumir como horizonte a figura e os valores da “classe média”. Isso implica em desdobramentos irônicos, mas também um tanto perversos: os setores críticos do governismo criticam mais as mobilizações sociais do que o governo e o petismo, que apenas serão acusados de ter subestimado o nível de “alienação” da sociedade e dos “consumidores”.

Assim, a “esquerda” ou pensa a alienação como perda de consciência, ou pensa industrialização como condição da consciência. Por um lado, aponta-se um universo totalitário de “controle pelo “consumo”, pelo outro se olha com simpatia para a China. Esquece-se que um dos maiores mecanismos de amplificação da desigualdade é… a China “comunista”: por um lado, o regime chinês incluiu milhões de pobres no chão da fábrica, pelo outro os controla com uma mão de ferro, versão contemporânea e global da opção totalitária pela industrialização forçada que Lênin havia inaugurado na recém criada URSS!

Mais uma vez, a tal de “ditadura do proletariado” é apenas uma ditadura e o tal de “socialismo” se resolve num regime fabril autoritário que beira a escravidão: organizado pela política de controle dos fluxos migratórios internos, com cerca de 200 milhões de rurais que vivem nas cidades sem permissão legal, ou seja, sem direitos. Essa escravidão chinesa aparece abertamente quando o Ministério Público do Trabalho decide — raramente — reprimi-la aqui no Brasil [2].

Finanças como deus ex machina

Só que dessa vez a ausência de liberdade sindical e de democracia tout court [3] constituiu um verdadeiro paraíso para o capital global (e não apenas para o capital nacional). Não apenas se esquece desse papel nefasto da China como maior deflator dos salários reais do mundo como um todo, como também não falta quem a transforme num “modelo” econômico e até político a ser seguido.

Em segundo lugar, precisamos refletir um pouco sobre as ‘finanças”. Em geral, o tema da “financeirização” é muito mal encaminhado. Ainda pior quando é usado e, sobretudo, abusado para “justificar” ou “explicar” quase tudo: desde os oportunismos mais rasteiros até a mais total indigência teórica. Em geral, é a desculpa esfarrapada para dizer que “os governos, pobres coitados”, são “reféns do capital financeiro”. O regime discursivo é que os governos (sobretudo as coalizões do PT) não conseguem fazer o que eles gostariam de fazer porque “as finanças não os deixam”. As finanças são como um deus ex machina, explicam tudo: desde Kátia Abreu [4] até Gilberto Kassab [5], passando pela austeridade e a mágica transformação do “Muda Mais” eleitoral num estalinismo fora da época: “Ajustar para Avançar”.

O governo do PT “não pode”, não por suas eleições serem bancadas pelas máfias de empreiteiras, capital imobiliário, empresas de ônibus, grandes bancos, montadoras multinacionais e, enfim, indústria das armas, mas porque na realidade é “vítima” … do capital financeiro: mas não foi o capital financeiro a “impor” Copa e Olimpíadas, e tampouco é o capital financeiro quem decide gastar quase todo o dinheiro do PAC-Social nos teleféricos inúteis; também não foram as finanças quem determinou que se jogasse rios de dinheiro no subsídio absurdo às montadoras multinacionais. Enfim, a chantagem financeira produz cinismo de sobra!

Vamos então tentar fazer uma reflexão mais rigorosa, embora esquemática: o que se diz sobre dinheiro (moeda) e finanças em geral é muito ingênuo e alavanca um moralismo bastante problemático. Isso é ainda mais paradoxal quando se trata de uma crítica, pois aceita-se no fundo a visão “substancialista” da moeda (e, pois, das finanças) desenvolvida pela economia política clássica e neoclássica. Ora, o que é importante lembrar é que a moeda é a base das finanças e, ao mesmo tempo, é totalmente relacional: totalmente ligada às instituições que regulam o que não deixa ser uma questão de confiança (e, nesse sentido, de fé!).

Isso significa que a moeda tira a sua legitimidade do tipo de comunidade, ou seja, do tipo de relações sociais, que a produzem e que, ao mesmo tempo, ela produz em retorno. Ao que assistimos hoje não é a separação da dinâmica monetária e financeira com relação à “esfera” que seria “real” da economia (a indústria), mas a uma crise do valor — dos sentidos e das instituições que fundam e regulam essa “fé”. O que “falta” hoje é a “medida comum” que torne possível a manifestação da comunidade por meio da articulação das diferenças. O desafio não é a luta contra as finanças, mas a construção das instituições adequadas das finanças do comum, ou seja, que tenham como base a medida do comum.

Trabalho e endividamento

Então, poderemos dizer que as “finanças” não são nenhuma novidade: elas são consubstanciais e mesmo anteriores ao capitalismo, já antes que esse existisse como modo de produção, ou seja, já existiam no capitalismo mercantil. Então, onde está a novidade? A novidade está no conteúdo novo do trabalho (imaterial: subjetivo) e do valor (intangível: cognitivo) e, exatamente por causa disso, no papel estrutural e de tipo novo que as finanças desempenham no capitalismo como um todo. As finanças, hoje, têm uma capacidade incrível de multiplicação da liquidez e se tornaram o principal mecanismo de criação monetária: as crises e desequilíbrios que as caracterizam são do capitalismo como um todo, e não da desproporção entre o que seria a esfera real (industrial) e a esfera fictícia (financeira).

As finanças desempenham um duplo papel estratégico no capitalismo contemporâneo: por um lado, pela capacidade crescente de criação de moeda, elas têm o papel chave de mobilização do trabalho não mais dentro da relação salarial, mas dentro da relação de crédito/débito; pelo outro, diante da crise da lei do valor (tempo de trabalho), as finanças se propõem como “nova métrica”. A relação de débito e crédito substitui a relação salarial exatamente na medida em que hoje “trabalhar” significa “produzir as condições para poder trabalhar”, ou seja, produzir seu próprio “capital social” (chamado também de empregabilidade) e também sua própria mobilização (terceirização: a transformação, essa sim fictícia, da pessoa física em pessoa jurídica).

O trabalhador é precário e nesse sentido um Santo: San Precario [6], diz o movimento italiano. O trabalhador precário é um Santo que todos os dias precisa realizar o milagre que permite “resolver” o enigma de produzir-se a si mesmo. Ora, o mistério do milagre é óbvio: não há outra maneira de fazê-lo a não ser pelas despesas públicas (de saúde, educação, moradia, serviços em geral) ou, quando os serviços foram privatizados ou não são mais gratuitos e são péssimos, por meio do endividamento!

Esse trabalho que produz “trabalho” e envolve a vida como um todo é mobilizado por meio da relação de débito e crédito. Trabalho que produz trabalho significa, na realidade, produção de formas de vida a partir de formas de vida, uma atividade que não cabe mais na “jornada” de trabalho e investe a vida como um todo. A lei da mais-valia não consegue mais dar conta de uma exploração que não se apropria mais do tempo de trabalho “excedente”, mas dos “suplementos” de vida: de subjetividade.

O fiasco do Brasil Maior

Assim, a “centralidade” das finanças é fruto de um movimento duplamente paradoxal: elas se tornaram o próprio mecanismo de governança do capitalismo cognitivo, e isso na medida em que a relação salarial é substituída pela relação de débito/crédito e o valor se torna intangível; ao mesmo tempo a acumulação de tipo cognitivo passa a explorar uma cooperação social (as redes e as ruas) que é “primeira” (ou seja, não é mais consequência da relação salarial). As finanças não apenas são mais uma “esfera” específica (nunca foram “separadas”), mas são o próprio cerne do regime de acumulação do capitalismo contemporâneo, organizado em torno da circulação, dos serviços e por isso pode ser “terceirizado”. Não há reforma das finanças sem mudança do ou no capitalismo.
Contudo, é preciso dizer que não existe nenhuma relação de causa e efeito entre o papel geral que desempenham as finanças no mundo e as taxas de juros e a crise brasileiras: depois de 13 anos de governo do PT, é escandaloso que o Brasil ainda tenha hoje a maior taxa de juro real do mundo. São cinco aumentos desde o dia seguinte do segundo turno e o sexto aumento já está anunciado: “Os avanços no combate à inflação ainda não se mostraram suficientes”, segundo nota do Copom relatada pelo Valor [7]. A crise que vivenciamos, além da mentira eleitoral que a encobriu, é específica do fiasco do Brasil Maior, ou seja, da política econômica do governo Dilma-Lula.

A aventura neodesenvolvimentista (a partir de 2008) se deve em boa parte à ilusão de “resolver” os “defeitos” da financeirização por uma crescente intervenção estatal de apoio aos “global players” escolhidos a dedo pelo BNDES [8], como no caso paradigmático de Eike Batista [9] (que agora Dilma e Lula esquecem de citar como campeão do “Brasil Rico, País sem Pobreza”). Além de não dar nenhum resultado em termos de reindustrialização, foi um desastre macroeconômico cujos custos (sociais) estão sendo repassados aos pobres pelo mesmo governo que disso é responsável. Mentiram duas vezes: disseram que não fariam ajuste e que não precisava fazer e, ainda por cima, ficam debochando da indignação social que tudo isso suscitou, com os moradores das favelas do Turano, do Morro dos Cabritos, da Zona Norte do Rio que batem panelas sendo chamados de “elite branca”.
Enquanto isso (sem falar da Petrobras), o país é submetido a um mix bizarro de ajuste fiscal (para conter a inflação), aumento generalizado das tarifas administradas e da pressão fiscal (um verdadeiro confisco não declarado) e regurgitações autoritárias: militarização das favelas no Rio e em Salvador; aprofundamento da “nova guerra fria” — assim um conhecido intelectual português definiu a vitória de Dilma; convites por colunistas governistas para que Dilma trate as manifestações de indignação nas ruas do 15 de março e 12 de abril da mesma maneira que a ditadura chinesa tratou a comuna democrática da Praça Tiananmen em Pequim (em 1989). São todos sinais da maneira como pensa a esquerda governista e da permanência de seus reflexos autoritários. Como no estalinismo, isso não significa nenhuma oposição entre “estado” e “capital”, e ainda menos entre “esquerda” e “direita”, mas uma grande cumplicidade que se faz pela imposição do consenso.

IHU On-Line – Qual é a atualidade do conceito de multidão para pensarmos em novos protagonismos políticos?

Giuseppe Cocco – Depois de junho de 2013, o conceito ficou algo como incontornável e, como tudo que se generaliza, acaba sendo ao mesmo tempo objeto de disputa e de banalização teórica e política. O debate sobre “multidão” está se tornando até divertido. Com certa dose de reducionismo, podemos resumir esse “debate” em três níveis (não necessariamente separados entre eles).
Um primeiro nível é aquele mais rasteiro e que definiremos o do governismo indigente. Trata-se de oportunistas que acabam de adotar o termo (e não o conceito) e o usam como um ridículo critério de “mensuração” para dizer qual mobilização social seria “boa” e qual seria “ruim”.

Um segundo nível — apenas mais sofisticado — é do discurso artista que pretende surfar no efeito de “moda” por meio de um trabalho de purificação ou de manipulação.

Um terceiro nível é aquele dos que transformam a multidão em um impossível sujeito já dado.
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Na melhor das hipóteses, a vertente do governismo indigente se resume no esforço de saber se a realidade se encaixa, ou não, na nova categoria. Trata-se de uma operação bastante “miserável” que repete as tentativas de decidir se uma determinada mobilização social é de “esquerda”, ou não. Assim, os mesmos que em junho de 2013 estavam com aqueles que o diziam golpista e fascista, estarão agora dizendo que em junho, sim, havia multidão (fazendo de junho um mito), ao passo que, sendo para eles as manifestações do 15 de março e do 12 de abril “conservadoras”, não se pode chamá-las de “multidão”.

Chegamos ao ridículo: não é o conceito que precisa ser adequado a dinâmicas reais, é a realidade que deve servir ao conceito! Por trás da indigência, esconde-se a tentativa de uma respiração boca a boca no cadáver do governismo pela manutenção de algo como uma interdição “moral” com relação à justa indignação do 15 de março e 12 de abril (e dos panelaços). O curioso é que essa postura de querer decidir qual é o protesto legítimo e qual não é, no fundo, uma impostura, como foi a repressão do movimento contra a Copa. O estalinismo tem caras diferentes e se renova exatamente por meio dessa afirmação de que haveria protestos legítimos (aqueles aparelhados pelo governismo) e outros ilegítimos. A Venezuela nos mostra de maneira ainda mais vergonhosa no que isso pode se transformar.

Diferença é resistência

A segunda vertente, aquela artista, quer se apropriar do conceito para controlar a “marca” e para isso precisa fazê-lo passar por um processo de purificação. Em junho de 2014, no Sesc-Pompeia de São Paulo, a multidão virou multitude! O próprio Negri [10] disse que assim a “multidão” era transformada num “bacio Perugina”, aquele bombom pronto para a venda.

Ao mesmo tempo, quando foi perguntado sobre a banalização dos termos, por exemplo, por parte de uma mídia que se dizia “mídia da multidão” (o que é uma contradição nos termos, pois por definição não pode haver “a” mídia da multidão, mas uma “multidão de mídias”), ele respondeu de maneira ambígua, dizendo que “isso era até necessário” para que se afirme algo como a hegemonia do conceito, seria como que um “preço a ser pago” ao “sucesso”. Contudo, num panfleto no qual ele acerta as contas com a filosofia e o pensamento italiano, o próprio Negri se refere a como “o pensamento fraco traduziu para o italiano um Foucault [11] e um Deleuze [12] travestidos de soubrettes, fazendo-os dançar nas páginas culturais dos jornais da dita ‘esquerda’ (…)” [13].
Em seguida, ele faz mais duas afirmações atualíssimas para entender o que queremos dizer: em primeiro lugar, ele diz que o “parentesco” entre filosofia francesa e o pensamento “italiano” das décadas de 1960 e 1970 não é uma filiação, porque “mesmo que essas posições fossem filhas das teorias francesas (de Merleau-Ponty [14], Foucault e Deleuze), elas viveram e cresceram dentro de ambientes selvagens, são filhas da floresta. As concepções da diferença se movem num irredutível ontológico, imediato, formado nas lutas” [15]. Então, nós diremos que a “diferença” italiana está no fato de que, na península, realizou-se por um momento o que Merleau-Ponty afirmava em 1945, nas últimas linhas de sua Fenomenologia da Percepção: “(…) a filosofia (…) se realiza destruindo-se como filosofia separada” [16]. “O fato é que diferença é resistência” [17]. O pensamento italiano da diferença não cabe na cena de um teatro, mesmo que alguém possa conseguir fazer dançar como uma soubrette alguns teóricos [18].

Estelionato eleitoral de outubro

A terceira vertente é aquela que faz da “multidão” um sujeito já dado, um novo protagonista, uma modalidade sociológica ou até uma nova modalidade do direito do indivíduo como sujeito que renova e reafirma a filosofia do direito natural. Trata-se da maneira como os setores mais antenados do pensamento conservador (ou neoliberal) apreendem as mobilizações sociais desses últimos anos e, em particular, as grandes manifestações do 15 de março e do 12 de abril e os vários panelaços (o último tem sido o mais impressionante, no dia 2 de maio passado, durante o programa eleitoral do PT na TV). Para essa abordagem, as manifestações que não se encaixam nas formas tradicionais dos partidos, sindicatos ou grêmios estudantis são automaticamente de “multidão” e a multidão está além de qualquer horizonte de conflito: “as recentes manifestações desconstroem o antagonismo do pobre contra o rico, negro contra branco, elite contra povo” escreveu depois do 15 de março fazer-se da multidão [19].

Quando não afirma — como fez uma filósofa que usa Spinoza [20], que a multidão era fascista —, o governismo usa esta abordagem (em negativo) para dizer que “não é multidão”. Não é “multidão” porque as manifestações não são de “esquerda” e são contra o governo e o PT. Nisso o governismo, que gostaria de usar esse termo, se mostra ao mesmo tempo masoquista e irresponsável: a melhor maneira de destruir o que sobra da marca “esquerda” é insistir no estelionato eleitoral de outubro, ao passo que desqualificar as mobilizações de rua é entregá-las à direita social (o que em parte já aconteceu).

Contudo, essa abordagem da multidão como categoria sociológica nos permite, enfim, dizer algo sobre a pertinência desse conceito: fora das dinâmicas de sua constituição, não há multidão dada a priori. O homem não nasce “civilizado”, dizia Spinoza, mas se constitui como tal. Como diante de junho de 2013 (sobretudo às manifestações oceânicas do 17 e 20), a questão não é de “decidir” se o 15 de março, o 12 de abril e os vários panelaços são “multidão”. É simplesmente estúpido colocar essa questão. O que interessa é o fazer-se da multidão. Em junho, todo mundo foi “fazer multidão”, sem medo. Hoje, o governismo conseguiu expurgar, chantagear, paralisar e a justa indignação está entregue a uma captura conservadora. A linha auxiliar mais patética e mais irresponsável desse patrulhamento são justamente aqueles que gostam de usar o termo “modernoso” e sequer admitem os fatos, por exemplo, que a composição sociológica da avenida paulista era extremamente diversificada ou que o panelaço aconteceu — pelo menos — nas favelas do morro dos Cabritos e naquela do Turano e em toda a zona norte do Rio (Tijuca, Meier, Madureira).

IHU On-Line – Em nosso país, quais seriam as expressões dessa multidão nos protestos ocorridos de 2013 para cá?

Giuseppe Cocco – Em função do que acabamos de dizer acima, não se trata de saber quais seriam as expressões da multidão, mas usar o conceito de multidão para entender que hoje os protestos passam por outras dinâmicas: não mais pela afirmação identitária de um “uno” (o povo, a massa ou a classe), mas pela produção da diferença e pela diferença. Essas novas formas de subjetividade não se deixam reduzir ao uno e ao mesmo tempo mantém um perspectivismo, um ponto de vista coletivo sem o qual não haveria nenhuma produção ética de outro valor, de outros sentidos. Esse perspectivismo está no fato de que a multidão é um conceito que vai além daquele tradicional de classe sem deixar de ser também um conceito de classe. Ou seja, o que se torna múltiplo, quando luta, é o trabalho: mas um trabalho totalmente outro. Observar a composição do ativismo pós-junho é talvez a melhor maneira de apreender essa composição: um trabalho ao mesmo tempo intelectual e precário dos jovens dos serviços avançados, estudantes e jovens da periferia e das favelas que têm acesso aos estudos e às redes.

Assim, é nos desdobramentos “sindicais” das mobilizações de junho que podemos melhor entender o conceito e encontrar o fazer-se da multidão e seus desafios. Depois das primaveras árabes, do 15M espanhol e de junho de 2013 no Brasil, fica evidente que há uma nova dinâmica de mobilização social que não passa mais pelos grandes processos de homogeneização, sejam eles aqueles produzidos pelas clivagens de classe ou pelas dinâmicas das “massas”. A generalização da relação salarial e das formas de organização (sindical e/partidária) que lhe estavam atreladas não é mais a condição necessária das lutas. Ao contrário, depois de junho assistimos à multiplicação de greves autônomas (os professores, os garis, os bancários, os motoristas de ônibus) inspiradas pelas lutas de tipo novo.

Aqui, o cinismo governista aparece com uma cara nojenta: choram diante dos panelaços, mas apoiam e organizam uma repressão feroz das mobilizações de novo tipo. Por exemplo, com perseguição, demissões e inquéritos judiciais contra a bela luta autônoma dos garis do Rio de Janeiro.

Brecha democrática

A ausência de homogeneidade da composição de grandes conjuntos sociais (por exemplo, grandes “categorias” de trabalhadores — como os metalúrgicos que se reúnem para trabalhar no mesmo chão de fábrica e podem ser reunir para fazer greve juntos) não é mais um obstáculo à mobilização social. Mas se trata de mobilizações de tipo novo: acontecem mais por autoconvocação e passam por lutas que — socializando-se — se territorializam. A luta dos professores do Rio de Janeiro, em setembro e outubro de 2013, se inspirou no movimento do “ocupa câmara” [21] e, em retorno, o inspirou e massificou ulteriormente.

Sempre no Rio, a greve autônoma dos garis em fevereiro de 2014 se inspirou na socialização da luta dos professores em outubro e constituiu mais um potentíssimo momento de “sindicalismo social”: sem mobilização social, a greve não teria tido sucesso. Ao mesmo tempo, os garis hoje reforçam o debate pós-mobilizações de junho colocando, no final de 2014 e início de 2015, a urgência da construção de novas institucionalidades. Em julho de 2013 isso acontecia também entre o Ocupa Cabral [22] – Ocupa Câmara (que prolongava a luta pelo passe livre no terreno da democracia) e os moradores da Rocinha que articulavam as lutas de junho com a crítica da pacificação. Hoje, as lutas pela paz que movem os moradores dos Complexos da Maré e do Alemão são atravessadas pela experiência da brecha democrática do movimento “Cadê o Amarildo” [23].

Há uma circularidade das lutas, com movimentos de “idas e voltas”: das lutas de categoria para as mobilizações sociais nos territórios e vice-versa. O sindicalismo que está nascendo é de tipo social, ao passo que as lutas territorializadas (pelo passe livre, contra as remoções nas favelas) têm na autonomia dos trabalhadores como os garis, os bombeiros ou os professores seus desdobramentos possíveis.

O fato de as singularidades cooperarem entre si não implica nenhuma fusão nas figuras do “uno”: massa, povo ou classe e sequer nas formas tradicionais de organização sindical e partidária. As singularidades cooperam entre si e se mantêm tais: o princípio da cooperação fica interno à sua produção e não se separa dela por meio dos mecanismos da identidade classista ou popular, sequer fusiona na figura consensual de uma massa domesticada por seu líder carismático. A extrema fragmentação social produzida pelo subdesenvolvimento (a pobreza) ou pelas políticas de austeridade não é mais um limite intransponível para processos de recomposição das subjetividades.

IHU On-Line – Nesse cenário, o que significa ser de esquerda hoje?

Giuseppe Cocco – Vou dividir minha resposta em duas partes: uma inicial, mais impressionista e urgente, e uma mais reflexiva. Assim, para começar, podemos dizer que hoje “ser de esquerda” não significa mais nada, a não ser uma mistificação e, pior, uma mistificação que funciona: no Paraná “tucano”, o ajuste fiscal é combatido por todo mundo. No nível federal (“petista”), o ajuste fiscal ainda não encontra a oposição que mereceria por causa dos efeitos devastadores sobre a subjetividade que teve o voto “crítico” de outubro de 2014. Ou seja, se o tremendo ajuste que está sendo imposto não encontra hoje os protestos adequados, é por causa da “esquerda”. Diante disso, poderíamos até dizer que hoje ser de esquerda significa acabar com a noção de esquerda, pois ela funciona apenas para domesticar os movimentos e as subjetividades.

O que é ser de esquerda diante desse estelionato eleitoral e político? O que é ser de esquerda quando a suposta esquerda do PT coloca hoje (nesses dias), para debater, um deputado que votou pela precarização do seguro-desemprego ou um ex-secretário municipal de Habitação que participou ativamente da política de remoções dos pobres no Rio de Janeiro? O que é “ser de esquerda” quando o governador (PT) da Bahia comemora as execuções sumárias de jovens negros por sua PM? Não significa mais nada, a não ser essa propaganda irresponsável que pretende manter a ideia abstrata de “esquerda” e de suas bandeiras vermelhas. Se essa é a noção residual de esquerda, precisamos nos livrar dela, e o mais rapidamente possível.

Revolução de direita, devolução de esquerda

Num segundo momento, podemos tentar algumas reflexões no horizonte da história do pensamento político e/ou jurídico. É curioso constatar que as poucas pessoas que — no PT — pensam o conceito de “esquerda”, citam e se referem a Norberto Bobbio [24]. Ou seja, a um pensador liberal: Bobbio pensa a liberdade como um atributo individual e natural em oposição à sociedade como esfera abstrata. É por isso que, em seu livrinho sobre Destra e Sinistra, ele coloca a democracia representativa (liberal) como o cerne, entre a liberdade (que seria a caraterística da “direita”) e a igualdade (que marcaria a “esquerda)”.

Numa resenha de uma tradução britânica da obra de Bobbio, Negri cita essa passagem: “nós devemos, dada a falta de alternativa, defender as regras do jogo: democracia formal, apesar de suas falhas e contradições, ou seja, sua garantia do direito à liberdade, eleições periódicas através do sufrágio universal, governo de maioria, ou como quer que o mesmo seja interpretado de parte a parte. Todas as demais promessas a respeito da soberania popular, igualdade, transparência do poder, equidade, etc. são simplesmente promessas excessivas e vãs que não poderiam ser cumpridas…”.
Negri comenta em seguida: “Cabe lembrar que Bobbio sempre viveu em Turim (a cidade da FIAT) e, no entanto, em toda sua obra não há uma única menção que seja à classe operária de Turim, apesar do papel proeminente dessa última como protagonista da história italiana contemporânea” [25].

A democracia direta, ou seja, a luta para juntar liberdade e igualdade, estão ausentes no pensamento de Bobbio e — pelo visto — no horizonte da reflexão político-teórica do que sobra de esquerda no Brasil, e não apenas: será por isso que esses dirigentes também enxergaram no levante de junho de 2013 apenas algumas formas de fascismo?

Quando a isso juntamos a paisagem política desenhada pelo escândalo na Petrobras, podemos ver como nos encontramos numa situação parecida com aquela que o mesmo Negri descrevia em 1994, logo depois da queda da URSS e da chegada ao poder de Silvio Berlusconi [26] na Itália, algo como uma revolução da direita e uma devolução da esquerda: “Hoje, na Itália, existem duas sociedades parasitárias: uma é a máfia, a outra é a esquerda, com seu cortejo de sindicatos e cooperativas… Mas falar assim pode parecer talvez excessivo: pois a esquerda sequer alcança a dignidade do crime que envolve a máfia, ela é apenas um cadáver ambulante. Diante da vitória reacionária, sua resposta heroica foi de gritar ao fascismo” [27]. No caso brasileiro é ainda pior, pois desde junho de 2013 a “esquerda” só desejou que o movimento fosse de direita.

Desdobrando o que acabamos de dizer num segundo nível, podemos tentar reformular a clivagem direita — esquerda. Por um lado, definimos como de direita aqueles que acreditam, defendem e apostam apenas nos mecanismos sociais (nas relações sociais) em vigor (por isso são “conservadores”), ou seja aqueles que apenas enxergam a capacidade capitalista de mobilização (e organização) das forças produtivas.

Pelo outro, seriam de esquerda aqueles que apostam e acreditam em outro tipo de mobilização. Olhar para a esquerda pelos olhos de Marx [28] significa também acrescentar a essa visão inicial (da esperança, da utopia) um perspectivismo materialista, uma definição do sujeito que contém dentro de si — de suas lutas de resistência — uma mobilização alternativa, um outro mundo possível, a capacidade de transmutar todos os valores. É aqui que cabe o verdadeiro debate sobre “direita e esquerda”. Qualquer discussão que não leve em conta essas dimensões básicas da clivagem é mistificadora: ou atribui o campo da esquerda ao moralismo impotente (no máximo utópico e impotente ou apenas liberal e, pois, conservador), ou na realidade reproduz o mecanismo fundamental do estalinismo.

O estalinismo não é apenas Stalin. Ele começa com a morte de Lênin [29], mas que já estava dentro do bolchevismo e do reformismo oportunista, assim como escrevia consternado o militante anarcocomunista Alexander Berkman [30] em 1925, depois de ter participado junto dos bolcheviques da guerra civil na Rússia: “A característica fundamental da psicologia bolchevique é a desconfiança diante das ‘massas’. Para os bolcheviques, o povo tem que ser educado à liberdade sem vacilar no uso da coação e da violência. Assim eles renunciavam à via que conduzia diretamente à criatividade das massas. Coagir o proletariado em todas as suas formas, (…), começando pelas execuções sumárias e concluindo pelo trabalho obrigatório é, apesar de parecer paradoxal, um método para refundar o material humano da época capitalista na humanidade comunista. Disso resulta que toda livre iniciativa, que seja individual ou coletiva, é eliminada” [31]. Se ainda há uma esquerda que subsiste é aquela que está dentro das lutas dos garis, dos professores, das mães dos pobres mortos e assassinados no complexo do Alemão e no Cabula em Salvador. O resto é pura mistificação do poder.

IHU On-Line – Em que aspectos as agressões às bandeiras não demonstram mais a materialidade das lutas e apontam, ainda, para a crise das lideranças políticas?

Giuseppe Cocco – As agressões às bandeiras demonstraram a materialidade das lutas, a recusa de toda liderança imposta desde cima, a afirmação que os líderes são — exatamente porque impostos — impostores. A ênfase que o governismo deu a esses episódios e a procura para que eles se repitam mostram o interesse do PT em mistificar o debate ao invés de enfrentá-lo. Ao contrário, a crítica política não deve limitar-se às ideias (bandeiras), mas ocupar-se das condutas que essas ideias (bandeiras) escondem ao invés de expressá-las. O PT e o governismo gritam continuamente ao golpismo e ao fascismo. Ora, cabe lembrar que uma das características do fascismo é seu imoralismo. O que faz o fascismo nas suas origens, lá nas décadas de 20 e 30? Ele pega a crítica marxista (socialista) ao liberalismo e às ilusões kantianas de uma democracia moral (que supõe que a violência aparece de maneira apenas episódica numa história natural e humana fundamentalmente racional) para justificar não mais — como faziam o movimento operário e os socialistas — a afirmação de outros valores, mas uma política imoral: “recusando definitivamente o julgamento das consciências e fazendo da política uma técnica da ordem onde os julgamentos de valor não têm mais lugar” [32].

É exatamente isso que está fazendo o PT no governo, com um cinismo extremo do qual a formação do atual governo, com esse primeiro ministro ultraneoliberal, é uma exemplificação perfeita.

Há uma passagem curiosa de Merleau-Ponty sobre a percepção da cor na qual ele toma o exemplo do vermelho: ele lembra que Descartes dizia que quando “sinto o vermelho, tenho certeza de senti-lo e ao mesmo tempo posso duvidar de sua própria existência” [33]. O idealismo cartesiano dissocia então o sujeito (que percebe) do objeto (o vermelho percebido). Contra isso, Merleau-Ponty afirma que essa dissociação não é possível: se “eu entendo por vermelho aquilo que se oferece à minha percepção, a evidência do sentir é também a evidência do que é sentido, sujeito e objeto estão juntos”. O “sujeito” que nos interessa é aquele cujas bandeiras estão implicadas na materialidade dessa existência e não penduradas em cima dela, no céu das ideias.

Se ainda há uma noção de esquerda, é esse materialismo que necessariamente é também um perspectivismo: a esquerda (a bandeira que interessa) é uma determinada perspectiva sobre o mundo e, pois, não pode existir fora da carnalidade dessa perspectiva. Ou seja, é das lutas dos escravos contra a escravidão, dos operários contra a exploração, dos pobres, dos índios e das mulheres contra as relações contemporâneas de dominação.

IHU On-Line – Na última entrevista que concedeu à IHU On-Line, o senhor afirma que no Brasil “a brecha democrática parece ter sido fechada definitivamente”. Quais são os fatores que colaboram para esse fechamento?

Giuseppe Cocco – Talvez esse fechamento não seja definitivo, mas por enquanto estamos assistindo a um brutal ajuste fiscal, com quebra de direitos adquiridos, aumento das tarifas administradas de serviços públicos de péssima qualidade, aumento das taxas de juros, militarização ulterior dos territórios onde vivem os pobres sem que haja uma mobilização social adequada. A isso se junta a feroz repressão das formas de organização autônoma dos trabalhadores, como no caso do Paraná e dos garis do Rio.

Há três fatores desse fechamento: a repressão de junho de 2013 (é preciso lembrar que no Rio de Janeiro há uma monstruosa operação policial e judiciária que transformou toda forma de participação democrática em “crime” e está prestes a condenar 23 ativistas por algo que nunca fizeram), o sucesso nefasto da propaganda eleitoral mentirosa que abalou as subjetividades por dentro delas, os limites políticos do ativismo. A campanha pela Copa das Copas já mostrava essa involução e a campanha eleitoral foi mesmo o fim da picada, porque conseguiu bipolarizar as consciências. O nível de mistificação da propaganda era incrível durante as eleições, mas observando o governo que a Dilma e o Lula montaram e a política que fazem (e isso depois de 13 anos de governo)… dá para se perguntar qual foi a real razão que os levou a realizar esse esforço.

Por Márcia Junges e João Vitor Santos (IHU)



NOTAS:
[1] Maurice Merleau-Ponty, “La métaphysique dans l’homme”, Sens et non-sens, (1966) Gallimard, Paris, 1996, p. 103. (Nota do entrevistado)
[2] Janaina Carvalho, “MPT investiga pastelaria chinesa por uso de trabalho escravo no Rio”, G1 Rio, 13 de abril de 2015, disponível aqui. (Nota do entrevistado)
[3] Sem mais nada, simplesmente, em tradução livre. (Nota da IHU On-Line)
[4] Kátia Abreu [Kátia Regina de Abreu] (1962): empresária, pecuarista e política brasileira. Desde 1º de janeiro de 2015 é a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Está licenciada do mandato de senadora do PMDB pelo estado do Tocantins. (Nota da IHU On-Line)
[5] Gilberto Kassab (1960): economista, engenheiro civil, empresário, corretor de imóveis e político. Foi prefeito da cidade de São Paulo por duas vezes entre 2006 e 2012. Atualmente é ministro das Cidades. É um dos fundadores do PSD, já tendo passado pelo Democradas (antigo PFL). (Nota da IHU On-Line)
[6] https://www.facebook.com/sanprecario (Nota do entrevistado)
[7] Jornal Valor Econômico, 8 de maio de 2015, p.c1. (Nota do entrevistado)
[8] Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. (Nota da IHU On-Line)
[9] Eike Fuhrken Batista (1956): empresário brasileiro com atuação em diversos setores, em especial petróleo, logística, energia, mineração, indústria naval e carvão mineral. É presidente do Grupo EBX, formado por seis companhias listadas no Novo Mercado da Bovespa, segmento com os mais elevados padrões de governança corporativa. Segundo a Forbes, Eike Batista foi o homem mais rico da América do Sul, possuindo, em 2012, uma fortuna avaliada de 30 bilhões de reais. Atualmente suas empresas estão em processo de falência, e sua fortuna passou para cerca de 70 milhões de reais. (Nota da IHU On-Line)
[10] Antonio Negri (1933): filósofo político e moral italiano. Durante a adolescência, foi militante da Juventude Italiana de Ação Católica, como Umberto Eco e outros intelectuais italianos. Em 2000 publicou o livro-manifesto Império (5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2003), com Michael Hardt. Em seguida, publicou Multidão. Guerra e democracia na era do império (Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2005), também com Michael Hardt — sobre esta obra, publicamos um artigo de Marco Bascetta na 125ª edição da IHU On-Line, de 29-11-2004. O último livro da “trilogia” entre os dois autores Commonwealth (USA: First harvaard University Press paperback, 2011), ainda não foi publicado em português. (Nota da IHU On-Line) (Nota da IHU On-Line)
[11] Michel Foucault (1926-1984): filósofo francês. Suas obras, desde a História da Loucura até a História da sexualidade (a qual não pôde completar devido a sua morte) situam-se dentro de uma filosofia do conhecimento. Foucault trata principalmente do tema do poder, rompendo com as concepções clássicas do termo. Em várias edições, a IHU On-Line dedicou matéria de capa a Foucault: edição 119, de 18-10-2004, disponível aqui; edição 203, de 06-11-2006, disponível aqui; edição 364, de 06-06-2011, intitulada ‘História da loucura’ e o discurso racional em debate, disponível aqui; edição 343, O (des)governo biopolítico da vida humana, de 13-09-2010, disponível aqui, e edição 344, Biopolítica, estado de exceção e vida nua. Um debate, disponível aqui. Confira ainda a edição nº 13 dos Cadernos IHU em formação, disponível aqui, Michel Foucault. (Nota da IHU On-Line)
[12] Gilles Deleuze (1925-1995): filósofo francês. Assim como Foucault, foi um dos estudiosos de Kant, mas tem em Bérgson, Nietzsche e Espinosa poderosas interseções. Professor da Universidade de Paris VIII, Vincennes, Deleuze atualizou ideias como as de devir, acontecimentos, singularidades, conceitos que nos impelem a transformar a nós mesmos, incitando-nos a produzir espaços de criação e de produção de acontecimentos-outros. (Nota da IHU On-Line)
[13] La differenza italiana (Roma: Nottetempo, 2005). (Nota do entrevistado)
[14] Maurice Merleau-Ponty (1908-1961): escritor e filósofo líder do pensamento fenomenológico na França. Professor da Universidade de Lyon e na Sorbone, em Paris. De 1945 a 1952 foi co-editor (com Jean-Paul Sartre) do jornal Les Temps Modernes. Voltando sua atenção para as questões sociais publicou um conjunto de ensaios marxistas, em 1947, Humanisme et terreur (Humanismo e Terror), a mais elaborada do comunismo soviético no final dos anos 1940. Confira a edição 378 da revista IHU On-Line, de 31-10-2011, intitulada Merleau-Ponty. Um pensamento emaranhado no corpo, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line)

[15] La differenza italiana (Roma: Nottetempo, 2005), p. 20 (Nota do entrevistado)

[16] Phénomènologie de la perception (Paris: Gallimard, Tel, 1945) (Nota do entrevistado)

[17] Antonio Negri, La differenza italiana (REFERÊNCIA), cit., p. 22. Grifos do autor. (Nota do entrevistado)

[18] Negri escreve que essa filosofia de luta que é própria da diferença italiana não cabe nos cadernos culturais dos jornais e na academia, ibid. 23. (Nota do entrevistado)
[19] “Sujeito Multidão”, Estado de São Paulo, 21 de março de 2015, disponível aqui. (Nota do entrevistado)
[20] Baruch Spinoza (ou Espinosa, 1632–1677): filósofo holandês. Sua filosofia é considerada uma resposta ao dualismo da filosofia de Descartes. Foi considerado um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da Filosofia Moderna e o fundador do criticismo bíblico moderno. Confira a edição 397 da IHU On-Line, de 06-08-2012, intitulada Baruch Spinoza. Um convite à alegria do pensamento, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line)
[21] Ocupa Câmara: movimentos coletivos realizaram uma mobilização, em 2013, que culminou com a ocupação da Câmara Municipal de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro. Os grupos reivindicavam questões relacionadas à política de transporte público da cidade. (Nota da IHU On-Line)
[22] Ocupa Cabral: em 2013, diversos movimentos coletivos montaram um acampamento na frente da casa do então governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O espaço surgiu a partir das reivindições contra ações do governo relacionadas a investimentos na cidade para Copa do Mundo de 2014. No entanto, o local se transformou em palco para diversas outras reivindicações, bem como uma espécie de plenária popular. No local, grupos discutiam política e promoviam atividades culturais. (Nota da IHU On-Line)
[23] Cadê o Amarildo: depois da morte do ajudante de pedreiro em julho de 2013, preso em casa por policiais militares, torturado, assassinado, moradores da Favela da Rocinha e diversos grupos se mobilizaram pela busca de punição para os envolvidos no caso. (Nota da IHU On-Line)
[24] Norberto Bobbio (1910-2004): filósofo e senador vitalício italiano. Considerado um dos grandes intelectuais italianos, Bobbio era doutor em Filosofia e Direito pela Universidade de Turim, fez parte do grupo antifascista Giustizia e Liberta (Justiça e Liberdade). Adepto do socialismo liberal, Bobbio foi preso durante uma semana, em 1935, pelo regime fascista de Benito Mussolini. Em 1994, Bobbio assumiu publicamente uma posição contra as políticas defendidas por Silvio Berlusconi, que representava o centro-direita nas eleições gerais. Nesta altura, escreveu um dos seus ensaios mais conhecidos Direita e Esquerda, no qual se pronunciou contra a “nova direita”. Além desta obra, Bobbio assinou e realizou mais de 1300 livros, ensaios, artigos, conferências e entrevistas. Norberto Bobbio recebeu o doutoramento Honoris Causa pelas Universidades de Paris, Buenos Aires, Madrid, Bolonha e Chambéry (France). Autor de livros de impacto, como Direita e Esquerda (São Paulo: Unesp, 2001), tinha como principais matrizes de sua obra a discussão da guerra e da paz, os direitos humanos e a democracia. Escreveu ainda Teoria Geral da Política (Rio de Janeiro: Campus, 1999); Diálogo em Torno da República (Rio de Janeiro: Campus, 2001); Entre Duas Repúblicas (Brasília: Ed. UnB, 2001); Elogio da Serenidade (São Paulo: Ed. Unesp, 2002); O Filósofo e a Política (Rio de Janeiro: Contraponto, 2003). Em virtude se seu falecimento, aos 94 anos, a edição 89 da IHU On-Line, de 12-01-2004, apresenta a biografia de Norberto Bobbio, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line)
[25] Resenha de Bobbio: O futuro da democracia e qual socialismo? Tradução de Csaba Deák, de Negri, Toni (1989), Review of Bobbio: Futura of democracy and wich socialism?”, Capital & Class, 37: 156-61, (a tradução mereceria uma boa revisão), grifos nossos, disponível aqui. (Nota do entrevistado)
[26] Silvio Berlusconi (1936): líder político do partido Força Itália, que criou especificamente para sua entrada na vida política. É o proprietário do império midiático italiano Mediaset, além de empresário de comunicações, bancos e entretenimentoFoi acusado inúmeras vezes de corrupção e ligações com a Máfia. Gerou polêmica na Europa ao apoiar a Guerra dos EUA contra o Iraque, em 2003. (Nota da IHU On-Line)

[27] Toni Negri, “La ‘révolution’ italienne et la ‘dévolution’de la gauche”, Futur Antérieur, 1994/2, L’Harmattan, Paris, p.15. (Nota do entrevistado)

[28] Karl Marx (Karl Heinrich Marx, 1818-1883): filósofo, cientista social, economista, historiador e revolucionário alemão, um dos pensadores que exerceram maior influência sobre o pensamento social e sobre os destinos da humanidade no século XX. Leia a edição número 41 dos Cadernos IHU ideias, de autoria de Leda Maria Paulani, que tem como título A (anti)filosofia de Karl Marx, disponível aqui. Também sobre o autor, confira a edição número 278 da IHU On-Line, de 20-10-2008, intitulada A financeirização do mundo e sua crise. Uma leitura a partir de Marx, disponível aqui. Leia, igualmente, a entrevista Marx: os homens não são o que pensam e desejam, mas o que fazem, concedida por Pedro de Alcântara Figueira à edição 327 da IHU On-Line, de 03-05-2010, disponível aqui. A IHU On-Line preparou uma edição especial sobre desigualdade inspirada no livro de Thomas Piketty O Capital no Século XXI, que retoma o argumento central da obra de Marx O Capital, disponível aqui. (Nota da IHU On-Line)

[29] Lênin [Vladímir Ilyitch Lenin] (1870-1924): originariamente chamado de Vladímir Ilyitch Uliânov. Revolucionário russo, responsável em grande parte pela execução da Revolução Russa de 1917, líder do Partido Comunista e primeiro presidente do Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética. Influenciou teoricamente os partidos comunistas de todo o mundo. Suas contribuições resultaram na criação de uma corrente teórica denominada leninismo. (Nota da IHU On-Line)

[30] Alexander Berkman (1870–1936): escritor e ativista lituano, figura de destaque no movimento anarquista dos Estados Unidos no início do século XX.Nascido na cidade de Vilnius, na época pertencente ao Império Russo, imigrou para os Estados Unidos em 1888. Viveu na cidade de Nova Iorque, onde se envolveu com o movimento anarquista e conheceu Emma Goldman, que tornou-se sua amante e companheira por longa data. Em 1892, após um conflito ocorrido na greve de Homestead, Berkman tentou assassinar o industrial Henry Clay Frick em um ato de propaganda pela ação. Ainda que Frick tenha sobrevivido ao atentado, Berkman foi condenado pelo crime e passou 14 anos na prisão. Suas experiências no cárcere foram a base de seu primeiro livro, Memórias de um Anarquista Aprisionado. (Nota da IHU On-Line)

[31] El anti-climax: e capítulo final de mi diario ruso El mito bolchevique, in Alexandre Berkman, El mito bolchevique: Diario 1919-1920, La Malatesta, Madrid, 2013, p.287. (Nota do entrevistado)

[32] Merleau-Ponty, “Autour du Marxisme”, Sens et non-sens, cit., p. 125. (Nota do entrevistado)

[33] “Titres et travaux: projet d’enseignement” (1951), Parcours deux (1951–1961), Verdier, Lagrasse, 2000, p. 21. (Nota do entrevistado)

Fonte: UniNômade

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