PICICA: "Ao transpor obras para o palco, Renato Farias decifra árida
simbologia do autor pernambucano e se aproxima de seu corte seco, direto
e afiado"
A poética de João Cabral escrita com o corpo
Ao transpor obras para o palco, Renato Farias decifra árida simbologia do autor pernambucano e se aproxima de seu corte seco, direto e afiado
Por Wagner Correa de Araújo | Imagens Carol Beiriz
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João Cabral está em cartaz em curta temporada na Sede das Cias. aos sábados, domingos e segundas às 20h, rua Manuel Carneiro, 10 – Lapa, Rio de Janeiro, fone (21) 2137.1271. Até 13 de julho. –
Há uma grande distância quando Shakespeare rima versos de suas tragédias pensando em teatro, atores e plateia e o uso da voz poética singular, transmutada da folha de papel ao palco.
E, quando se trata então de João Cabral de Melo Neto, como seria o dimensionar e o traduzir em cena o intransponível e o irredutível do seu pensar poético abstrato e quase hermético?
Esse espetáculo ocorre numa outra chave, ao contrário, por exemplo, da comunicabilidade emotiva imediata de uma Adélia Prado e que mereceu, da Companhia de Teatro Íntimo, uma de suas mais envolventes concepções [aqui].
Renato Farias, mesmo assim, aceitou o desafio de se aventurar na transposição cênica da emoção sob controle desse poeta-engenheiro. Nele cada um de seus “objetos poéticos” tem o corte seco, direto e afiado de uma lâmina.
Arriscando-se diante da complexa e superlativa inventividade composicional do universo cabralístico, buscou imagens associativas para a decifração da árida simbologia dessa metalinguagem e metapoesia.
Habilmente soube transformar os poemas, quase físicos, em sensóricos elementos cenográficos (Melissa Paro), assim como caules de cana para o referencial pernambucano, e sonoridades (Diego Zarcon) e gestual flamenco (Eliane Carvalho) para as evocações sevilhanas. Além de malas explicando partidas e chegadas, entre dois mundos e um mar.
A materialização visual nos figurinos (Thiago Mendonça), da sintética e metafórica linguagem cabralina, consegue, ainda, uma adequada conotação na sensibilizada e enérgica entrega do elenco.
Intimista e mais personalista nos atores Caetano O’Maihlan, Rafael Sieg e Raphael Viana, no confronto com a sutil exteriorização coreográfica de Gaby Haviaras, que, “subida ao dorso da dança vai carregada ou a carrega?”
João Cabral, a peça, enfim, é uma identificação dentro/fora, poesia/teatro, performance/palavra poética, capaz de convergir paisagens díspares canaviais/praças de touros, Sevilha/Recife, e interagir palco/plateia, num clímax estético de “Educação pela Pedra” .
E aproxima-se, na imagética definição do próprio poeta: “é a que se sente ante um revólver/ e não se sente ante uma bala”.
Wagner Correa de Araújo
Jornalista especializado em cultura,
roteirista, diretor de televisão, crítico de artes cênicas. Dirigiu os
documentários "O Grande Circo Místico" e "Balé Teatro Guaíra 30 Anos" .
Participou como critico e jurado de festivais de dança e cinema, no
Brasil e na Europa.
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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