PICICA: "Para Camus, filosofar é encontrar um sentido para a vida, é responder à pergunta: “Afinal, a vida vale a pena ser vivida? É digno viver?“.
A filosofia é uma busca pela sensibilidade perdida, é um caminho
traçado do nada ao sensível, da morte à vida. Seus atalhos são pelos
sentidos: abrir caminhos, renovar o campo do possível. Se Camus não
filosofa, apenas fala do que viveu, é porque ele, mais do que muitos
outros pensadores, conquistou uma existência verdadeiramente filosófica."
Não sou filósofo, só sei falar do que vivi” – Albert Camus
À pergunta ‘O que é um filósofo?’, muitas
pessoas logo responderiam: é um homem isolado em seu quarto abafado,
lendo e escrevendo, tendo pensamentos abstratos, descolados do
cotidiano. Lá fora o sol brilha, lá dentro, separado por uma pesada
cortina, o filósofo pensa. Albert Camus é em prosa, poesia e filosofia o
contrário desse paradigma. Filosofou como ninguém. Através de suas
cartas, peças de teatro, artigos para jornais, romances podemos vemos
uma filosofia que não se retrai, que se expande, que vai em direção à
luz. É como filósofo que viveu e como vivente que filosofou.
Não se separar do mundo. Não se desperdiça a vida quando ela é conduzida sob a luz” – Albert Camus, Cadernos 1935-1937
Para Camus, filosofar é encontrar um sentido para a vida, é responder à pergunta: “Afinal, a vida vale a pena ser vivida? É digno viver?“.
A filosofia é uma busca pela sensibilidade perdida, é um caminho
traçado do nada ao sensível, da morte à vida. Seus atalhos são pelos
sentidos: abrir caminhos, renovar o campo do possível. Se Camus não
filosofa, apenas fala do que viveu, é porque ele, mais do que muitos
outros pensadores, conquistou uma existência verdadeiramente filosófica.
O
filósofo não justificará a realidade, este é o trabalho que cada um
deve fazer para si, mas cabe ao pensador ampliar o campo do real,
mostrar que a vida pode ser mais e que, a partir daí, cada um pode
encontrar seu caminho. Devolver ao homem a capacidade de amar, para que
cada um encontre sua própria verdade no mundo, para que cada ser humano
volte a ser capaz de criar. Camus apenas grita em nossos ouvidos que é
possível a felicidade terrena. Sim, apesar da dor, da morte, do
sofrimento, um dia de sol continua sendo um dia de sol e o mar continua
lá. A amizade continua levantando homens caídos e o amor continua
reconciliando.
Daí vem seu radical posicionamento contra
a pena de morte: Camus coloca-se contra a morte e qualquer forma de
opressão, coloca-se contra a tortura e tudo que faz a vida ser menos
vida porque quando matamos um criminoso, matamos também um homem, um ser
vivo, um ser humano, tudo se vai com o ato de matar. Jamais cometer um
só para abreviar a vida. Muito pelo contrário, é necessário lutar para
estar à altura da vida. Mesmo vivendo em um mundo de guerras e
sofrimentos, é preciso, em algum momento, começar a viver.
Por isso, para Camus, a filosofia deve
ser uma luta constante contra o fanatismo. Toda busca pela unificação,
pelo fechado, hermético, racional, é, no fim das contas, terrorismo.
Impor verdades ao homem, dar a ele uma verdade que não lhe pertence,
isto é fanatismo. O filósofo amplia o campo das possibilidades, estende o
campo do real, para evitar as tolices de fazer do todo um. O desejo de
unificação vem do terror ao se presenciar o absurdo.
Numa esquina qualquer, o sentimento do absurdo pode bater no rosto de um homem qualquer. Tal como é, em sua nudez desoladora, em sua luz sem brilho” – Albert Camus, O Mito de Sísifo
O
Absurdo é apenas o ponto de partida, ele é tudo aquilo que ultrapassa
nossa lógica, que nos supera e oprime com sua grandeza. Tudo que fica
além de nós, o paradoxo, o indefinido, a contradição, é o Absurdo.
Estamos sempre aquém. Somos olhos que confrontam o silêncio gritante da
realidade. Vivemos este divórcio entre o homem e o mundo, a incapacidade
de se adaptar totalmente, de se integrar, uma recusa a ser engolido.
Encaramos de frente o espanto de ser, de estar jogado, perdido na
existência.
O Absurdo não leva à morte, não é
argumento de suicídio. Matar-se é confessar, é dizer “não dou conta”.
Muito pelo contrário, se há motivos para viver é porque a própria vida
dá sentido a si mesma, ela não precisa de argumentos. A vida merece ser
vivida, e isto por ela mesma, se alguém vier justificar a vida por
qualquer outro motivo, a existência será traída. Por isso é tão
importante não fugir do Absurdo que é estar vivo. Em face disso, tudo
que um homem quer é viver sem apelação. Não queremos ceder à ânsia de
sermos abraçados por Deus. O homem absurdo se sabe condenado àquilo que
deve terminar.
O homem absurdo não pode fazer outra coisa senão esgotar tudo e se esgotar” – Albert Camus, O Mito de Sísifo
Da sensibilidade do Absurdo, não podemos
renunciar nem nos perder. É dela que nasce a revolta. Da sensibilidade à
ação; do absurdo à revolta. Estes dois momentos estão diretamente
relacionados, somente a Revolta permite ultrapassar o Absurdo, não para
defini-lo, mas para não perder-se nele. Não é possível filosofar apenas
no sem sentido, qualquer pensamento que se perca no Absurdo afunda em um
jogo niilista de aforismos vazios. Toda filosofia precisa levar em
algum momento à revolta, à ação.
Essa revolta é apenas a certeza de um destino esmagador, sem a resignação que deveria acompanhá-la” – Albert Camus, O Mito de Sísifo
Revolta como bússola. O mundo vive, todos
vivem, como se não dessem conta disso, mas a revolta é esse grito:
“vivemos sem perceber! É hora de viver! Já perdemos tempo demais!”. Amor
pelo presente. Recusa da morte. Construir um presente para o homem é
colocar-se ao lado dele no processo. Nos revoltamos quando um sentido
foi encontrado. Quando sentimos que temos algum tipo de valor, quando
nos recusamos a ceder mais um passo. Se a morte é um grande mal, é ela,
ao mesmo tempo, que dá a possibilidade de grandeza do homem. Na morte,
existe a possibilidade de revolta. Não uma revolta em busca da recusa,
da negação.
Mas Camus não está falando de uma
revolução (talvez de um devir-revolucionário). Camus não propõe uma
Ditadura do Proletariado, nem coloca a conta da liberdade na história ou
na dialética. Camus não era marxista (veja aqui).
Eu me revolto significa, eu vivo!, mesmo com a morte, e apesar dela. É
possível se orgulhar desta situação. A revolta nega tudo que nega o
homem, nesta dupla negação há uma afirmação ao quadrado!
O revoltado amplia o campo do possível.
Manter-se, sustentar sua revolta, apesar dos pesares, mesmo com tantas
desculpas de virar a cara e esconder-se. O Homem Revoltado
sai de sua solidão, sai do solipsismo, para encontrar o mundo. Passa a
conjugar-se no plural: “Eu me revolto”, se torna, “nós nos revoltamos”.
Sentir o máximo possível sua vida, sua revolta, sua liberdade, é viver o máximo possível” – Albert Camus, O Mito de Sísifo
Camus aprendeu a filosofar com o
espetáculo do absurdo e com a revolta. Uma reta é traçado entre os dois.
Mas sua filosofia deu-se também nos romances que escreveu. Não ficar
preso na filosofia, não ficar preso em problemas puramente intelectuais.
É possível ser filósofo na literatura e romancistas também carregam
consigo uma filosofia. A filosofia para Camus não é uma questão de vida
eterna, e sim de eterna vivacidade. Escrever era sua maneira de mostrar
que a vida é possível, que o absurdo é real e a revolta é necessária. O
filósofo sabe ficar nu diante de si e da realidade porque não vive
contra o mundo. Filosofar é sentir-se digno de viver, E Camus fez isso.
Um pouco de pensamento afasta da vida, mas muito pensamento, retorna a ela” – Albert Camus, O Mito de Sísifo
Fonte: RAZÃO INADEQUADA
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