PICICA: "Assim como a Grécia, país está sujeito à ditadura financeira. Só
mobilização social pode ser capaz de enfrentá-la, agora que governo
Dilma parece rendido a ela"
E se o Brasil submeter o “ajuste fiscal” a plebiscito?
Assim como a Grécia, país está sujeito à ditadura financeira. Só mobilização social pode ser capaz de enfrentá-la, agora que governo Dilma parece rendido a ela
Por João Telésforo
A
Grécia pode até ser o berço da democracia. Mas não parece ter sido lá
que nasceu a ideia de submeter à consulta popular o pagamento de uma
dívida pública injusta e abusiva, em tempos de grande precariedade
social. Anos antes de chegar à Praça Syntagma, essa possibilidade já
ocupou o centro do debate público no Brasil.
Em
setembro de 2000, mais de cinco milhões de brasileiros votaram em
plebiscito não-oficial convocado pela CNBB e cerca de 20 entidades da
sociedade civil. Mais de 90% deles responderam “não” às seguintes
perguntas (ver aqui): 1- O governo brasileiro deve manter o atual acordo com o Fundo Monetário Internacional?; 2- O
Brasil deve continuar pagando a dívida externa, sem realizar uma
auditoria pública desta dívida, como previsto na Constituição de 1988?; 3- Os
governos federal, estaduais e municipais devem continuar usando grande
parte do orçamento público para pagar a dívida interna aos
especuladores?
Diante
dessa vigorosa manifestação popular, José Dirceu, então Presidente do
Partido dos Trabalhadores e Deputado Federal, apresentou no dia
seguinte, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Decreto Legislativo
645/2000 (ver aqui),
determinando a realização de referendo para que a população decidisse
sobre a manutenção dos acordos para o pagamento da dívida externa, em
termos semelhantes ao do plebiscito da sociedade civil. A proposta de
referendo não prosperou no Congresso Nacional, controlado pelo governo
tucano de Fernando Henrique Cardoso e pelas velhas bancadas a soldo do
poder econômico.
Em
dezembro de 2001, o documento “Concepção e Diretrizes do Programa de
Governo do PT para o Brasil” assinalava o compromisso do partido com a
auditoria e renegociação da dívida externa. Poucos meses depois, porém, a
situação mudou. Em junho de 2002, Luís Inácio Lula da Silva, então
candidato do PT à Presidência da República, assinava a “Carta aos Brasileiros“,
dirigida aos grandes credores da dívida pública. Também conhecido como
“Carta aos Banqueiros”, o documento — de que José Dirceu foi um dos
principais articuladores — garantia que o PT, caso chegasse à
Presidência da República, iria “preservar o superávit primário o quanto
for necessário” para garantir o pagamento dos compromissos com a dívida
pública. Aquela mesma dívida que o partido antes contestava, junto aos
movimentos sociais e à Constituição de 1988, que determina a realização
de sua auditoria.
Levados
ao governo pelo embalo da insatisfação popular com o desemprego e
outros impactos nefastos do neoliberalismo tucano, Lula e o PT honraram o
compromisso assumido com o andar de cima: não realizaram auditoria nem
renegociação da dívida, e entregaram o comando do Banco Central a um
homem de confiança dos grandes bancos nacionais e internacionais:
Henrique Meirelles, Deputado Federal eleito pelo PSDB-GO e egresso da
Presidência do Bank of Boston.
A
estratégia dos governos do PT era cristalina na Carta aos Brasileiros
de Junho de 2002: tratava-se de implementar políticas sociais
“consistentes e criativas”, dizia o documento, nos limites orçamentários
impostos pela manutenção da política macroeconômica neoliberal, e nos
limites políticos gerais da aliança com os grandes grupos capitalistas
brasileiros. Além disso, sinalizava-se para mudanças com continuidade em
setores como a política de comércio exterior.
Treze
anos depois, essa política já teve seus limites escancarados. Na hora
do impasse, diante da dificuldade ou mesmo impossibilidade de manter uma
política “ganha-ganha” de conciliação de classes, o governo Dilma e o
PT, com seu “ajuste”, mais uma vez fazem a opção clara por cortar no
andar de baixo, nos investimentos em serviços públicos e direitos da
classe trabalhadora, como o seguro-desemprego. Será que o povo que votou
na Dilma e na bancada do PT está de acordo? E enfatizamos: Dilma e o PT,
pois a bancada e a direção do partido já manifestaram apoio majoritário
à política do governo. Não cola mais, a esta altura, a manobra de se
tentar dissociar o programa do partido da política de seu governo.
Se
por um lado Dilma não se elegeu com um discurso ou qualquer compromisso
concreto que nos levasse a ter esperança em qualquer guinada
substancial para melhor em sua política, por outro lado prometeu à
exaustão não retirar direitos dos trabalhadores “nem que a vaca tussa”.
Além disso, buscou se diferenciar dos adversários que propunham o ajuste
fiscal neoliberal — o mesmo que ela agora implementa. Em 2003, Lula fez
no governo – gostássemos ou não – o que anunciou na campanha eleitoral,
a partir da “Carta aos Brasileiros”. A realidade, desta vez, é bem
diferente. Não se trata simplesmente de discordância e oposição.
Trata-se de um governo que faz exatamente aquilo que anunciou nas
eleições que não faria, fraudando a vontade democrática manifestada nas
urnas.
A solução? É
hora de desenterrar a proposta de consulta popular sobre o ajuste, a
retirada de direitos e a precarização de serviços públicos tendo em
vista a prioridade dada ao pagamento dos galopantes juros e serviços da
dívida pública. Porém, mesmo que alguma bancada, como a do PSOL,
apresente proposta nesse sentido no Congresso (fica a dica), sabemos que
o eventual projeto de decreto legislativo de referendo popular de
ajuste do governo Dilma provavelmente seria arquivado. Até poderia valer
a pena, talvez, para levantar o tema. Mas o fundamental, neste momento,
é ampliar o debate e a luta na sociedade civil.
A Auditoria Cidadã da Dívida Pública,
criada logo após o plebiscito popular da dívida externa, em 2000, faz
esse trabalho há 15 anos. Sua Coordenadora, Maria Lucia Fattorelli,
colaborou no bem-sucedido processo de auditoria da dívida pública do
Equador, faz alguns anos, que conseguiu renegociar 70% da dívida daquele
país. Neste ano, Fattorelli integra a comissão internacional criada
pelo Parlamento grego para auditar a dívida dos helenos e formular
subsídios para enfrentar a Troika.
No
Brasil, porém, apesar de seu trabalho de excelência técnica e de sua
articulação política, o movimento pela Auditoria não conseguiu pautar a
agenda nacional com força ao longo dos últimos anos. Para além das
necessárias críticas ao PT, PSDB e cia, é necessário indagarmos por que
não estamos conseguindo sequer promover esse debate na sociedade. Por
que, em Junho de 2013 por exemplo, diante de grande demanda por
ampliação dos investimentos públicos, os movimentos sociais e
organizações populares não foram capazes de instalar esse tema na agenda
de discussões do povo, pelo menos? Por que as candidaturas à
Presidência da República que pautaram essa questão não chegaram nem a 2%
dos votos, em 2010 e em 2014?
Claro,
os limites do sistema, o financiamento empresarial de campanhas, o
monopólio da mídia e cerco da grande imprensa ao debate do tema, etc.
Mas é preciso procurar os problemas e ausências também nos nossos
métodos, prioridades e estilo de trabalho político – como Junho,
novamente, nos ensinou em definitivo.
Seria
o momento de se tentar organizar um amplo referendo popular sobre o
ajuste fiscal do governo Dilma? Se a tática dos referendos e plebiscitos
populares não for adequada ou não mostrar maior potencial atualmente,
quais outros meios estamos utilizando ou podemos inventar para lutar
contra o ajuste? A mobilização de rua é fundamental, mas não basta. É
necessário instalar o tema no cotidiano de debates da sociedade
brasileira, de modo pedagógico, eficaz e em grande escala. Está lançado o
desafio.
João Telésforo
João Telésforo é Mestrando em Direito na UnB e militante das Brigadas Populares.
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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