novembro 29, 2008

Saúde Mental, o novo alvo do capital

Foto: Rogelio Casado - I Encontro de Saúde Mental - Belo Horizonte-MG, jul/2006

Nota do blog: Enquanto a grande mídia - exceções de praxe - abre espaços impressos e televisivos para os setores mais conservadores da Saúde Mental do Brasil (Federação Brasileira de Hospitais e seus satélites; Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul e outros), finalmente a mídia "progressista" abre suas páginas para os defensores da Reforma Psiquiátrica brasileira. Entretanto, às vezes essa mídia compra gato por lebre, como a revista Caros Amigos que abriu suas páginas para um reformista de araque de São Paulo, como contra-ponto do contraditório. Porém, tem mais. Seus entrevistados, no campo da saúde mental, geralmente habitam o eixo Rio-São Paulo. Que é isso, companheiros jornalistas! Tem vida inteligente fora desse eixo. Por exemplo, os personagens vistos na fotografia acima, sentados à mesa - Roberto Tykanori e Marcus Vinicius (o primeiro remanescente da mais rica experiência antimanicomial, promovida pela prefeitura de Santos, na primeira administração petista daquela cidade; o segundo, ex-vice-Presidente do Conselho Federal de Medicina, a mais combativa das entidades na luta por uma sociedade sem manicômios). Ambos participaram do I Encontro de Saúde Mental, realizado em BH, e animaram a festa dos 20 Anos de Luta Antimanicomial, celebrada em Bauru, em dezembro de 2007. À contribuição destes dois ilustres militantes antimanicomiais, some-se a das companheiras de uma das mais fecundas experiências contra a administração médica da vida: Ana Marta Lobosque, Miriam Abou-Yd e Rose Aparecida da Silva, de Belo Horizonte. Certamente tem mais gente na minha lista; mas, paro por aqui. Para começar, bastam esses cinco pesos-pesados da luta antimanicomial brasileira. Chega de figurinha carimbada. Temos outras vozes, muito mais e melhores. Atenção, senhores editores, é hora de dar uma dimensão nacional para a luta antimanicomial, para que os leitores possam fundamentar melhor suas opiniões.

Em tempo: Conheça o terceiro personagem da fotografia: Argenis Gimenez, mejor conocido como "El loco de la pancarta". Acesse
Protesta contra los siquiátricos

EDITORIAL

BRASIL DE FATO

Edição 300

24.11.2008

Saúde Mental, o novo alvo do capital

O mais novo alvo do capital no Brasil é a Saúde Mental. Uma campanha no sentido de pôr fim à política de desmanicomização, retomar a internação (confinamento) em hospícios, e de privatização deste setor da Saúde se intensificou nos últimos meses.


O primeiro sintoma neste sentido, foi a menção honrosa concedida pelo 30º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em outubro passado, à reportagem "Sem hospícios morrem mais doentes mentais", da jornalista Soraya Agegge, publicada em duas páginas no jornal O Globo de 9 de dezembro de 2007. Um escândalo, que suscitou a reação de várias instituições e personalidades da área da Saúde Mental.

Os protestos contra
a menção honrosa

Em mensagem dirigida aos jornalistas responsáveis pelo Prêmio Herzog, doutor Paulo Amarante (professor pesquisador titular do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental Atenção Psicossocial, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – Fundação Oswaldo Cruz) afirma que "não há dúvidas de que é uma matéria claramente tendenciosa, que somente ouviu certos interessados na questão, estranhamente de duas páginas (...) sem nenhuma propaganda, dando a entender nitidamente que se trata de uma matéria paga. Os dados são manipulados e falsos. Seu objetivo é o de esvaziar exatamente a luta dos profissionais e familiares, e também os próprios usuários que lutam contra a violência institucional em psiquiatria neste país e que, neste ano, receberam a Medalha Chico Mendes de Direitos Humanos concedida pelo Grupo Tortura Nunca Mais". Em seguida, diz que "o objetivo implícito da matéria é o de defender os hospitais privados em psiquiatria".

Doutor Amarante prossegue exemplificando com dados a aprovação e elogios que o Brasil tem recebido dos organismos internacionais de Saúde, e lembrando a condenação que sofreu nosso país na Corte Interamericana de Direitos Humanos pela morte de um paciente – senhor Damião Ximenes, em um hospital psiquiátrico privado em Sobral (CE).

Saúde Mental,
Política e Mídia

Mas não pára no Prêmio Herzog a ofensiva junto aos meios de comunicação de massa (a grande mídia comercial) dos que lutam pela privatização desse setor.

Saúde Mental, Política e Mídia é o título do Seminário que será realizado em dezembro, no Rio. De acordo com o convite/release de seus organizadores, sua principal finalidade "é informar a mídia, profissionais e a sociedade sobre as conseqüências da política oficial de saúde mental no Brasil, baseada na reforma psiquiátrica de Franco Basaglia implantada originariamente na cidade de Trieste – Itália".
Ainda de acordo como convite, a "política oficial de saúde mental implementada no País desde 1995 (...) trouxe conseqüências dramáticas para população", entre as quais o "excesso de mortalidade de doentes mentais no Brasil (estatísticas DATASUS) relacionada à redução das internações psiquiátricas e leitos psiquiátricos; aumento extraordinário de benefícios por transtornos mentais e comportamentais (estatísticas INSS); crescimento dos casos de suicídios desproporcional ao aumento demográfico (estatísticas de trabalhos publicados); Explosão dos casos de violência envolvendo doentes mentais (registros jornalísticos de um modo geral)". Para arrematar, concluem os privatistas: "Estes registros são constatações de fatos estatísticos e notórios, portanto não há como refutá-los".

Irrefutáveis para
quem, cara-pálida?

A infalibilidade dos argumentos dos organizadores do seminário é um bom motivo para a troça. A manipulação das fontes é evidente. Citam o "excesso de mortalidade de doentes mentais" como uma suposta informação do Datasus, acrescentando que isto estaria relacionado à redução de internações e leitos, fazendo crer que tal relação é feita também pelo Datasus. Em seguida, atacam de INSS, a velha ladainha dos privatistas para destruir o sistema previdenciário. Sobre os casos de violência envolvendo doentes mentais, apresentam como fonte os "registros jornalísticos em geral". Sim, o "em geral" é sempre irrefutável... bem como os "registros jornalísticos".

Porém, o pior é quando se referem ao "crescimento de suicídios desproporcional ao aumento demográfico". Fazer essa Comparação, sem levar em conta fatores como as políticas econômicas e tecnológicas do período, é uma piada. Sim, nos últimos 20 anos, o índice de suicídios cresceu bastante e certamente a uma taxa superior ao crescimento demográfico. No entanto, este foi o período de uma política econômica somada a uma política de implantação de novas tecnologias que provocou um enorme desemprego. Diversas entidades sindicais e o próprio Dieese têm importantes estudos e pesquisas a respeito, onde fica clara a desestruturação familiar e individual de trabalhadores desempregados dos vários setores. Na metalurgia, por exemplo, são muitas as informações que podemos encontrar a este respeito nas publicações da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (ligada à CUT), especialmente do seu Programa Integrar (a partir de meados dos anos 1990).

Quanto à política de Saúde Mental implantada nas últimas décadas, com base no italiano Franco Basaglia, é fundamental explicitar: a desmanicomização não implica deixar os pacientes soltos nas ruas, ou sob responsabilidade exclusiva da família. Ao contrário, pressupõe a criação de diversos instrumentos, serviços e acompanhamento (todos de caráter público) do paciente e, muitas vezes até mesmo de atendimento da família.

Obviamente, tudo isto vai à contramão das premissas do Estado Mínimo propugnado pelos neoliberais, e dos interesses dos privatistas em geral que, há tempos, insistem em transformar a Saúde em um bom negócio.

Por fim, o release/convite, assinado pelos doutores Marival Severino da Costa (presidente da AFDM BRASIL) e Roberto Antunes (Coordenador do MDDM) se trai, ao informar que a "jornalista Soraya Agegge merecerá uma homenagem especial em razão da reportagem sobre assistência ao doente mental já reconhecida e premiada com a menção honrosa no 30º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos".

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