Nota do blog: No Amazonas, uma página da luta salarial do setor de saúde entrou para os anais história. Na segunda metade dos anos 1980, um governador enfrentou 73 dias de greve do setor de saúde, liderada por médicos, dizendo que o fato não lhe preocupava, pois "Médico é que nem sal: é branco, tem em qualquer taberna e é muito barato". Ao que um coleguinha respondeu: "Além disso causa hipertensão, e pode matá-lo se não for tratado". Dizem que daí nasceu a idéia de minar o movimento salarial criando uma elite de médicos cooperativados, quebrando, assim, futuras reivindicações. De fato, só recentemente - neste ano de 2008 - os que penaram submetidos ao arrocho salarial, que comeram o pão que o diabo, voltaram a se manifestar por melhores condições salariais.
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Oleo do Diabo
Delenda Serra
Posted: 21 Nov 2008 05:47 PM PST
A seção Painel do Leitor, da Folha de SP, abre com a seguinte pérola:
"Um médico do Hospital das Clínicas da USP ganha quase R$ 2.000 por mês para trabalhar 20 horas por mês. Não está de bom tamanho? Se está insatisfeito, ele que deixe o emprego. Tem muita gente querendo não só o salário mas a possibilidade de ter uma vaga no HC para aprender a se especializar.
O doutor Davi de Lacerda tem mais é que seguir o conselho do governador e cair fora. Está reclamando de barriga cheia. Que vá trabalhar para os convênios médicos para ver quanto vai ganhar por mês"
Annelisa Godoy
O contexto dessa carta é o seguinte. O médico em questão abordou o governador José Serra, num evento, e, como qualquer cidadão de bem deveria fazer, relatou a injustiça vivida pelos médicos do Hospital das Clínicas, um centro importantíssimo de pesquisa e tratamento, onde somente profissionais altamente gabaritados conseguem vagas. O governador respondeu-lhe com uma ironia grosseira e cínica, que chocou profundamente o jovem médico idealista. Ele reagiu, como também deveria fazer qualquer médico, escrevendo um artigo para o jornal. Os pit-bulls de Serra contra-atacaram, publicando cartas fortemente agressivas e desrespeitosas contra o médico, no dia seguinte, e no dia posterior. Outros leitores estão se manifestando sobre o caso. Volto a comentar a carta transcrita acima.
Que maravilha de raciocínio! Quanta hipocrisia! Será mesmo que a Folha de SP não tinha outra carta para publicar no lugar deste exemplo torpe de retardamento mental, alienação e mau caratismo. Cogitar que o salário de R$ 2.000 (sendo que a base é de R$ 450, não esqueçam, o valor aumenta por causa de "bonificações", ou seja, na hora de se aposentar ou calcular o valor do FGTS, haverá confusão), para um médico altamente qualificado, num dos hospitais mais importantes da maior cidade da América Latina, é "de bom tamanho", revela uma estupidez incomensurável. Bons médicos precisam estudar em livros que custam centenas de reais, precisam frequentar seminários e congressos, precisam estar sempre em diálogo com cientistas de outras partes do mundo. O missivista se refere ao médico como se este fosse um estagiário mimado reclamando de barriga cheia. Como se ele, ao trabalhar no hospital, devesse agradecer e, quiçá, até pagar do próprio bolso, pela oportunidade única de "aprender". Não pensa, a energúmena, que o médico é quem irá doar seus conhecimentos ao hospital e aos estagiários que lá irão aprender. E afirmar que R$ 2 mil é muito dinheiro revela uma alienação irresponsável. Com R$ 2.000, não se consegue viver decentemente em SP. Só mesmo em São Paulo, dominado pelo tucanismo radical, médicos e policiais são tratados como seres menores. Um vereador, cuja função na sociedade eu luto para entender, ganha mais de R$ 7.000, líquidos, e um médico ganha R$ 2.000? O missivista já viu o preço de um aluguel em SP? Sugere que um médico do HC vá viver em favela? Nem motorista de ônibus em SP ganha R$ 2.000. Qualquer guia de turismo chinfrim ganha R$ 2.000. E querem pagar R$ 2.000 para um médico de um dos hospitais mais importantes da América Latina? E mais: o cara ganha R$ 2.000 e não pode nem reclamar? Se reclamar é humilhado pelo governador e seus secretários em praça pública!
Tenho lembrado de Cícero, o grande orador romano, que encerrava seus discursos sempre com a frase Delenda Cartago. Até que, enfim, Roma decidiu varrer Cartago do mapa. Não tenho pretensão de ser Cícero, mas de vez em quando terminarei meus artigos com um Delenda Serra. É minha humilde contribuição para evitar o retorno dos usurpadores.
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