Nota do blog: Estava a navegar na net quando encontrei essa preciosidade. Trata-se da resenha de um livro que me marcou intensamente: Zen e a Arte de Manutenção de Motocicletas. Recomendo a leitura para os(as) companheiros(as) da luta por uma sociedade sem manicômios, especialmente os da RENILA (Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial) que construíram um princípio ético fundamental que nos diferencia do reformista de araque: andar, sempre, em boa companhia.
Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas
Verão é época de sol, biquini e leituras leves, descontraídas, dionisíacas, especialmente sobre filosofia.
Há coisas simples e há coisas mal explicadas, e há coisas simplesmente complexas; por melhor que sejam explicadas, continuarão soando transcendentes. Resumir o livro Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas é uma tarefa que exige muito do explicador, exatamente porque trata-se de um livro complexo. Mas como o nome desse blog é na cara do gol, vou gastar aqui meus dois centavos para mostrar qual é a importância dele, até porque encontrei poucas entradas relativas a ele em português.
Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas é a investigação intelectual em que Robert Maynard Pirsig se empenha durante uma viagem de moto para a costa oeste dos EUA, tendo o filho de 12 anos como carona, tomando como ponto de partida a repulsa a que o casal seu companheiro tinha em mexer na parte mecânica da moto deles.
Pirsig crê que esse nojo do casal por tecnologia indique uma visão de mundo romântica por parte deles, visão que tende a se concentrar apenas no "aspecto externo" das coisas em detrimento da função delas. Pirsig identifica que essa incapacidade em conciliar beleza estética e capacidade funcional é, ao mesmo tempo, uma das características mais típicas dos tempos modernos e um sintoma da crise desse tempo, crise que se acentuou sobretudo a partir do renascimento, quando o racionalismo passou a ser o foco das atenções (digressão minha: apesar de correto ao cravar o renascimento como ponto de inflexão dessa crise, naquele período ela ainda não estava tão desenvolvida, motivo pelo qual é possível perceber beleza numa cúpula de igreja projetada por Brunelleschi tanto quanto correção anatômica numa escultura de Michelângelo).
Diante dessa dicotomia, Pirsig começa a procurar um meio de superá-la, reestabelecendo o estado mental no qual não só beleza e função caminham juntas; mais do que isso, em que é impossível diferenciá-las. Para tal, começa a investigar a fundo as causas que levaram a essa separação, para descobrir quando a humanidade incorreu nela e reparar o erro. O resultado é apenas o estabelecimento de uma Metafísica da Qualidade, baseado no seu anti-conceito de Qualidade, algo nem subjetivo nem objetivo, uma força criadora que lembra muito o Tao e que serve de bússola tanto para a visão "romântica" quanto para a "clássica", porque gerar valor é o que querem o artista e o mecânico com seus trabalhos.
Para Pirsig, o homem ocidental se afastou de tal maneira dessa Qualidade ao longo dos séculos que tornou-se difícil até mesmo identificá-la hoje, seja nas artes, seja no "mundo prático". A meditação zen seria exatamente uma maneira de limpar a mente, eliminando essa separação e direcionando-a para a Qualidade; a boa manutenção de motocicletas seria outra maneira, a maneira ocidental -- daí o título do livro.
Todas as divagações, elucubrações e idéias que lhe ocorrem ao longo da narrativa são intermeadas por histórias, causos e miudezas do cotidiano entre ele e seu filho Chris, ao longo da viagem. É, portanto, um road book contendo a descrição de uma viagem (a servir de metáfora para a viagem intelectual que corre em paralelo), uma investigação filosófica, uma pequena novela sobre o relacionamento entre um pai de meia idade e um filho adolescente e um manual genérico sobre manutenção de motocicletas, além de ainda arrumar espaço para fazer uma consistente críticas às instituições, mormente a universidade, e para explicar onde Aristóteles e Platão traçaram os limites do mundo ocidental e, assim, expandir esses limites.
Chega, melhor que isso não consigo resumir. Como se vê, leitura perfeita para os miolos amolecidos pelo calor do verão. Não se espantem se eu insistir cansativamente em ter Qualidade daqui para a frente.
Fonte: Na cara do gol
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