PICICA: "As estratégias de Redução de Danos entraram na pauta das políticas
públicas no Brasil no final do século passado - referida à preocupação com a
transmissão do HIV -, passando a constituir-se como a principal forma de
atenção ao usuário abusivo de drogas a partir de 2003, quando o Ministério da
Saúde publicou sua Política de Atenção aos
Usuários de Álcool e outras Drogas. O foco passou a ser todos os danos
evitáveis do uso de drogas: danos em território, danos à saúde,
danos sociais. E a ação não se restringia à distribuição de insumos de saúde,
mas apostava na presença constante da equipe junto aos usuários.
“Parar de fumar para conversar” já adiava o uso da droga. A
equipe, agindo como ponte, lançava uma aposta no laço social. E uma população à
margem do sistema de saúde podia se inserir na rede. Uma vez na rede,
novas estratégias foram criadas, além do adiamento do uso: abstinência de uma
das drogas de uso, acompanhamento das famílias, tratamento das comorbidades,
uso controlado, etc.
Houve um processo de ampliação e definição da Redução de Danos
como um novo paradigma ético, clínico e político para a política pública
brasileira de saúde de álcool e outras drogas, em oposição às políticas
antidrogas que tiveram suas bases fundadas no período ditatorial. Não por
coincidência, há uma proximidade entre a política antidrogas e o paradigma
da abstinência. A abstinência é um eixo articulador entre a justiça, a
psiquiatria e a moral religiosa que, em sua articulação, definem uma política
de tratamento, um paradigma, que se realiza sob a forma de instituições
coercitivas, em tudo diversas do que propõe a Redução de Danos."
Redução de Danos, Política e Psicanálise
As estratégias de Redução de Danos entraram na pauta das políticas
públicas no Brasil no final do século passado - referida à preocupação com a
transmissão do HIV -, passando a constituir-se como a principal forma de
atenção ao usuário abusivo de drogas a partir de 2003, quando o Ministério da
Saúde publicou sua Política de Atenção aos
Usuários de Álcool e outras Drogas. O foco passou a ser todos os danos
evitáveis do uso de drogas: danos em território, danos à saúde,
danos sociais. E a ação não se restringia à distribuição de insumos de saúde,
mas apostava na presença constante da equipe junto aos usuários.
“Parar de fumar para conversar” já adiava o uso da droga. A
equipe, agindo como ponte, lançava uma aposta no laço social. E uma população à
margem do sistema de saúde podia se inserir na rede. Uma vez na rede,
novas estratégias foram criadas, além do adiamento do uso: abstinência de uma
das drogas de uso, acompanhamento das famílias, tratamento das comorbidades,
uso controlado, etc.
Houve um processo de ampliação e definição da Redução de Danos
como um novo paradigma ético, clínico e político para a política pública
brasileira de saúde de álcool e outras drogas, em oposição às políticas
antidrogas que tiveram suas bases fundadas no período ditatorial. Não por
coincidência, há uma proximidade entre a política antidrogas e o paradigma
da abstinência. A abstinência é um eixo articulador entre a justiça, a
psiquiatria e a moral religiosa que, em sua articulação, definem uma política
de tratamento, um paradigma, que se realiza sob a forma de instituições
coercitivas, em tudo diversas do que propõe a Redução de Danos.
Não há dúvidas do avança que representou a política de Redução de
Danos na Saúde Pública. A comparação com os outros modelos a coloca em posição
ética inquestionável. O modelo
jurídico-moral, assentado em uma visão dualista da realidade, aponta para
medidas “educativas” e preventivas, articuladas a princípios repressivos. O
modelo médico, à semelhança de como lida com as doenças infecciosas, trata a
droga como “agente”, e o indivíduo como “hospedeiro”. No modelo sociocultural,
por outro lado, a droga adquire significado e importância não tanto pelas suas
propriedades, mas pela maneira como cada sociedade define sua utilização, e o
uso de drogas ilícitas é visto como um desvio do comportamento normal.
Os tratamentos em nosso meio seguem esses modelos, e constituem-se basicamente de abordagens médico-farmacológicas (hospitalização para desintoxicação e tratamento de doenças relacionadas à dependência; tratamento psiquiátrico convencional; uso de drogas psiquiátricas; tratamento não-psiquiátrico com clínico geral; terapia de manutenção com opiáceos e terapias com antagonistas), terapia comportamental e aconselhamentos baseados no uso da autoridade racional. Por seu turno, as abordagens socioculturais (metodologias seguidas pelas Comunidades Terapêuticas e os Grupos de Narcóticos Anônimos), resvalam quase sempre para intervenções baseadas em abordagens religiosas, ainda que possa se incluir o trabalho de médicos e psicólogos, quase sempre travestidos de “conselheiros”.
A proposta do CAPUT segue outra política. A política da psicanálise, que é o sintoma. Percebemos a droga como algo que produz no corpo uma experiência de excesso, mas nos interessamos menos pela droga, e mais por esse gozo do corpo. Nesse sentido, adotamos a posição do avesso: do avesso do discurso do mestre, e da invalidação das reivindicações contra o discurso do mestre (em “Televisão”, Lacan explica que protestar contra o discurso do mestre já é entrar nele, mesmo que seja a título de protesto). Que mestre? A Ciência, o Saber Médico, o Mercado, a Moda, a Tecnologia... E - por que não? - as Políticas de Saúde. Ou seja, tudo que universaliza. Podemos entender - sem qualquer julgamento de valor -, por exemplo, a “Política de Atenção aos Usuários de Álcool e outras Drogas” como uma universalização, e não é sem motivo que ela leva a uma universalização na proposta de tratamento: Redução de Danos . No modelo científico, a drogadição é doença, e a cura é abstinência. E assim por diante...
A universalização engendra a segregação, nega o particular, o singular. A Psicanálise maneja as discordâncias ao mudar o discurso, a maneira de dizer. Contra a “eficácia” do todo, se apóia na lógica da fronteira, do não-todo, da vizinhança. Então, não se trata d’A Droga, mas de cada droga, para cada sujeito. Isso é a noção de vizinhança. Não há solução universal, teremos que passar ao múltiplo, a uma tolerância em relação ao impossível. Isso equivale a escutar os usuários um a um. Montar projetos terapêuticos únicos. Estruturar a instituição a cada vez, para cada um que chega. Aceitar a queda dos ideais na contemporaneidade, para entender a ascensão dos objetos de consumo e de gozo, a prevalência do imaginário sobre o simbólico, e introduzir nos adolescentes um gosto pela fala. Para que produza seu sintoma. Para que “desembole na ideia” (termo juvenil para se referir a resolver os problemas com o diálogo) o seu fantasma.
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