* Aprendiz de Homero, de Nélida Piñon (Record, 2008, 368 págs.) ― Quatro anos após a publicação do romance Vozes do deserto, Nélida Piñon retornou às livrarias com uma notável obra de não-ficção; no caso, um conjunto de ensaios nos quais ela discorre, por meio de sua característica prosa poética, a um só tempo erudita, fluente e musical, sobre os cânones literários que a influenciaram como escritora e como ser humano, a começar pelo grande poeta épico grego que empresta o nome ao título do livro e é tema de um dos mais emocionantes textos entre os vinte e quatro que compõem a coletânea. Nele, Nélida ressalta a universalidade de Homero e a assídua presença dele no seu imaginário e cotidiano. Embora se coloque, desde o começo, como uma aprendiz , Nélida revela, mediante o itinerário do seu pensamento e das suas emoções, uma mestra; um referencial sólido e benfazejo para todos nós, numa época enferma onde o esvaziamento moral e intelectual, conjugado com o predomínio da vulgaridade e da ausência (ou inversão) de valores, parece dar as cartas. Os ensaios nos convocam, também a refletir de forma aprofundada, a partir dos livros, personagens e escritores que Nélida evoca, como a Bíblia; Cervantes e seus Dom Quixote, Sancho e Dulcinea; Machado de Assis; Carlos Fuentes; Gabriel García Márquez e os Buendía; Mario Vargas-Llosa; e, é claro, o próprio Homero. E, para completar, o livro ainda traz alguns dos discursos da escritora, como os proferidos em 2006, por ocasião da sua posse na Academia Brasileira de Filosofia, no Rio de Janeiro, e em 2005, durante a cerimônia de entrega do Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras, em Oviedo, na Espanha. Este, intitulado "As memórias do mundo", é aberto de forma comovente, quando Nélida afirma: "Procedo do Brasil e reverencio a majestade da língua portuguesa. Neste idioma saúdo Deus e os homens". Aprendiz de Homero é, acima de tudo, uma celebração da literatura, da imaginação, da emoção e da riqueza da vida interior que acaba repercutindo num cotidiano fértil, prodigioso e aberto para todos os matizes da realidade, sem, contudo, abrir mão da necessidade do sonho.
Fonte: Digestivo Cultural
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