Charge publicada em Novaes
Nota do blog: Fabrício Carpinejar é a sensação do Festival Literário Internacional da Floresta (Flifloresta), que tá rolando em Manaus. Para conhecê-lo, leia a entrevista publica que ele concedeu a Pedro Siehel, reproduzida no seu blog:"O BOM LIVRO TE CHAMA PELO NOME, O GRANDE LIVRO TE CHAMA PELO APELIDO"
Especial para este blog, uma entrevista com o colorado Fabrício Carpinejar, um dos maiores poetas da atualidade. Autor de livros definitivos como "Terceira Sede", "Biografia de uma Árvore" e agora o recente livro de crônicas "Canalha", Carpinejar também escreve para revistas e jornais de todo o Brasil. Dono de uma poesia incisiva e emocionada, e de uma prosa irreverente e lírica, gentilmente nos deixa ver por esta lente um pouco mais sobre sua literatura. Pedro Siehl Publicado aqui.
BLOG: Vamos começar com um breve resumo do passado, ou seja, a decisão de se tornar escritor, de publicar, quando foi, se isso gerou algum tipo de conflito (pessoal, quero dizer), a decisão pela poesia e não, por exemplo, pelo conto ou pelo romance.
CARPINEJAR: Houve conflito em assumir uma vocação que já era do pai e da mãe. Fiz cursos de desenho, desenvolvi colagens e me inclinava a tirar Artes Plásticas, até que - na última hora - decidi me inscrever no vestibular para Jornalismo na UFRGS. Por tabela, isso me soltou, me desinibiu a escrever regularmente e organizar meus poemas avulsos. Mas - detalhe - comecei escrevendo contos, não poemas. Admirava observações com uma linha emocional bem narrativa. Meus primeiros poemas foram contos decantados. A prosa é minha caixa-preta.
BLOG: Como tu te defines como poeta? Segues algum tipo de escola? Algum tipo de tendência?
CARPINEJAR: Sigo a escola da asma, da falta de ar. "Asma é amor", diz Gonzalo Rojas. Armo assobios, ao invés de arapucas para pássaros. O assobio é uma árvore andando. Chama mais as aves do que as gaiolas.
BLOG: Antes de publicar, mostras originais a alguém? E dentro de possíveis outras perspectivas, admites modificar textos? CARPINEJAR: Sim, mostro, admito correções, adoro sugestões. Costumo mostrar para minha mulher, meus pais, Paulo Scott, Cíntia Moscovich, Luiz Ruffato e leitores que não são do meu círculo de amizades, dependendo do livro. Para publicar uma obra, devemos chamar a realidade antes para dentro dela. Costumo acatar alterações quando alguma dúvida interna, uma desconfiança ou dilema, coincide com a preocupação apontada pelo confidente.
BLOG: Todo escritor tem responsabilidade de levar em consideração o que já foi escrito. Como lidas com isso? E como é a “carga”, se podemos chamar assim, de serem pai e mãe poetas consagrados?
CARPINEJAR: O que foi escrito nos liberta a escrever melhor. Não nos encabula. Mania de pensar que devemos ser originais matando nossos antecedentes. Quem é original tem pai e mãe. Não nega sua origem. Não escreveria crônica se não tivesse lido Rubem Braga. Não escreveria poesia sem antes me assustar com o inferno de Dante ou com o cinismo de Baudelaire. Todo escritor pretende ser filho único de seu estilo. Eu tenho muitos irmãos, que me ampliam e me contrariam e me estimulam a duvidar do que realmente sou.
BLOG: Qual tua relação com a crítica, com os resenhistas? Algo já te desagradou?
CARPINEJAR: Já. Mas hoje aceito qualquer opinião, mesmo que nunca consiga alcançá-la (risos). A tática é não se ofender - o livro já não é meu. É um exercício de humildade.A crítica que não gostei foi uma da Folha de São Paulo sobre "O Amor Esquece de Começar" quando o jornalista me estigmatizou de "literatura da rede". Considero um preconceito em relação aos blogs. Só porque um texto foi escrito na web não significa que seja de menor qualidade. Aliás, não se precisa de livro publicado para ser escritor, há muitos grandes autores na rede que não publicaram e são mais escritores do que muitos na estante.
BLOG: Quanto à leitura, acreditas que o gosto deve mover o leitor, ou ele deve esforçar-se a ler, os clássicos, por exemplo? E o escritor? Deve encarar um “Em busca do tempo perdido”, de qualquer maneira?
CARPINEJAR: Ninguém deve encarar "Em busca do tempo perdido" de qualquer maneira. A maneira certa é desejá-lo, ser desafiado por ele, não se ofender com o que não se entende para avançar no mistério. O bom livro te chama pelo nome, o grande livro te chama pelo apelido.
BLOG: Há leitores compulsivos que se angustiam pelo fato de haver literatura demais no mundo, e boa, que uma vida é insuficiente para ler toda. Este fato também te incomoda? És um leitor compulsivo?
CARPINEJAR: Não me incomodo em não ter lido tudo, em não ter escrito tudo. Arre, me preocupo em viver o suficiente para digerir. Escrever me põe sentado, uma estante me coloca de pé, tenho que me preparar para me deitar quando a morte pedir. Sou da visão de Schopenhauer: "Não se deve ler demais, mecanicamente, para que o espírito não se acostume com a substituição e desaprenda a pensar. Deve-se evitar o perigo de perder completamente a visão do mundo real por causa da leitura."
BLOG: No belíssimo livro de seu pai Carlos Nejar, “Cinco Poemas Dramáticos”, há uma passagem “Só com o universo/ pactuo e assino/ Serei eterno/ volto ao menino”. (Nem procurei muito. Já tinha sublinhado no livro há muitos anos.) No seu tão belo quanto “Terceira Sede”, tens lá no fim: Envelheci/ tenho muita infância pela frente”. A poesia de Carlos Nejar te influencia? Os temas transcendentes te atraem?
CARPINEJAR: Bonita confluência. Fiquei emocionado. Mas não penso a eternidade como infância, que é a visão de Nejar. Mas a velhice como a vulnerabilidade desajeitada da criança. Não há remissão em minha poesia, mas aumento da fragilidade. Meu pai acredita em Deus, eu acredito em meu pai, acredito que ele vai rezar por mim.
BLOG: Ainda no “Terceira Sede”, que considero teu livro mais maduro (não li todos, diga-se) apóias a poesia em sentenças que, às vezes, valem por si só, quase que prescindindo do resto do poema: “Tornei-me o diário de uma viagem cancelada”, “Sou capaz de aniquilar o amor/ para ver o que repousa em seu fundo”, para trazer duas das melhores. Isto é de propósito?
CARPINEJAR: Obrigado. Reconheço cada verso como uma entidade autônoma. Todo o verso é o próprio poema concentrado. Há forte em mim a tendência aforística. De contrabalançar imagens e a musicalidade com uma dose de morfina do pensamento. Poema faz enxergar (imagem), cantar (ritmo) e pensar (aforismo), numa tríplice aliança. Poeta é meio-termo, equilíbrio, medida, uma ponte entre a loucura metafísica de Hölderlin e o racionalismo emocional de Goethe.
BLOG: Para finalizar: lançaste agora “Canalha”, um livro de crônicas. É alguma coisa que estás aniquilando para ver o que há no fundo? Como um menino que brinca com as próprias feridas para ver o quanto dói, o quanto sai de sangue? É o escritor escrevendo para aprender? Seria esta uma definição possível?
CARPINEJAR: Pode ser. Aprendo a desaprender. Minha crônica não é poema, é terrorismo de linguagem, conversar algo importante sem solenidade. Desarticular frases-feitas e convenções sobre o amor e a família. Não suporto casos encerrados. Sou oposição mesmo quando não há vencedor. Procuro revelar detalhes até então escondidos pela faxina diária. Chamar atenção sussurrando. Sangrar mais. Quero ver minhas veias cansarem de jorrar palavras.
Fonte: Fabricio Carpinejar
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