PICICA: "A
psicalinalista Maria Rita Kehl acredita que, com o lançamento do
relatório final da CNV, caberá a organizações e movimentos populares
darem continuidade à luta pelo resgate da memória e, principalmente,
pela justiça"
Luta pela memória está nas mãos da sociedade civil, afirma integrante da Comissão da Verdade
A
psicalinalista Maria Rita Kehl acredita que, com o lançamento do
relatório final da CNV, caberá a organizações e movimentos populares
darem continuidade à luta pelo resgate da memória e, principalmente,
pela justiça.
02/07/2015
Por Rafael Tatemoto,
De São Paulo
Criada
oficialmente em 2012, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) entregou seu
relatório final, contendo diversas recomendações, no final do ano
passado. Para Maria Rita Kehl, psicanalista e uma das integrantes do
grupo, para que os esforços em prol da Memória e Verdade se concretizem
no Brasil, a sociedade civil deve pressionar o pode público.
Kehl
participou de um debate promovido pela Associação dos Amigos da Escola
Nacional Florestan Fernandes (ENFF), no último sábado (27). Também
estava na mesa Maurice Pontili, ex-preso político e membro do Núcleo de
Preservação da Memória Política. O encontro foi mediado Aton Fon Filho,
advogado da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e também ex-preso
político.
Maria Rita Kehl | Foto: Rafael Stedile |
Cidadãos de segunda classe
Maria
Rita Kehl, em sua fala, lembrou de diversas vítimas “anônimas” da
Ditadura Militar brasileira, principalmente indígenas e camponeses. “A
quantidade de crimes sem apuração [nesse período] é gigantesca”, disse.
No
caso dos camponeses, Kehl afirmou que era “muito claro o conluio do
Estado com os grandes proprietários de terra”. Segundo ela, os crimes
sequer eram cometidos em propriedades ocupadas por posseiros, mas “nas
terras que os proprietários queriam invadir e tomar”.
Lembrando
parte de seu trabalho na Comissão, Maria Rita apontou o caso do
Reformatório Agrícola Krenak. A unidade se situava na cidade de
Resplendor (MG) e, segundo as apurações, funcionou como centro de
torturas de indígenas. ( http://www.brasildefato.com.br/node/10854).
Disputas
A
psicanalista foi crítica em relação às recomendações do relatório da
CNV, “não pelo que está lá, mas pelo que não está”. Kehl afirmou que,
internamente, a Comissão se dividiu entre aquelas que defendiam com
maior ênfase o conceito de justiça, com punição dos agentes de Estado
envolvidos em violações, e os que pendiam para a ideia de conciliação.
“No
final, a divisão política se traduziu em uma divisão de gênero. Ficamos
Rosa [Maria Cardoso da Cunha] e eu contra os cinco cavalheiros”,
afirmou em tom jocoso. Ela ainda lembrou de peculiaridades do caso
brasileiro. “Somo o único país latino-americano que anistiou seus
torturadores”.
Esse fenômeno teria reflexos no
presente: “nossa polícia mata mais na democracia do que na época da
Ditadura”. Além dos impactos no cotidiano, apontou desdobramentos
políticos: “a demora do Estado brasileiro em assumir essa questão
permitiu, por exemplo, que, durante os protestos recentes, pessoas
demonstrassem simpatia explícita pela Ditadura, além do retorno de
discursos reacionários de parlamentares”.
Futuro
“A
não continuidade dos trabalhos da Comissão, tem um aspecto positivo:
antes havia a ideia de 'alguém estava levando o assunto adiante'. Agora,
a bola está na mão da sociedade”, disse Kehl.
Maurice
Pontili concordou com as análises de Kehl e demonstrou otimismo em
relação ao avanço do resgate da memória. Ele lembrou o caso argentino,
no qual “se passaram 22 anos sem ninguém tocar no assunto, e hoje vemos
oficiais sendo condenados”.
“A memória e a
verdade dependem da atuação do poder público, mas também da mobilização
da sociedade. As principais recomendações ainda não foram adotas, mas
algumas já foram implementadas”, opinou ele.
“Quando
vemos o número de pessoas que frequentam o Memorial da Resistência, por
exemplo, é animador. Não devemos perder a esperança nunca”, finalizou
Pontili.
Fonte: Brasil de Fato
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