PICICA: "Um
encontro de águas invocado. Ondas tão violentas que têm produzido uma
energia difícil de conter e que incluem, em seu rastro, inveja, ódio,
conflitos e mortes. É nessa pororoca moral brasileira que a Trip mergulha e tenta decifrar mais uma vez."
Água pesada
Compartilhar X Acumular: o choque entre a onda do consumo consciente e o tsunami da ostentação
07.08.2013 | Texto:
Divulgação/Rede Globo
Primo Pobre (Brandão Filho) e Primo Rico (Paulo
Gracindo), personagens da TV que transformaram em comédia o abismo
social do caldeirão brasileiro, hoje fervendo também em fogões de inox
com seis bocas
Na Terra de contrastes de
Roger Bastide, nosso velho conhecido, talvez caiba mais um novo
capítulo. Agendas das mesmas casas de shows andam alternando reservas de
palcos para grupos aparentemente antagônicos. De um lado ídolos da
música nascida nas periferias expressam nas letras a dureza e a
indignação dos que vivem das sobras no país. Do outro, shows de figuras
que batem no peito e gritam com toda a força o fato de terem conseguido
não só o conforto de um teto ou uma televisão de tela plana, mas que
celebram a conquista daquilo que aprenderam desde cedo a entender como a
melhor expressão da vitória, da aceitação e da boa vida. Lamborghinis,
cordas de ouro puro, maços de dinheiro, roupas grifadas e mulheres
exuberantes também cobertas de joias. Em comum entre as duas faces dessa
medalha (de ouro), além dos bonés e de uma situação econômica melhor
resolvida por conta do sucesso, a revolta contra governantes, políticos e
a gestão cafajeste que eles impingem. Também a revolta contra os
símbolos e as instituições deste Estado, muito especialmente a polícia. Nesse aspecto, variam os
símbolos, mas o recado não. Mensagens, diga-se, que fazem eco com
aqueles ouvidos nas ruas em junho, vindos da classe média que arrumou
vaga nessa faixa da pirâmide há mais tempo.
Milhares de
movimentos, iniciativas e ideias, mais e menos sérias, são lançadas
todos os dias, alertando para a necessidade de se rever a lógica do
consumo enlouquecido e do ter como solução para as angústias da geral.
Compartilhar mais e acumular menos seria uma das chaves para um ponto de
equilíbrio. Na contramão, milhões de pessoas celebram o fato de
“estarem podendo” finalmente entender que graça tem ter (e ostentar)
alguma coisa. Para aumentar a pressão, um Estado inábil, corrompido e
incapaz.
Um
encontro de águas invocado. Ondas tão violentas que têm produzido uma
energia difícil de conter e que incluem, em seu rastro, inveja, ódio,
conflitos e mortes. É nessa pororoca moral brasileira que a Trip mergulha e tenta decifrar mais uma vez.
Paulo Lima, editor
Fonte: Revista Trip
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