PICICA: "Eu, que tive a oportunidade de estar
presente na campanha eleitoral do Lula em 1989, senti que era um
movimento. Oito anos depois, nada restou deste sentimento. Estive
presente na campanha eleitoral do Syriza em janeiro de 2015 – é um
movimento. Não sei se vai ficar, nem se as diferenças mencionadas
continuarão a existir, só sei que agora, sendo brasileiro ou alemão ou
sócio de qualquer outro clube estranho, agora é a hora de dizer “Somos
todos gregos”."
Quais as diferenças entre o Brasil e a Grécia?
(participe também enviando seus textos aqui)
Não, não é que um país seja grande e o
outro pequeno, com menos habitantes do que São Paulo. Nem que um tenha
um governo eleito para construir socialismo (ou qualquer outra opção não
capitalista, deixamos isto para lá) e o outro não. Em ambos os casos,
eu acredito (ao contrário de muitos de meus companheiros da esquerda)
que nem o PT em 2002 nem Syriza em 2015 foram eleitos para mudar a
estrutura da sociedade. Foram eleitos, porque nos dois casos a maioria
dos eleitores não queria mais um capitalismo bravo, arrasador, desumano
(E não quero discutir a questão se é possível ter um capitalismo
humano).
Um dos dois países aumentou a dívida com
os Jogos Olímpicos de 2004 o outro com a Copa 2014 (e, como alemão,
desde aquele dia, não falo mais sobre a copa com brasileiros, sou bem
educado) – as construtoras dos dois países se deram bem.
Então? A Grécia não quer (nem pode) mais
pagar as dívidas, o povo decidiu que os bancos alemães, franceses e
holandeses receberam o bastante, chega – enquanto o Brasil continuou
pagando, o que se sente muito mais agora, com a conjuntura para baixo.
Até agora o governo grego não chegou a
fazer mais do que cumprir algumas promessas iniciais. Mas, por exemplo,
não só deu uns passos (mais exemplares, demonstrativos, do que em massa)
na área social; mudou a política de migração (sendo um dos países mais
importantes da “entrada” – proibida – na Europa), uma exigência básica
de democracia e humanismo. Enquanto no Brasil, não só ninguém tocou na
existência da PM, como deixaram sem moléstia os militares golpistas e
seus aliados. Terceiro: em lugar de uma reforma agrária no Brasil que
seria brincadeira, se não fosse tão grave, o governo grego começou um
programa de sustentar a agricultura familiar, sendo um dos poucos países
na Europa onde esta ainda é importante ao nível nacional.
No Brasil, uma política socialdemocrata
tradicional (não os inúteis socialdemocratas neoliberais do tipo
Schröder e Blair) fez o que fizeram – por exemplo – na Alemanha (e em
outros países europeus) quando tinha o espaço econômico: passaram uma
parte – migalhas – dos lucros para o povo. E já que os desejos do povo
são humildes – não se trata de banheira de ouro como alguns querem –
isto costuma funcionar. Até a crise, esta opção na Grécia não existia,
nem existe.
Então o governo chama às urnas: o povo
para decidir. Uma escolha livre? Nem tanto. A inspeção nacional do
trabalho da Grécia relatou que, nos ultimos dias de junho, recebeu
centenas de queixas de trabalhadores os quais foram pressionados pelas
empresas a participar nas manifestações do “Sim para a Europa”
(siginifica “Sim para a UE e os seus bancos”). É uma luta também, como
tudo que acontece na sociedade. Que o governo poderia até perder, sem eu
saber o que farão depois. Mais importante ainda: o ódio e a paixão com a
qual a Europa do capital luta contra uma medida simples e democrática.
Será que tem medo de alguma coisa? Na Alemanha, todos canais de TV,
todos os jornais etc. põem nesses dias como questão principal: se os
gregos saírem do Euro e não pagarem, quanto é que isto custará os
alemães? (Vejam que tem Veja e TV Globo também, só os nomes são outros).
As iniciativas de apoio ao movimento
grego contra a austeridade são muitas e mobilizam dezenas de milhares de
pessoas na Europa. Este governo é só a expressão eleitoral deste
movimento. O ódio da burguesia quer destruir não em primeiro lugar este
governo, e sim este movimento, também para dar uma lição aos outros. Uma
situação que o Brasil nunca viveu (fora 64) e onde o PT e sua família
nunca conseguiria tal mobilização – não mais, como está se vendo estes
dias.
Eu, que tive a oportunidade de estar
presente na campanha eleitoral do Lula em 1989, senti que era um
movimento. Oito anos depois, nada restou deste sentimento. Estive
presente na campanha eleitoral do Syriza em janeiro de 2015 – é um
movimento. Não sei se vai ficar, nem se as diferenças mencionadas
continuarão a existir, só sei que agora, sendo brasileiro ou alemão ou
sócio de qualquer outro clube estranho, agora é a hora de dizer “Somos
todos gregos”.
Dortmund, 1º de Julho de 2015
Fonte: Brasil em 5
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