Entrevista a Vera do Val, prêmio Jabuti 2008
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[30-10-2008] Carlos Pessoa Rosa
Quem é Vera do Val? Fale um pouco de sua trajetória pessoal e literária.
Sou paulista e vim para Manaus atraída por uma oferta de trabalho. Deu certo por um tempo. Depois fui ficando Meus filhos vieram. Gosto da cidade, gosto das pessoas daqui. Meus livros estão nascendo aqui, falam desta terra e das gentes dela. É outro Brasil, um Brasil discriminado, pobre, espoliado. E amordaçado.O Sul Maravilha jamais olha para a Amazônia de forma inclusiva. Ou quer nos explorar (veja a famosa história do ciclo da borracha) ou quer tomar decisões em nosso nome. Resolver nossos problemas, debater nosso futuro. Sem jamais ouvir um amazonense ou ouvir os inúmeros cientistas que tiveram a coragem de vir para cá e trabalhar aqui. Alguém já viu, em algum debate importante da mídia, nos Roda-Viva [DC1] da vida, nos cadernos especiais dos grandes jornais, algum amazonense convidado a debater sua própria terra? Alguém ouviu um de nossos acadêmicos?
Bem, eu me considero amazônida. A Amazônia foi uma descoberta tardia em minha vida. Assim como sou uma escritora tardia. Jamais escrevi uma linha antes de vir para cá, e vim para cá em 2003. E muita coisa me espantou e ainda espanta. Comove e fascina. E sensibiliza. Gosto das pessoas simples, limpinhas de alma, exploradas e assim mesmo confiantes. Naturais. Gosto de pensar em meus personagens como figuras desprovidas de artifícios. Elas são como são e ponto final. E agem, no meu universo ficcional, com liberdade e ternura. Gosto das minhas Rosalvas, Alzerindas, Giseles, Josués e Dorvalices. Gosto do meu Antenor, sentado no banco da praça. E do seu grito de guerra. E um belo dia resolvi contar suas histórias. E elas estão aí. E sei que muitas ainda virão porque Antenores não faltam no mundo.
O livro premiado no Jabuti partiu de onde, como evoluiu? Fale de sua experiência sobre ele.
O livro conta histórias, diz das pessoas, de lugares, fala de desejos, solidão, encantamento. Ele foi nascendo devagar. Quem diz que a escritura nasce fácil, brotando de repente... bem...não acredito nisso. Escrever é suor e dor. Dói, é difícil, é parto. E sem anestesia. Em momentos, a maioria deles, minha cabeça me parece vazia. Não sai nada. Poucos são os textos que brotam. No Histórias do Rio Negro [DC2] o único que foi saltando na tela, galopou mesmo foi “A Praça”. Uma madrugada ele jorrou. Sim jorrou é a palavra. Foi saindo de disparada. E eu gostei do resultado. Da linguagem, do ritmo. Quando das revisões e “mexeção” nos textos (escrevo e reescrevo dezenas de vezes o mesmo conto) eu sempre tinha a Praça como modelo. Queria todos naquela disparada. Na época eu trabalhava em duas frentes, o Imaginário da Floresta e o Historias do rio Negro. O Imaginário é infanto-juvenil, trata das lendas amazônicas. Como a minha Editora resolveu publicá-lo, eu deixei um pouco o Histórias. Mesmo ainda achando que estava inacabado mandei para o Concurso Prêmios Literários Cidade de Manaus. Deu certo, o livro agradou e eu ganhei. Mandei alguns contos para a Editora, ela gostou. Aí apertou. Meu primeiro livro adulto, tinha que caprichar. Ele havia dormido uns 5 meses e aí comecei a mexer. Sempre faço assim com meus textos. Penso que eles gostam de dar um descanso. Depois é reler e burilar. Cortar sempre, enxugar, limpar, podar aqui e ali. Acrescentei novos contos, dei mais corpo ao livro. Foi isso. Saiu em Setembro de 2007 já com o Premio Cidade de Manaus. E agora ganha o Jabuti. È uma emoção forte. O Jabuti me homologa como escritora. Gente grande, Gente de verdade. E é responsabilidade também. Agora é não fazer corpo mole e escrever.
Que importância pode ter um prêmio como esse para o escritor no Brasil?
Já respondi acima. O Jabuti é uma espécie de passagem. Depois dele você é um escritor. Antes eu duvidava e agora tenho que acreditar. Posso acreditar.E mãos á obra porque o Jabuti nos faz mais responsáveis, nos dá a sensação de pertencermos a alguma coisa. E temos que responder por isso.
Você acha que poderia haver algum elo Brasil-Portugal-África no que escreve?
Acho que não. Não vejo influencia africana em meus escritos. Portuguesa sim, claro. A influencia portuguesa é forte na Amazônia. Muita imigração. Manaus tem sangue Português. Se você quer dizer nos textos, nas formas, aí a reposta é outra. Todos nós somos brasileiros afroportugueses.
Fale um pouco de suas prefêrencias literárias, influências, oficinas etc.
Na verdade fundamental mesmo, de verdade, na minha formação de leitora e escritora foi meu pai. De leitora principalmente. Meu pai era fanático por livro De qualquer tipo. Lia tudo que pudesse. E me ensinou a ler, com 5 anos de idade, sentada no seu colo, na rede, lendo para mim e mostrando as letras uma a uma. Um dia eu o surpreendi. Li sozinha uma palavra. Foi uma festa. Deste dia em diante não parei mais. Mamãe dizia que eu daria uma péssima dona de casa. Eu só me dignava a ir para a cozinha fazer qualquer coisa no fogão se tivesse um livro na mão. Um olho na frigideira e outro no livro. Não preciso dizer que vivia queimando as coisas. Minha mãe, que não valorizava tanto assim os livros, ficava furiosa. Acho que na verdade ela sempre teve ciúmes deles. Mas vamos lá, escritor? Lobato, sempre Lobato. A literatura infantil dele li dezenas de vezes, até hoje, às vezes releio alguma coisa. A adulta é memorável. Gosto do estilo dele, claro, direto e objetivo. Costumo dizer que sou lobatiana. Jamais conseguirei ser uma escritora intimista. Gosto de ação, gosto que a historia galope. Hoje em dia existe uma tendência em se dar ênfase demais para a forma. Eu não gosto disso. A forma é importante sim, mas é só um veículo para se melhor contar a historia. A história é fundamental. E não há por que complicá-la sem necessidade. É preciso encontrar o caminho e a harmonia entre as duas coisas, a forma e a história, e não se perder pelo caminho. Este é meu jeito de ser escritora.
Quais são os projetos?
Eu gostaria muito de trabalhar em projetos de estímulo à leitura com crianças de seus 10 anos. Quem sabe aparece um convite em Manaus? Eu sou, essencialmente, uma contadora de histórias. Sim, tenho dois livros infanto-juvenis no prelo, na Editora Martins Fontes. Devem ser lançados este primeiro semestre de 2009. Um chama-se Histórias dos bichos brasileiros e outro Histórias do macaco e da onça. Tenho planos para um livro adulto, também amazônico, também tratando de gente simples, também contos... Mas está é outra história.....
Como vê o futuro do livro?
O livro vai continuar sendo como é, com internet ou sem internet. Ainda não se encontrou uma forma de se fazer confortável a leitura diante de uma tela. Eu não consigo e acho que raros são os que realmente fazem isso.
Qual o papel da internet para divulgação do seu livro?
Muito pouco. Salvo alguns sites muito especiais e de alta qualidade literária não divulgo na internet. Eu escrevo, divulgação é com minha editora. E também não costumo aparecer muito pelos cafés literários da vida. Acho que sou tímida.
Vera do Val – outubro de 2008 – para Carlos Pessoa Rosa via e-mail.
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