PICICA: "Eu
estava entre os mais de 3 mil espectadores sentados no chão do salão do
segundo andar do Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, enquanto o
prédio era cercado por soldados do Exército. Na noite de 10 de dezembro
de 1973, uma constelação de artistas reunida pelos produtores Jards
Macalé e Xico Chaves desafiava a espessa treva da ditadura tripulada
pelo general Médici, durante as tensas três horas do espetáculo Direitos Humanos no Banquete dos Mendigos. O show foi associado às comemorações dos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promovida pela ONU."
Cultura
Música
Pela música, um desafio às trevas da ditadura
por Tárik de Souza
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publicado
15/07/2015
Caixa traz a gravação do show histórico de Jards Macalé no Rio
AG. O Globo
Macalé canta para 3 mil espectadores no Rio de Janeiro, enquanto o Exército cerca o prédio do Museu de Arte Moderna, em 1973
Eu
estava entre os mais de 3 mil espectadores sentados no chão do salão do
segundo andar do Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, enquanto o
prédio era cercado por soldados do Exército. Na noite de 10 de dezembro
de 1973, uma constelação de artistas reunida pelos produtores Jards
Macalé e Xico Chaves desafiava a espessa treva da ditadura tripulada
pelo general Médici, durante as tensas três horas do espetáculo Direitos Humanos no Banquete dos Mendigos. O show foi associado às comemorações dos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promovida pela ONU.
A leitura de trechos do documento, pelo
poeta Ivan Junqueira, funcionou como epígrafe candente do evento, como o
quinto artigo, “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante”. Ou o nono, “ninguém será
arbitrariamente preso, detido ou exilado”, ambos aplaudidos como
afrontas às práticas do regime vigente. “Se fizéssemos sem a ONU a gente
ia se ferrar”, admite hoje Macalé, radiante com a primeira edição
completa, em três CDs, das fitas gravadas às escondidas pelo técnico de
som, o inglês Maurice Hughes.
Das 60 músicas iniciais, 40 foram vetadas pela censura. A proibição foi desrespeitada, mas Chico Buarque não pôde cantar Vai Trabalhar, Vagabundo. Contudo, desvelou “uma música que estou compondo agora, chupada do Jorge Ben”. Posteriormente assinada com o pseudônimo de Julinho da Adelaide, a sarcástica Jorge Maravilha (Você não gosta de mim/ mas sua filha gosta) seria interpretada, erroneamente, como alusão ao apreço pelo compositor da filha do ditador seguinte, Ernesto Geisel, ainda longe do poder.
Da suave bossa de Johnny Alf (Eu e a Brisa) e o samba dissonante de Paulinho da Viola (Roendo as Unhas) ao “iê-iê-iê realista”, rotulado pelo autor, Raul Seixas (Ouro de Tolo, Mosca na Sopa), mais o anárquico Jorge Mautner (Samba dos Animais) e a devota Gal Costa (Oração de Mãe Menininha),
o roteiro cravou surpresas. Com espaço até para os delírios percussivos
de Edison Machado e Pedro dos Santos, em meio a desempenhos farpados de
Milton Nascimento (Nada Será Como Antes), Gonzaguinha (Desenredo), Luiz Melodia (Abundantemente Morte) e o próprio Macalé (Anjo Exterminado).
*Publicado originalmente na edição 857 de CartaCapital, com o título "Um desafio às trevas"
Fonte: Carta Capital
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