PICICA: "Se uma frase inaugural sobre a
origem faz alusão ao enigma entre os sexos e indaga “de onde vêm os
bebês?”, podemos extrair da situação vivenciada há cerca de um ano em
Belo Horizonte, com mães usuárias de drogas, a seguinte questão: “para
onde vão os bebês?”. Ou, ainda, “de quem é esse bebê?”.
A postagem de hoje do Portal “Minas com
Lacan” aborda uma polêmica atual com relação ao destino de bebês e mães
usuárias de drogas. As consequências possíveis de uma recomendação, em
que a 23ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude Cível de Belo
Horizonte solicita que profissionais de maternidades públicas e Centros
de Saúde notifiquem à Vara da Infância todos os casos de gestantes ou
puérperas usuárias de drogas, ou, nos termos esboçados pela Justiça, “as
situações de mães usuárias de substâncias entorpecentes e os casos de gestantes que se recusam fazer o pré-natal”. O
que quer a mãe, hoje? Ao que parece, para os agentes da lei, grávidas
nessas situações não querem o bem do bebê! Entendem, assim, que “medidas
protetivas” devem ser aplicadas, de forma automatizada, instituindo a
retirada dos recém-nascidos das suas mães e abrigando-os, conduzindo,
consequentemente, também à prática da adoção involuntária. Curiosamente,
tal situação vem sendo nomeada informalmente pelos profissionais do
campo da Saúde, da Justiça e da Assistência Social, à boca pequena, nas
falas correntes, de “as mães do crack”."
De quem é esse bebê?
Se uma frase inaugural sobre a
origem faz alusão ao enigma entre os sexos e indaga “de onde vêm os
bebês?”, podemos extrair da situação vivenciada há cerca de um ano em
Belo Horizonte, com mães usuárias de drogas, a seguinte questão: “para
onde vão os bebês?”. Ou, ainda, “de quem é esse bebê?”.
A postagem de hoje do Portal “Minas com
Lacan” aborda uma polêmica atual com relação ao destino de bebês e mães
usuárias de drogas. As consequências possíveis de uma recomendação, em
que a 23ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude Cível de Belo
Horizonte solicita que profissionais de maternidades públicas e Centros
de Saúde notifiquem à Vara da Infância todos os casos de gestantes ou
puérperas usuárias de drogas, ou, nos termos esboçados pela Justiça, “as
situações de mães usuárias de substâncias entorpecentes e os casos de gestantes que se recusam fazer o pré-natal”. O
que quer a mãe, hoje? Ao que parece, para os agentes da lei, grávidas
nessas situações não querem o bem do bebê! Entendem, assim, que “medidas
protetivas” devem ser aplicadas, de forma automatizada, instituindo a
retirada dos recém-nascidos das suas mães e abrigando-os, conduzindo,
consequentemente, também à prática da adoção involuntária. Curiosamente,
tal situação vem sendo nomeada informalmente pelos profissionais do
campo da Saúde, da Justiça e da Assistência Social, à boca pequena, nas
falas correntes, de “as mães do crack”.
Márcia Parizzi, Coordenadora da Atenção à
Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal de Saúde de
Belo Horizonte/MG, é médica pediatra, doutora em medicina na área de
saúde da criança e do adolescente, e escreveu para o portal “Minas com
Lacan” sobre a situação dramática vivenciada também por unidades e
profissionais de saúde em consequência dessa recomendação.
Renata Dinardi, psicanalista que pratica
a psicanálise em uma Unidade de Saúde da Secretaria de Saúde da
Prefeitura de Belo Horizonte, apresentou, em nossa última Jornada de
Cartéis da Seção Minas Gerais, o relato de um fragmento clínico que
envolvia tal situação. Fizemos a ela um convite e fomos respondidos com
uma nota esclarecedora.
Antônio Teixeira, psicanalista membro da
AMP e da EBP, escreveu um breve comentário a partir da leitura do texto
de Renata Dinardi, que publicamos a seguir, invertendo propositalmente a
ordem natural dos blogs: faremos com que o comentário de Antônio
inaugure a leitura, vindo antes dos textos comentados, e seja um convite
para que cada leitor ofereça seus sinais – críticas, pensamento,
lembranças, exemplos.
Os dois textos refletem e elucidam uma
situação tão afeita à pergunta lançada como tema das nossas próximas
Jornadas: “O que quer a mãe, hoje?”. É preciso manter a pergunta, que
pode ser lida também como indicador ético de que as respostas subjetivas
se constroem uma a uma, na radical singularidade que se pode extrair
dos sintomas.
O que quer um blog? Que seus textos,
publicações e afins toquem o leitor a ponto de cada um lançar algo de
seu. O que quer um blog? Comentários. Trocas.
Boa leitura!
Cristiane Barreto – Psicanalista membro da AMP/EBP.
Um comentário, por Antônio Teixeira:
Toda bondade, desprovida de maldade,
termina invariavelmente em desastrosa bobagem. A bobagem do cândido bem
intencionado consiste em desconhecer o egoísmo inerente a todo
altruísmo: querer o bem do outro é querer o seu bem à imagem e
semelhança do que é bom para mim. A exigência de transparência que
acompanha todo o conjunto de boas intenções do qual está sempre forrado,
diga-se de passagem, o inferno dos ideais de assistência social,
apoia-se nessa mesma noção de equivalência imaginária do semelhante. Ela
consiste em estabelecer, como padrão, a idéia de bem estar que uma
determinada classe determina para si, e aplicá-la aos que dessa classe
se encontram excluídos, fazendo do outro algo igual a mim. Se o ideal
mercadológico de nosso tempo define como ditosa a classe dos
consumidores que dele compartilham, por que não fazer funcionar o
próprio programa de bem estar segundo os critérios que permitem tratar
essa promessa nos moldes da forma-mercadoria? Julgamos por isso louvável
o gesto de Renata Dinardi, que detecta nos programas assistenciais de
adoção algo que visa converter a criança a ser adotada no objeto a ser
consumido. Movido por critérios protocolares que, para funcionar a
contento, necessitam desconhecer a situação singular de cada caso, tais
programas terminam por impor ao sujeito a forma de equivalência da qual
depende a constituição do objeto mercadoria.
Horizontes da maternidade?
Márcia Parizzi[1]
Belo Horizonte tem sido apontada no ranking nacional, como uma das capitais que mais abrigam crianças.
São inúmeras mulheres perdendo a vida
devagarinho, dilaceradas pela dor de terem seus bebês recém-nascidos
arrancados de seus braços para serem abrigados. Isso vem acontecendo,
sobretudo no último ano, depois da Recomendação da 23ª Promotoria de
Justiça da Infância e Juventude Cível de Belo Horizonte, por meio da
qual solicitam aos profissionais de saúde (técnicos) das Maternidades
públicas e Centros de Saúde, que notifiquem para a Vara da infância
todos os casos de gestantes ou puérperas usuárias de entorpecentes, para
que sejam aplicadas medidas protetivas pertinentes. Essas
recomendações trouxeram um rastro de efeitos desastrosos, como o aumento
impressionante do número de abrigamentos de bebês e o grande sentimento
de desamparo das mulheres e de suas famílias, em pânico, com a
possibilidade da perda dos bebês, em serviços de saúde onde deveriam
estar recebendo assistência e cuidado.
Temos visto, de forma recorrente, cenas
de bebês saindo dentro de sacolas ou pela escada de incêndio das
maternidades, assim como mulheres ganhando seus bebês em casa, sem
assistência adequada, com ambos correndo riscos de vida, ou se
deslocando para ganharem seus bebês em outras cidades. E se trata de um
pânico legítimo, pois as recomendações transformaram em regra, uma
conduta que deveria ser excepcional, isto é, vem ocorrendo o afastamento
de mães de seus bebês, sem que tenham sido esgotadas todas as
possibilidades de apoio à mulher, ao seu bebê, à sua família, de forma a
garantir a preservação do direito à convivência familiar e
comunitária! Isso sem contar todo prejuízo que sofrem os bebês, com
consequências graves no seu desenvolvimento psicoafetivo, decorrentes da
separação abrupta da mãe e da interrupção do aleitamento materno, a
forma mais importante de nutrição nesta fase da vida.
Os riscos de decisões equivocadas da
Vara da Infância, em função das mencionadas Recomendações, são
altíssimos pois, para aplicar as medidas protetivas pertinentes, o Juiz
tem como base as informações contidas em relatórios construídos por
técnicos dos serviços de saúde e dos abrigos, que são encaminhados para a
Vara da Infância. Esses relatórios, que deveriam conter informações
sobre a gestante e sobre a família extensa, e deveriam refletir o
posicionamento de uma instituição e de toda rede de atenção, quando
construídos por apenas um técnico, a partir das suas concepções e
valores pessoais, muito provavelmente não refletirá a situação real da
criança e do bebê. Corre-se um grande e grave risco deste técnico estar
definindo sozinho o destino de uma mãe, de um bebê e de uma família.
Recentemente, por exemplo, uma mãe
adolescente de 17 anos quase teve seu bebê abrigado, porque,
precipitadamente, foi emitido um relatório à Vara da Infância com
registro de que a adolescente era usuária de drogas (embora tivesse
garantido não ter usado na gravidez!) e que tinha história de “passagem
pela polícia” (no entanto, a adolescente cumpriu, integralmente, medida
socioeducativa de Liberdade Assistida!). O afastamento felizmente não
ocorreu, porque a Maternidade, ainda em tempo, pôde enviar novo
relatório, com o posicionamento correto da instituição e da rede de
atenção, inclusive com a participação do técnico da medida
socioeducativa.
No entanto, muitos casos semelhantes não puderam ser revertidos.
As recomendações vêm interferir no
direito tanto da mulher quanto do profissional de saúde, direito este
garantido no código de ética da profissão, que é a oferta de sigilo e
confidencialidade, com grave prejuízo na assistência. A experiência na
clinica mostra que as gestantes com uso prejudicial de drogas apresentam
em suas histórias de vida um percurso, desde a infância, de violação de
direitos, de não pertencimento, de lacunas dos laços afetivos, de
violência naturalizada em suas vidas. A dor que as acomete, nenhuma
droga consegue aplacar, não se esgota. Assim, os profissionais de saúde
têm como estratégia primordial para a assistência e oferta de
tratamento, a construção do vinculo, a possibilidade de escuta, de dar
fala a estas mulheres e construir uma relação de confiança, que só é
possível quando se preserva o respeito ao sigilo e confidencialidade. E,
em sentido contrário e de forma absolutamente danosa, as recomendações
propõem a delação, que resulta na quebra do vínculo, no afastamento das
gestantes e de seus familiares dos serviços de saúde, no abortamento das
possibilidades terapêuticas e da efetividade dos cuidados em saúde.
Reforçam a exclusão da cidadania, a violência (de novo!), tiram espaço
da fala e oprimem!
É preciso dar um basta, pois as
recomendações culminam por violar os direitos das mulheres, dos bebês,
das famílias e dos profissionais de saúde. E disso tudo uma grave
certeza: a linha que separa a proteção da violação é muito tênue!
Favor não jogar seu filho no lixo[2]!
Renata Dinardi[3]
O Ministério Público do Estado de Minas
Gerais por intermédio dos Promotores de Justiça da Infância e Juventude
Cível da Comarca de Belo Horizonte, endereçaram, no segundo semestre de
2014, às Maternidades públicas e às Unidades Básicas de Saúde da cidade
as recomendações 05 e 06/2014. Segundo essas
recomendações cabem aos médicos, profissionais de saúde, diretores,
gerentes e responsáveis por maternidades e estabelecimentos de saúde,
que encaminhem ou comuniquem a essa Vara as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar os seus filhos para adoção; que informe àquele juízo as situações de abandono de recém-nascido nos estabelecimentos de saúde, os casos de negligência e maus–tratos ao nascituro ou ao recém-nascido; as situações de mães usuárias de substancias entorpecentes e os casos de gestantes que recusam fazer o pré-natal.
Uma recomendação como o próprio termo
indica não é uma ordem, uma requisição ou uma imposição de conduta. Tem a
natureza jurídica de alerta, advertência, pedido de providência,
indicação de um problema identificado, com sugestão dos meios para a respectiva correção. A Recomendação é instrumento jurídico extra-processual, e não tem valor de lei.
O Princípio de melhor interesse da criança
A Constituição Federal promulgada em
1988 consagrou a Doutrina da Proteção Intergral, ao definir o artigo
227, no qual toma as crianças e adolescentes como prioridade absoluta
nas condutas e eleva a convivência familiar como direito fundamental da
infância.
Art. 227 É dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e
ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Segundo Célio Garcia[4] o sintagma – melhor interesse da criança comporta uma variação em suas definições. Interesse esta ao lado do dever ser e não do ser.
A imprecisão deste sintagma – melhor interesse da Criança – pressupõe
que os operadores do direito tenham que analisar cada caso, um a um.
Entretanto o momento atual é marcado por
um retrocesso. Assistimos o retorno avassalador do pensamento
higienista, contido nos imperativos de curar, diagnosticar, avaliar,
vigiar, punir, salvar, proteger. A civilização
contemporânea, regida pela lógica capitalista traz consigo certo
reducionismo que exclui a singularidade com suas respostas
homogeneizantes diante do mal estar, diante daquilo que escapa e resiste
à avaliação, à regulação. E impõe a política o tom da eficiência
Uma recomendação com efeito de lei.
Como resposta a essas recomendações,
houve aumento aterrador do número de recém-nascidos encaminhados aos
abrigos, da capital de Belo Horizonte, no último ano. A separação entre
mães e filhos se fez presente no cotidiano de nossas maternidades
públicas, de forma compulsória e arbitrária.
Sem intervalo e com a prevalência do
ideal vimos o discurso da burocracia apressar-se em responder e muitas
vezes sem lançar mão dos dispositivos e fluxos existentes na rede de
saúde e de assistência, tornando a situação uma urgência e a urgência em
um ato de violência. Lançando os sujeitos ao pior
O imperativo de salvar os bebês
coloca-se a serviço de protocolos de conduta a fim de garantir um ideal
de proteção. Contudo o que vemos é a própria criança, exposta como
objeto a ser consumido.[5]
Nesse cenário, o controverso se
apresenta: vimos bebês em situação de internação social nas
maternidades, expostos a infecções hospitalares, adolescentes-mães e
filhos abrigados em locais diferentes, o não reconhecimento da família
extensa como possibilidade de cuidado e impedimento para o acolhimento
institucional, e pasmem: adoção em 15 dias!
Uma vez aplicada a medida de acolhimento
institucional faz-se necessário para o jurídico que a criança ali
permaneça pelo menos no tempo mínimo de 6 meses, mesmo que a medida
tenha sido aplicada de maneira refutável. Colocando a criança e o
adolescente a mercê do saber protocolar, das construções intersubjetivas
que comportam questões complexas que envolvem aspectos relativos à
moral, à ética, à ideologia, e à cultura.
Diante deste contexto não há como não
vincular as recomendações 05 e06/2014 com a campanha lançada pela
Comissão de Estadual Judiciária de Adoção (CEJA) do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro. Favor não jogar seu filho no lixo. Dar em adoção
é sublime ato de amor! Dar um filho à adoção é o maior gesto de amor
que existe. Sabendo que não poderá criá-lo, renunciar ao filho, para
assegura-lhe uma vida melhor que a sua é atitude que só o amor
justifica.
O apelo à destituição do pátrio poder, coloca-se como uma condição do discurso capitalista que faz da criança uma mercadoria. Amparados pelo melhor interesse da criança atribuem a adoção a única garantia do bem estar e de acesso a uma família ideal!
[1] Márcia Parizzi é médica pediatra,
doutora em Medicina, área de saúde da criança e do adolescente,
Coordenadora da Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente da
Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte/MG.
[2] “Favor não jogar seu filho no lixo.
Dar em adoção é sublime ato de amor” Foi o Slogan utilizado pela
campanha de adoção lançada pela CEJA- Comissão Estadual Judiciária de
Adoção, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
[3] Renata Dinardi é psicanalista e
trabalha em uma Unidade Básica de Saúde da Secretaria de Saúde da
Prefeitura de Belo Horizonte.
[4] GARCIA.C. Psicologia Jurídica- Operadores do Simbólico. Belo Horizonte:Editora Del Rey, 2004.
[5] BRISSET. F.O. Crianças Falam! e têm o que dizer. In: Crianças Falam! e têm o que dizer –Experiências do Cien no Brasil. Fernanda Otoni Brisset, Ana Lydia Santiago, Judith Miller,Organização. – Belo Horizonte: Scriptum, 2013.
Fonte: Minas com Lacan
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