Novembro 02, 2008
Heresias modernas
Por Gustavo Barreto (*)
Se toda regra tem exceção, e esta é uma regra, qual será sua exceção?
Teríamos que dizer que toda regra tem exceção, e a exceção desta regra é ela própria, já que a frase fica contraditória. Como é possível utilizar, na mesma síntese, as idéias de totalidade e exceção? Neste caso, a exceção é a negação da totalidade (pois algo que é total não admite particularidades, desvios).
A própria afirmação sugere que quem a formula não a propõe como regra, e sim como verdade única. O que vale para todos (neste caso, toda e qualquer regra) não se aplica à própria idéia inicial – ou quem a formula não se põe no lugar da pessoa que a receberá. É elaborada como divina, auto referente. Por que toda regra tem exceção? Porque sim, ora bolas!
O que, pensando bem, é muito comum nos dias de hoje.
O primeiro exemplo que me vem à mente: todos têm direito à educação de qualidade, sem pagar (mais) nada por isso, pois já pagam por meio dos impostos (incluindo os embutidos em cada canto do supermercado).
Exceto meus filhos, que vão estudar num dos colégios mais caros da cidade, porque eu nunca – imagina! – vou confiar a educação deles à rede pública.
É muito importante participar da melhoria da rede pública do país – todos concordam, sem exceção! (outra regra) – mas eu não tenho tempo pra isso, afinal (dizem os pais imaginários que acabei de formular).
E, assim, várias exceções acabam por criar uma outra regra. Sem exceção.
Formou-se, dessa maneira, ao longo dos anos, uma hipocrisia generalizada nas classes abastadas do país. Meio envergonhadas, muitas pessoas admitem que fazemos uma formação educacional de classe. Escola pública, jogada de lado, para os pobres. Escolas "tradicionais", de alta qualidade e conteúdo moderno, para os que podem pagar.
E se formulações como "toda regra tem exceção" são da ordem do divino, tal como é o desprezo geral pela educação pública, faz sentido que quem, de posse de boas condições financeiras, coloque seu filho na escola pública por ideologia se torne um herege. Será tachado de tudo: louco, limitado e até pão-duro. Só porque ousou trazer para a Terra um pensamento tão distante da hipocrisia geral: a coerência.
E não são poucos, desde os tempos bíblicos até Florestan Fernandes. Ainda bem.
Veja aqui o vídeo "O Mestre", sobre a vida, obra e luta de Florestan Fernandes: http://gustavobarreto.blogspot.com/2008/11/heresias-modernas.html
[Nota: Reduzi o tamanho da tela para ficar mais nítido. Não recomendo deixar de ver este filme, nomeado O Mestre, produzido pela TV Câmara – se não por aqui de alguma outra forma.]
(*) Radialista, editor de meios independentes.
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