PICICA: "“É por desejo que se quer e se faz revolução, não por dever” – D&G, Anti-Édipo, p. 457"
“É por desejo que se quer e se faz revolução, não por dever” – D&G, Anti-Édipo, p. 457
A primeira tarefa
a qual a esquizoanálise se propõe é a destruição do “eu normal”,
desmontar as máquinas familistas e desfazer-se das representações.
Depois de limpar o terreno, tarefa necessária e imprescindível, a
esquizoanálise começa suas tarefas positivas, a primeira é a mecânica, consiste em encontrar suas máquinas desejantes, a segunda se faz com quatro teses:
1o. Todo desejo é investimento molar e social
As máquinas desejantes não existem fora
das máquinas molares e as máquinas sociais são povoadas pelas máquinas
desejantes. Uma está dentro da outra, uma constitui a outra. Por todo
lado os fluxos se cortam, estrangeiros, invasores. O molar estremece
frente as vibrações das molaridades que a constituem. Claro, não poderia
ser diferente, as máquinas molares são feitas de máquinas moleculares, e
as pequenas máquinas moleculares são feitas por sua vez, de outras
máquinas ainda menores. O esmagamento na produção desejantes acontece
quando o desejo molecular investe nas grandes representações molares,
instituições: Estado, Homem, Deus. O socius codificas as relações e impede que as linhas de fuga aconteçam, impede que os fluxos escapem. É aqui onde a grande fábrica de neuróticos nasce.
A coragem está em aceitar fugir em vez de viver quieta e hipocritamente em falsos refúgios” – D&G, Anti-Édipo, p. 453
Tarefa: Subordinar o
molar ao molecular, subordinar os grandes fluxos aos pequenos fluxos.
Fugir é fazer fugir esta realidade, é remanejar os caminhos que o desejo
percorre. O que é revolucionário é produzir realidades, em vez de
esperar religiosamente uma mudança que vem de cima. Servir-se do molar
para fazer passar fluxos do desejo (como um Cavalo de Troia). A fuga não
é manter-se à margem do social, na verdade, ela faz fugir o próprio
social, a máquina molecular faz o molar entrar em devir, deslizar, o
social escorre pelas multiplicidade de buracos e fissuras abertas pelos
investimentos desejantes. Fugir não é escapar, a fuga é um investimento
social! Onde aparentemente há uma oposição existe uma coexistência, mas
quem subordina quem? É aqui onde se decide entre o sedentarismo e o
nomadismo.
2a. Distinguir grupo sujeito do grupo sujeitado
O grupo sujeitado coloca suas máquinas
desejantes ao dispor de grandes fluxos molares. Está subordinado, preso,
capturado. É o indivíduo que luta por sua liberdade aumentando sua
servidão. A pergunta é: por que alguns deveriam revoltar-se mas não o
fazem? O desejo é levado a desejar sua própria repressão (veja aqui). As forças de criação são capturadas por uma máquina de repetição do mesmo: status quo,
mesmice, cotidiano, conservação. Já o grupo sujeito é aquele que
subverte esta relação e cria para além das estruturas constituídas. Quem
decide como será a educação: os alunos ou os professores? Quem decide
como será a produção nas fábricas: os operários ou o engravatado?
Tarefa: criar grupos
sujeitos, fazer o desejo penetrar o campo social, encontrar agentes de
ação que falam em nome próprio; estudar as linhas do desejo que escapam e
abrem possibilidades, ocupar e resistir sem pedir licença, investir nas alianças produtivas.
E aqui é preciso tomar cuidado: O grupo
sujeitado pode ter um investimento pré-consciente revolucionário, mas
inconscientemente reacionário (a esquerda faz muito isso). Ser a favor
de todas as lutas, mas no fundo apenas alimentar o fascismo e a
escravidão. Ao mesmo tempo, é possível ter um investimento
pré-consciente reacionário, mas com várias implicações revolucionárias
inconscientes. Aquele que sem querer, procurando escravizar, acaba
libertando. É possível ser anti-facista no nível molar, mas sendo
fascista no nível molecular: lutar pela revolução mundial escravizando e
oprimindo localmente.
3a. O desejo é social e não familiar
O investimento do desejo é social, amplo,
ele voa por vários campos. Claro, a família faz parte do mapa que a
criança cria. O pai, a mãe, o irmão, a casa também é investida pelas
figuras familiares: o escritório do pai, a cozinha onde a mãe faz o
jantar. Mas o investimento libidinal do campo social é primeiro em
relação aos investimentos familiares, sempre temos um tio chega de uma
viagem, a amiga da mãe que namora uma mulher, o vendedor que bate de
porta em porta, a televisão, o cachorro do vizinho, o parque ao lado. É
impossível liberar a sexualidade sem liberá-la também de seu território
edipiano.
Não é o romance familiar que é um derivado de Édipo; este é que é uma deriva do romance familiar e, por isso, do campo social” – D&G, Anti-Édipo, p. 471
Édipo é interiorizado e espalhado aos sete ventos (veja aqui).
A psicanálise não pode curar a neurose porque para ela curar significa
uma conversa infinita, um acesso ao desejo pela castração. Tarefa:
esquizofrenizar a psicanálise, o esquizo é aquele que escapa a toda
referência edipiana, ele vai para além das figuras parentais e mostra o
modo pelo qual o inconsciente funciona. Destruir o eu normal (tarefa
negativa), descobrir o que pode suas máquinas desejantes (tarefa
positiva) liberta das determinações do campo familiar. Toda psicanálise
familista precisa de uma dose de esquizoanálise que faça explodir suas
paredes burguesas.
4a. Paranoico-fascista X Esquizo-revolucionário
Existem dois polos do investimento
libidinal social: um facista e o outro revolucionário. Foucault já havia
dito, Anti-Édipo é um livro por uma Ética não fascista.
Lê-lo é antes de mais nada encontrar-se com o micro-fascista dentro de
cada um de nós, aquele que reprime os fluxos de desejo em si e nos
outros. Só se investe naquilo que reprime porque se acredita nos
objetivos últimos que são impostos de fora, exemplo: trabalhar para
ficar rico, mas quem realmente enriquece com seu trabalho? Estudar para
ser alguém, mas alguém quem? O Polo paranoico é reacionário! Ele tem
medo das mudanças; é fascista, autoritário e violento; sedentário, ama o
conforto do seu sofá e sua TV de tela plana; vive no porvir e aguarda o
julgamento final. Uma sociedade paranoica é aquela que assujeita a
produção das máquinas desejantes aos grandes conjuntos gregários,
conjuntos molares. As estrutura esmagam as singularidades, linhas de
integração e territorialização que estrangulam os fluxos, recortam
segundo limites interiores ao sistema, criação contínua de grupos
sujeitados.
Tarefa: tornar-se
nômade, encontrar os fluxos esquizos, incitar os
devires-revolucionários: subordinar o molar, fazê-lo passar pelos
desejos moleculares, subverter a potência, rachar o muro das
significações, encontrar fissuras, cavar, sair do buraco; criar
multiplicidades moleculares, subjetividades singulares, novos modos de
afetar e ser afetado; liberar linhas de fuga, permitir fluxos
descodificados (e não axiomatizados), operar cortes próprios no socius,
criar continuamente grupos sujeitos, incitar devires que experimentam em
vez de esperar pelo dia da revolução anotado no calendário dos
sedentários. A produção desejante reencontra sua liberdade quando
consegue submeter o conjunto molar: soberania invertida, anarquia
coroada.
Vimos como a tarefa negativa da esquizoanálise devia ser violenta, brutal: desfamiliarizar, desedipianizar, descastrar, desfalicizar, destruir teatro, sonho e fantasma, descodificar, desterritorializar — uma espantosa curetagem, uma atividade maldosa. Mas trata-se de fazer tudo ao mesmo tempo, pois é ao mesmo tempo que o processo se liberta, processo da produção desejante seguindo suas linhas de fuga moleculares que já definem a tarefa mecânica do esquizoanalista. E as linhas de fuga são ainda plenos investimentos molares ou sociais que atingem o campo social inteiro: de modo que a tarefa da esquizoanálise é, finalmente, descobrir em cada caso a natureza dos investimentos libidinais do campo social, seus conflitos possíveis interiores, suas relações com os investimentos pré-conscientes do mesmo campo, seus possíveis conflitos com estes, em suma, o jogo todo das máquinas desejantes e da repressão de desejo” – D&G, Anti-Édipo, p. 506
> Texto da Série: Esquizoanálise <
Fonte: RAZÃO INADEQUADA
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