julho 12, 2015

"Christina Fornaciari e o corpo remexido" (CAPUT)

PICICA: "Christina Fornaciari propõe reflexões acerca do corpo como lugar de expressão e experiência estético-política. O corpo é esse elemento mediador de vivências, e o artista, na oficina que ela propõe no Caput, não é um "criador de objetos", nem o adolescente-aluno um passivo fruidor da arte. O oficineiro é um propositor de ações, um ativador de experiências, cuja estética sensorial se enlaça na ação do outro. Uma estética relacional como conceitua Nicolas Bourriaud, que produz modos de sociabilidade entre os adolescentes.Imprevisível e inconstante como seu público. Tudo converge para um único lugar: o corpo. O corpo como espaço de potência. Um corpo em processo, produzido no fazer. "É na falta de solução, que o corpo se resolve", explica Christina acerca de uma dimensão da existência que se dá na experimentação."

Christina Fornaciari e o corpo remexido


Christina Fornaciari propõe reflexões acerca do corpo como lugar de expressão e experiência estético-política. O corpo é esse elemento mediador de vivências, e o artista, na oficina que ela propõe no Caput, não é um "criador de objetos", nem o adolescente-aluno um passivo fruidor da arte. O oficineiro é um propositor de ações, um ativador de experiências, cuja estética sensorial se enlaça na ação do outro. Uma estética relacional como conceitua Nicolas Bourriaud, que produz modos de sociabilidade entre os adolescentes.Imprevisível e inconstante como seu público. Tudo converge para um único lugar: o corpo. O corpo como espaço de potência. Um corpo em processo, produzido no fazer. "É na falta de solução, que o corpo se resolve", explica Christina acerca de uma dimensão da existência que se dá na experimentação.


Invenção: o divertido "andar de John Lennon" permite circular pela cidade hostil. Um jovem assustado com o Olhar do Outro, com o julgamento, a crítica, o enigma do que o Outro quer de nós. Um novo uso do corpo cria uma nova narrativa, e um modo de ocupação da cidade mais confiante. Fazer um andar/fazer-se John Lennon recria a relação com o Olhar do Mundo e com a autoimagem.



Atividade "Se eu fosse Francis Bacon", a partir de desenhos desse pintor feitos na década de 1980, que foram presenteados ao seu então namorado, o jornalista italiano Cristiano Lovatelli-Ravarino, e só mostrados ao público em 2000. Na oficina, além de conhecer a obra, falou-se da vida de Bacon, e da sua inspiração em tabus e dores humanas. O esforço, sem verbalização, foi o de usar a técnica com que Bacon criava seus desenhos (um fundo com cores lisas, feito com colagem, sobre o qual se insere o desenho a lápis) e o de buscar trazer para o trabalho os próprios conflitos dos meninos, o que seria tabu para eles.




Performance "O corpo e a casa", inspirada no trabalho do Nino Cais. Sem resgatar a memória de uma casa específica, os adolescentes trabalharam com a ideia da casa como um fruto da imaginação, se relacionando, física e afetivamente, com alguns objetos domésticos: flores, eltrodomésticos, cheleira, bule, vassourinha, avental, espanador, pano de prato... Autorretrato. Esculturas. O rosto escondido, o corpo como parte de uma montagem. Camuflagem (o rosto em meio a massas, cores, volumes e texturas). Jogo doméstico com os objetos do dia a dia. os objetos convidam o corpo a estar ali. O corpo existe como um imã, que capta as coisas do entorno. Corpo-coisa. Corpo-pedestal. Corpo-base. 









"Invisibilidade social": releitura de Paulo Nazareth. A atividade da oficina foi orientada por uma pesquisa da obra desse artista, escolhendo especificamente uma forma de expressão que "apaga" o rosto. Isso se deveu ao fato de um dos meninos ter chegado com a cabeça e as sobrancelhas totalmente raspadas, dizendo que era para mostrar que estava "bolado", "revoltado". Rosto raspado = revolta. A arte apresenta outros modos de representar a revolta. 


"Intervenções na natureza", inspirada pela obra de João Castilho. Alfinete, grampo, papel, fita. O jardim do Caput ganha esculturas inusitadas, efêmeras, objetos rasgados e costurados, rompidos e colados, deslocados e restaurados. Linhas e pontos. Conflito e diálogo. Furos, frestas, recombinações. Natureza e artefatos.









"Esculturas de 1 minuto", inspiradas em Erwin Wurm. Equilíbrio instável. A força do corpo sobre as leis da gravidade, gerando novas relações com os objetos e questionando a própria definição de escultura. A insustentabilidade (tema que os adolescentes do Caput conhecem bem, da própria vida)






"Carinho no saquinho". Intervenção na cidade. Quem é visto como aquele que tira agora dá (carinho). Tudo foi criação dos meninos, motivados pela Christina, a partir de uma ideia do Luís Couto, psiquiatra do Caput, que sugeriu que experimentassem intervir na rua, para ver a reação das pessoas à aproximação deles (os meninos trazem sempre essa questão de como são vistos na cidade: como incômodo ou como ameaça). Os adolescentes falam sobre ser jovem, negro e pobre na nossa cidade: "as pessoas, só de ver a gente na rua, já saem pro lado, como se a gente fosse assaltar elas...se eu fosse playboy branquinho, não tinha nada disso"... A ideia da intervenção era provocar surpresa com um gesto gentil e palavras positivas, que resultou nesses saquinhos. O nome da atividade é pura irreverência adolescente. 







O jenipapo é fruto do jenipapeiro (Genipa americana), tendo sofrido uma transmutação do G, do nome científico, em J da linguagem vulgar. Para aumentar a confusão vem "O Pato", de Vinicius, com jota, e o "Genipapo Absoluto", do Caetano, com gê. Pelas regras da ortografia, usa-se o jota nas palavras de origem indígena, africana ou árabe, o que explica a transformação da nossa genipa em jenipapo, configurando-se portanto esta grafia com G em autêntica e perigosa subversão de valores.
Christina Fornaciari fez uma "oficina de jenipapo". Levou tinta da fruta, explicou o processo de feitura dessa tinta e contou que ela é usada pelos índios como tatuagem natural, aplicada em rituais de guerra, fertilidade, etc... e que a pintura sai da pele em mais ou menos 2 semanas. A própria Christina estava com desenhos feitos em seu corpo pela Maria, uma índia da etnia Pataxó.
Alguns adolescentes do Caput quiseram se tatuar, outros desenvolveram uma técnica muito interessante de desenho com barbante embebido na tinta de jenipapo e depois transferido para o papel. O resultado? Elegante, delicado e doce, como tudo o que vem do jenipapeiro ( e da Christina)...

"Como será pois se ardiam fogueiras 
Com olhos de areia quem viu
Praias, paixões fevereiras
Não dizem o que junhos de fumaça e frio
Onde e quando é genipapo absoluto
Meu pai, seu tanino, seu mel
Prensa, esperança, sofrer prazeria
Promessa, poesia, Mabel" (Caetano Veloso)






"Lá vem o Pato
Pata aqui, pata acolá
Lá vem o Pato
Para ver o que é que há
(...)
Comeu um pedaço
De jenipapo
Ficou engasgado
Com dor no papo
Caiu no poço
Quebrou a tigela
Tantas fez o moço
Que foi pra panela" (Vinicius de Morais)

Fonte: CAPUT

Nenhum comentário: