julho 14, 2015

"Delação e denúncia: usos à direita e à esquerda", por Raymundo de Lima (BLOG DA REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO)

PICICA: "Parece que o pior delator é o delator moralista e cínico, porque faz desse seu ato infame um fundamento de moral coletiva. O delator cínico se assemelha ao fundamentalista religioso ou laico, porque interpreta a moral literalmente[10]; ele confunde moral e ética, e, entende que “vale tudo” para fazer impor a “sua” idéia de moralidade para todos, custe o que custar.

Tal como a Fênix, a onda denuncista ou dedurista sempre renasce das cinzas, numa espécie de transe[11] coletivo[12], causando efeitos danosos nos inocentes, destruindo famílias, amizades e empreendimentos (ver caso da Escola Base, no nosso próximo artigo), banindo o acusado do grupo antes do julgamento, obrigando a suportar a tortura psicológica e os assédios morais do cotidiano. Como nem todos conseguem suportar o “jogo” de forças de um julgamento de um tribunal, não raro o inocente opta pelo suicídio como forma última de libertar do sofrimento e recuperar a dignidade social."


Delação e denúncia: usos à direita e à esquerda

lima 
RAYMUNDO DE LIMA*[1]

“Escuta, Zé Ninguém: a miséria da existência humana é visível à luz de cada um destes pequenos horrores. Cada acto mesquinho teu faz retroceder de mil passos qualquer esperança que possa restar quanto ao teu futuro”.
Wilhelm Reich[2]

“Não se ensinam os homens a serem honestos, mas ensina-se tudo o mais.”
Pascal
As democracias podem ser imperfeitas, mas as ditaduras são monstruosas. Como não suportam a pluralidade das opiniões e as críticas que clamam por liberdade, as ditaduras facilmente inventam bruxas para justificar o regime de exceção. Nelas, muita gente inocente foi queimada com brasas de constrangimentos e torturas até à morte, a partir de uma acusação ou delação anônima.[3]

Cony observa que “durante o regime militar, tivemos uma excelente safra de dedos-duros. Alguns exerciam a função gratuitamente, não pretendiam prêmios nem vantagens, delatavam por amor à arte de delatar. Outros, certamente a maioria, delatavam para ganhar alguma coisa: penas menores em certos casos, dinheiro vivo em outros” (Cony, C. H. FSP, 18/08/2005) [grifo nosso].

Nessa época, o cantor Wilson Simonal, no auge de seu sucesso, foi “queimado” pelo meio artístico como dedo-duro, porque supostamente teria servido aos órgãos de repressão do regime militar. Embora tenha sido absolvido num julgamento simbólico da acusação de ter atuado como delator durante o Regime Militar, o referido cantor morreu com essa nódoa na sua imagem de cidadão e artista.[4]

Há ainda o nebuloso Cabo Anselmo, considerado um “denunciador” pelos militares de direita e “delator” pelos militantes de esquerda. Essa diferença foi feita no nosso artigo anterior.  Podemos simplificar esta distinção da seguinte maneira: a delação é uma acusação condenatória contra alguém ou cúmplice[5], por vingança, interesse pessoal ou para aliviar o medo das pressões e ameaças de um grupo corporativo; já o que move a denúncia não é a vingança, nem o interesse pessoal, mas sim, o desejo de fazer o bem para um ser (humano ou animal) que sofre algum tipo de violência. Nesse sentido, a denúncia visa beneficiar a coletividade ameaçada ou refém de um criminoso ou grupo transgressor da lei. Delata-se um colega (como revela o conto de Machado de Assis), ou um companheiro de luta política, um cúmplice, mas denuncia-se um pedófilo, um torturador, um seqüestrador, um terrorista, um narcotraficante, etc. (Há controvérsias sobre a virtude e o vício da “denúncia premiada” ou “delação premiada”. A esse respeito, o professor Marcos Amatucci faz uma reflexão no seu blog http://marcosamatucci.blogspot.com/2005/08/delao-vcio-ou-virtude-aps-os-fatos-as.html).

A história do Brasil está marcada de anti-heróis como Silvério dos Reis, o delator dos conjurados que lutavam para libertar o Brasil de Portugal, dentre os quais, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes[6], que dignamente passou para nossa história como o mártir da independência.  Silvério dos Reis foi associado pelo imaginário popular à figura bíblica de Judas, e Tiradentes foi associado à imagem de Jesus.

Seria exagero considerar que a história da humanidade é uma história não contada sobre as delações e delatores que ficaram no anonimato? Assim como a tradição dos estudos de história despreza a investigação do cotidiano (Heller, 1992; 2002) privilegiando o papel das revoluções e dos heróis, somente uma história ‘nova’ poderia investigar os indícios e motivos que levaram alguns optarem pela delação e traição, influenciando desse modo o destino dos homens do poder, justificando seu gesto em nome de uma elite, ou de um povo ficcionado, ou, ainda, visando servir a “construção de uma realidade delirante” (Castoriadis, 1987: 207-224), onde é inevitável a difusão da paranoia social. (Os estudos sobre a “Psicologia de massa do fascismo” [W. Reich], a “personalidade autoritária” [T. Adorno], e a “mentalidade fascista” [I. Carone] elucidam algumas das motivações da delação, bem como convida-nos a uma atitude preventiva sobre o “que fazer” para construir uma sociedade com menos infâmia).

Delação-denúncia à esquerda e à direita

A delação sempre foi um poderoso instrumento de sustentação dos regimes totalitários. O nazi-fascismo usou criminosos e mesmo pessoas de bem para criar um clima de medo e de paranoia. O totalitarismo soviético – principalmente no período do “homem de ferro” J. Stalin – fez da delação uma obrigação moral dos cidadãos que eram estimulados a colaborar para o “triunfo do socialismo”. A famosa ditadura “do” proletariado passou a ser a ditadura “sobre” o proletariado, observou Karl Korsh [1886-1961]. No período stalinista os segredos não eram confiados a ninguém com medo de ser denunciado aos órgãos repressivos, com ou sem razão; as pessoas evitavam criticar a gestão socialista que gerava imensas filas, desabastecimento, maquiagens das estatísticas do governo, os privilégios dos burocratas do Partido Comunista, a arrogância e descaso dos funcionários públicos da nova ordem proletária. Talvez o caso mais emblemático foi o garoto Pavlik Morozov transformado símbolo exemplar do stalinismo, com estátuas erguidas pelo país por ter denunciado o próprio pai como traidor dos ideais socialistas e “inimigo do povo” (para maiores informações clique “Pavlik Morozov” no Google).

Também nos EUA, após a 2ª. Guerra, o período conhecido de “caça às bruxas”, imposto pelo senador McCarthy, levou o país a uma onda de delação de qualquer pessoa suspeita de atividades consideradas “anti-americanas” ou “comunistas”.  O cineasta Elia Kazan, por exemplo, seria lembrado na história do cinema mais como delator dos artistas do que pelos filmes interessantes que realizou (ver, abaixo). Em 1999 quando o velho cineasta foi a Academia receber o Oscar pelo conjunto de sua obra, o público ainda demonstrava ressentimento pela sua atitude no passado, não se levantando e nem o aplaudindo.

Em 1951, o casal de cientistas judeus nova-iorquinos, Julius e Ethel Rosenberg, também foram vítimas do denuncismo macarthista. O casal foi acusado, julgado e condenado à morte por ter supostamente roubado e entregue para a União Soviética segredos sobre a bomba atômica desenvolvida pelos cientistas norte-americanos. A execução fatal aconteceu em 1953, sob protestos no mundo todo.

Na mesma época, por conta da Guerra Fria, o químico Linus Pauling (1901-1994), que fez campanha contra os testes nucleares, foi difamado tanto nos EUA como “insuficiente anticomunista”, como também na União Soviética, com o pseudo-argumento de que as ideias do cientista foram consideradas incompatíveis com o materialismo dialético.

Após a reunificação das duas Alemanhas, um dos grandes problemas foi exatamente o serviço secreto da Alemanha Oriental ou Socialista[7] – o STASI. Por quê? Pelo fato de que virou instituição, com muitas informações e muitos informantes prontos para acabar com a vida social de qualquer cidadão. “Houve casos em que maridos relatavam para o serviço secreto todos os passos da esposa. Amigos contavam segredos de amigos. Para se ter idéia de como a coisa era nojenta, os arquivos ou dossiês (que não foram queimados) contando a vida das pessoas foram liberados para visitação. O que significava que a pessoa poderia descobrir quem ‘dedou’ ela. Foi tanto casamento sendo desfeito por conta disso que passaram a avisar do perigo ‘você pode se arrepender de descobrir a verdade’”. (Cunha, D.R.R. http://www.inf.ufsc.br/barata / Email derneval@bigfoot.com ).

Ou seja, um Estado considerado “policial” acha que tem o direito de controlar tanto a vida pública dos indivíduos como suas próprias vidas íntimas por meio de uma rede de dedos-duros prontos, muitas vezes voluntários que se prestam para servir a “Pátria”, o “povo” a “causa x”, abolindo dessa força a própria distinção entre o que é domínio público e o que é privado. Por isso que H. Arendt conceitua o totalitarismo de “mal absoluto” e C. Castoriadis prefere chamar de “monstruoso”, porque é um regime político que produz crimes “que o homem não pode punir nem perdoar” e em escala inimaginável”.[8]

Por mais imperfeita que seja, a democracia – que alguns com vocação autoritária desqualificam de democracia “burguesa” – tem a virtude de garantir um mínimo de debate, de respeito para com a pluralidade das opiniões, e de investigação, para esclarecer denúncias, averiguar a motivação das acusações, que, quando provadas, cabe a justiça exercer o poder de punir os responsáveis.

O delator é vítima do sistema ou é responsável por sua escolha pessoal?

A delação em si mesma não é um ato moral porque não visa o bem coletivo, como já foi dito anteriormente.  Também não faz parte da natureza humana ser delator, embora certas ‘condições’ possam pressionar estruturas psíquicas mais frágeis de encontrarem saída nesse tipo de ato, como forma de sobrevivência.

Jean-Paul Sartre (1978) observa que qualquer sujeito humano é livre para escolher ser covarde ou herói. Usando a mesma linha de raciocínio podemos também dizer que somos livres para escolher delatar ou não, denunciar ou não. Assim como o covarde se faz covarde e o herói se faz herói, também o delator se faz delator, isto é, se o sujeito escolheu ser delator por motivo de vingança, inveja, ou para se safar de uma pressão do grupo ou agradar um chefe, somente ele é responsável pela sua escolha. Nos campos de concentração nazista os que escolheram, eticamente, resistir até o limite de suas forças físicas e psicológicas preferiram pagar com sua vida para não entregar os companheiros. É verdade que a violência – a tortura – tem poder para forçar alguém a dizer coisas contra a sua vontade, ou seja, depende da estrutura psíquica e da formação moral da vítima. Nietzsche dizia que, nesses casos, o veneno que não chega a matar pode fortalecer o caráter.

Muitos delatores não são más pessoas, mas personalidades que fraquejam diante de pressões, ameaças e promessas disso ou daquilo. Muitas delações foram e continuam sendo praticadas em nome de causas justas e injustas como a “liberdade democrática”, a “causa proletária”, a “revolução cultural’, a “supremacia da raça ariana”, os “valores corretos”, a “moral e os bons costumes”, a “guerra santa”, e até de “Deus”.[9] “O futuro de uma ilusão” (Freud), o autoengano e a “razão cínica” são mecanismos psíquicos recorrentes pelos sujeitos convictos de que seu ato é legitimo ou moral.

Parece que o pior delator é o delator moralista e cínico, porque faz desse seu ato infame um fundamento de moral coletiva. O delator cínico se assemelha ao fundamentalista religioso ou laico, porque interpreta a moral literalmente[10]; ele confunde moral e ética, e, entende que “vale tudo” para fazer impor a “sua” idéia de moralidade para todos, custe o que custar.

Tal como a Fênix, a onda denuncista ou dedurista sempre renasce das cinzas, numa espécie de transe[11] coletivo[12], causando efeitos danosos nos inocentes, destruindo famílias, amizades e empreendimentos (ver caso da Escola Base, no nosso próximo artigo), banindo o acusado do grupo antes do julgamento, obrigando a suportar a tortura psicológica e os assédios morais do cotidiano. Como nem todos conseguem suportar o “jogo” de forças de um julgamento de um tribunal, não raro o inocente opta pelo suicídio como forma última de libertar do sofrimento e recuperar a dignidade social.

Nesse sentido, vale a pena assistir preventivamente alguns filmes que discutem algumas conseqüências do ato delatório: As bruxas de Salem, Sindicato dos ladrões, A onda, Todos os homens do presidente – o Caso Watergate, Testa de ferro por acaso – de W. Allen, Dogville, Acusação… (veja lista no final). Os filmes sobre a máfia são interessantes para se refletir – e criar uma consciência preventiva – sobre as conseqüências psíquicas e sociais do dedurismo e da traição. O livro “O veneno da madrugada” de Gabriel Garcia Márquez, e filme, previsto para ser lançado em setembro/2005, de Ruy Guerra, embora seja ficção ajuda a refletirmos sobre o assunto. A trama envolve os moradores de uma pequena cidade ameaçados com bilhetes anônimos. Cada cidadão pode ser a próxima vítima. E cada um pode ser o autor dos bilhetes. Seria um alívio se tudo isso fosse apenas ficção…mas não é.


Bibliografia consultada
ASSIS, M. Conto de Escola. São Paulo: Ática, 1970.
BARBOSA, L. O jeitinho brasileiro… Rio: Campus, 1992.
BOBBIO, N. Elogio da serenidade e outros escritos morais. São Paulo: UNESP, 2002).
CASTORIADIS, C. “Os destinos do totalitarismo”. In: As encruzilhadas do labirinto. v. 2. Rio: Paz e Terra, 1987, pp.207-224.
CARONE, I. “A PERSONALIDADE AUTORITÁRIA: estudos frankfurtianos sobre o fascismo”. (Texto debatido em 26/09/02 a convite do Núcleo de Interdisciplinar de Estudos da Infância de Juventude dos Programas de Pós Graduação em Sociologia Política e Pós Graduação em Educação). Disponível na Internet: http://notes.ufsc.br/aplic/cfh.nsf/0/f8c5f4aa9513c2ae03256c4b007332dc?OpenDocument
_________. “Fascismo on the air”. [Cópia recebida por e-mail].
CONY. C. H. “Delações premiadas”. Folha de S. Paulo, 18/08/2005.
CUNHA, D. R. R. “Sobre Arapongas, Informantes, dedo-duros, etc.” Internet: http://www.inf.ufsc.br/barata
DOLTO, F. Como orientar seu filho. Ed. F. Alves, 1988.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977.
________. A verdade e as formas jurídicas. Rio: Cad. da PUC-Rio, Depto. Letras e Artes, 01/1978.
HELLER, A. O cotidiano e a história. [Trad. Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder]. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
_________. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona: Península, 2002.
JORNAL do Brasil, 11/12/ 2004.
LA BOÉTIE, E. Discurso da servidão voluntária. São Paulo: Brasiliense, 1982.
REALIDADE [rev.] “Quem é o dedo duro?”. São Paulo: Abril, julho/ 68, no 28, pp. 88 a 99 [texto de João Antônio].
REICH, W. Psicologia de massa do fascismo. Porto: 1974.
RIBEIRO, A. O Caso Escola Base – Os Abusos da Imprensa. São Paulo: Editora Ática, 1995.
ROMANO, R. Delação e boatos, sinais de barbárie [artigo disponível na Internet].
SAGAN, C. O mundo assombrado pelos demônios. A ciência vista como vela no escuro. São Paulo: C. Letras, 1996.
SILVEIRA, A. em “Grandes julgamentos da história” (S. Paulo: Cultrix, 1969),
VIGNOLES, P. A perversidade. Campinas: 1991.
WOOD, J. K. “Efeito de grupo”. Campinas: PUCCAMP, rev. Estudos de Psicologia, no. 2 e 3/ AGO-DEZ/1985.

Filmes recomendados sobre delação, denuncia, e traição:
A confissão (de Costa Gravas)
A onda,
Acusação
As bruxas de Salem
Cidadão Cohn
Dogville
Donie Brasco
O casal Rosenberg
O informante
O poderoso chefão
O veneno da madrugada (Ruy Guerra e Gabriel Garcia Márquez)
Parceiro da Noite (Cruising)
Sem perdão
Sindicato dos ladrões
Testa de ferro por acaso (de W. Allen)
Todos os homens do presidente – o Caso Watergate


* RAYMUNDO DE LIMA é Doutor em Educação (USP) e docente do Departamento de Fundamentos da Educação (UEM). Publicado originalmente na REA, n.53, outubro de 2005, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/053/53lima.htm


[1] Este artigo faz parte de uma série de três, dos quais um já publicado.  São modestos pré-estudos sobre o assunto delação-denúncia e sua possível relação com a educação. Trabalhamos com o seguinte pressuposto: quanto mais autoritária é a educação familiar e escolar, mais existe o incentivo velado ou manifesto à delação. AOS LEITORES E AMIGOS, meus agradecimentos por terem colaborado com ideias, sugestões, críticas, e até mesmo revelando seu sofrimento pessoal “ao vivo” ou por e-mail. Peço que continuem me enviando sua colaboração.


[2] Reich, W. Escuta, Zé Ninguém. Santos: Martins Fontes, 1974: 37.


[3] Historinha pessoal. No período da ditadura militar, tínhamos um professor de português que foi delatado por um pai de aluno ao DEOPS, por ter escolhido para discussão da turma uma crônica de Stanislaw Ponte Preta. O texto fazia alusão ao regime autoritário “infernal”, mas demorou a cair nossa ficha. Já o referido professor teve que passar pelo constrangimento duplo: viajar com seus pobres recursos de professor do interior até a capital, São Paulo, umas dez horas e prestar depoimento junto ao temido DOPS, órgão de repressão política da época.


Depois, quando cursava psicologia numa universidade do Rio de Janeiro, ainda em meados de 1970, suspeitávamos de um colega “esquisito”, embora todos vivíamos um estilo de vestir, falar, usar o cabelo etc. mais ou menos hippie. Lembro-me que numa reunião ‘clandestina’ de nosso movimento estudantil, numa sala da universidade, ficamos muito apreensivos com alguns falsos alunos muito esquisitos propondo coisas como jogar uma bomba no prédio do governo ou coisa parecida. Um deles tinha uma cicatriz no rosto que parecia maquiagem para filme de horror. Por falar de horror, alguns professores entravam na conta de prováveis dedos-duros dos alunos ligados ao movimento estudantil contra a ditadura. Um professor que deixava escapar um elogio aos militares no poder, ou que tivesse servido a um governo tão repressor como foi o período Médici, potencialmente podia ser dedo-duro.  Já na democracia, quando fazíamos pós-graduação, um desses professores, certa vez, pareceu estar a gozar à medida que falava como funcionavam os instrumentos de tortura da Idade Média.


[4] [A] “OAB inocenta Wilson Simonal de delação” (notícia do site: http://www.presidencia.gov.br/). “O cantor Wilson Simonal – falecido em junho de 2000 – foi absolvido num julgamento simbólico da acusação de ter atuado como delator durante o Regime Militar. O caso foi analisado pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, a pedido da família de Wilson Simonal. Foram ouvidas pessoas do meio artístico como Chico Anísio e Jair Rodrigues, que testemunharam pela inocência do acusado. Também serviu de evidência pesquisa realizada em arquivos de órgãos federais, feita em 1999, por determinação do Governo Federal”.
[B] Entrevistado por Tom Carsono, Geraldo Vandré, disse ter sido uma grande injustiça cometida contra Simonal. “Não fizeram essa acusação porque ele era preto e rico. Senão, tinham feito o mesmo com o Jair (Rodrigues). Era porque ele era um cara petulante, tinha aquele jeitão, mas nunca dedurou ninguém. Tenho certeza disso” (www.cliquemusic.com.br, acesso em 2000).


[5] A delação é uma das formas de fazer mal a alguém e ficar invisível. A delação e a traição são as duas formas mais usadas entre cúmplices, nunca entre amigos. No “Dicionário Filosófico”, Voltaire distingue os amigos dos cúmplices: “os malvados só conhecem cúmplices… mas os homens virtuosos e só eles têm amigos. Portanto, a ilação que se faz é que os delatores não constituem verdadeiras amizades, nem antes e nem depois do seu ato vil.


[6] SILVEIRA, A. em “Grandes julgamentos da história” (S. Paulo: Cultrix, 1969), numa seção cujo título é “A delação”, denomina “delator” Joaquim Silvério dos Reis, por gozar da amizade com Alvarenga Peixoto, Cláudio Manuel da Costa, entre outros que faziam parte do movimento de libertação do Brasil de Portugal.


[7] O nome oficial da Alemanha Oriental era Deutsche Demokratische Republik ou DDR (República Democrática Alemã ou RDA).


[8] Castoriadis (1987) se referindo ao estudo de Arendt – “As origens do totalitarismo” – assim resume: o estado totalitário vive em guerra permanente contra aqueles que ousam pensar “diferente”. H. Arendt em Origens do totalitarismo, ousou denominar o totalitarismo de “mal absoluto” e C. Castoriadis de “monstruoso”, porque tal regime político produz crimes “que o homem não pode punir nem perdoar” e em escala inimaginável.


[9] Carone analisa a propaganda das ideias fascistas a partir dos estudos de Adorno, como uma “psicanálise às avessas”, na medida em que os seus agentes visam apelar ao inconsciente por meio de técnicas capazes de promover tanto a idealização dos seus líderes como a suspeita paranoica sobre os out-groups por parte dos destinatários. A repetição de mentiras, acusações com intenção de discriminação ou desqualificação de um alvo deliberadamente escolhido elege como principais alvos: os “inimigos do povo norte-americano”, “parasitas da economia”, “homens sem pátria e sem patriotismo”, conspiradores, etc. (Carone, I., 2003).


[10] Um antigo filme, [1936], em preto e branco, “Pimpinela escarlate” retrata bem essa situação: um delegado fundamentalista da moral e da lei comete mais injustiças do que os criminosos da cidade.


[11] J. K. Wood (1985), ao estudar “o efeito de grupo” relata que “Nos estados de transe o ‘impossível torna-se possível’ e as pessoas são capazes de traírem-se a si próprias ou aos seus colegas, capazes de violência de massa, ou de insights refinados e criatividade, de curar, de reformas políticas, e até mesmo de produzirem uma fonte de profundo conhecimento que transcende a individualidade (…)”. No transe coletivo, o sujeito abdica de sua autonomia, seu ponto de vista crítico perde o valor ou é silenciado, abre mão de suas percepções e se submete voluntariamente ao sistema de crença do grupo, massa ou líder carismático que convence a todos que “sua” verdade é mais potente e “absoluta”.


[12] A esse respeito, observa Carone: “Os liderados [do regime nazi-fascista], por sua vez, receberam os estímulos porque tinham necessidade psicológica de encontrar bodes expiatórios para descarregar a ira e a frustração diante das misérias de suas vidas, não importando a verdade ou falsidade de se atribuir aos judeus a inteira responsabilidade pelo status quo social.”

Fonte: Blog da Revista Espaço Acadêmico

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