agosto 20, 2013

"Hidrelétrica São Manoel: Cronologia de mais um desastre - Parte I", por Telma Monteiro

PICICA: "Em 18 de março de 2009 , o analista ambiental Fernando de Carvalho Bittencourt, lotado no Ibama de MT, encaminhou em ofício, ao Departamento de Licenciamento Ambiental (DILIC),  uma representação do Ministério Público Estadual de MT, assinado pelo promotor Luiz Alberto Esteves Scaloppe. Nesse ofício, o analista entende que implantar hidrelétricas em sequência no rio Teles Pires, com dispensa do EIA/RIMA dada pelo Conselho de Meio Ambiente (Consema) de MT, seria uma temeridade."

Hidrelétrica São Manoel: Cronologia de mais um desastre - Parte I Imprimir E-mail
Escrito por Telma Monteiro   
Qui, 15 de Agosto de 2013

O processo de licenciamento da usina hidrelétrica São Manoel, no rio Teles Pires, começou em 2007. O pedido foi feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE)  ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama). O projeto prevê a potência instalada de 750MW (megawatt) e a potência firme de 410,6 MW.

A área de inundação foi calculada em 52,95 quilômetros quadrados, com extensão de 41 quilômetros, nos municípios de Paranaíta, estado do Mato Grosso (MT) e Jacareacanga, no Pará (PA), região hidrográfica da Amazônia. O projeto da UHE São Manoel pretende ser a fio d'água. A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) fez a apresentação formal do empreendimento ao Ibama em 30 de janeiro de 2008. Estavam presentes representantes das diversas instância do Ibama, da EPE, da Agência Nacional de Águas (ANA), das empresas Leme Engenharia e Croncremat, contratadas pela EPE.

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Oficializada a abertura do processo de licenciamento no Ibama, o passo seguinte foi a elaboração do Termo de Referência para orientar a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). A EPE enviou ao Ibama, em 20 de fevereiro de 2008, uma proposta de Termo de Referência (TR) para elaboração do EIA/RIMA da UHE São Manoel, curiosamente datada de fevereiro de 2007, um ano antes.

No período de 10 a 15 de março de 2008, o Ibama, como é praxe, realizou a vistoria técnica na área de influência da UHE São Manoel. Em 22 de julho de 2008, os técnicos do Ibama emitiram o relatório da vistoria técnica realizada em março. Esse relatório dá uma ideia clara das implicações futuras da construção da hidrelétrica em região de floresta preservada entre as corredeiras Sete Quedas e a foz do rio Apiacás, no Teles Pires.

Beleza exuberante ameaçada

Foi possível no voo de reconhecimento, segundo o relatório, contemplar o reservatório da outra hidrelétrica, já em construção, a UHE Teles Pires, a montante do ponto escolhido para o barramento da UHE São Manoel. Na região foram observadas castanheiras de grande porte dentro de uma matriz dominante de áreas florestais relativamente bem conservadas e com inúmeros igarapés ao longo dos dois futuros barramentos.

Tanto a UHE São Manoel como a UHE Teles Pires estão inseridas em Área Prioritária para Conservação, Uso Sustentáel e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira, segundo a Portaria n° 9 do Ministério do Meio Ambiente, de 23 de janeiro de 2007, esclarece o relatório. Ainda mais importante, tanto na margem esquerda como na direita do rio está uma área (Am043) considerada de importância biológica extremamente alta e prioridade de ação alta.

Os técnicos ainda ressaltaram que a localização do remanso do projeto da UHE São Manoel está a algumas centenas de metros rio abaixo da Sete Quedas e o eixo do barramento a apenas um quilometro de um terceiro projeto hidrelétrico, previsto para ser construído na foz do rio Apiacás, a UHE Foz do Apiacás. Todos esses empreendimentos constam do inventário da bacia do rio Teles Pires.

Ainda, informa o relatório, a importância da biodiversidade do local e a relevância ecológica. Constataram a dinâmica pela presença de inúmeras ilhas que serão submersas, caso o projeto seja considerado viável, que requer estudos aprofundados de longo prazo. Some-se a isso locais de reprodução de espécies de peixes e de alimentação de animais sazonalmente inundados, que serão alterados.

Outra informação de suma importância está na constatação de que o local está próximo ao limite da Terra Indígena Kayabi. O texto ainda descreve a presença de andorinhas, araras-vermelhas, bugios, coatá-de-testa-branca, configurando a riqueza faunística da região escolhida para abrigar empreendimentos com tamanho potencial de destruição.

A ameaça já está lá

Outro fato que chama a atenção foi a constatação, pelos técnicos, da presença de acampamento de equipe de sondagem contratada pela Construtora Norberto Odebrecht. Sondagens e acampamento com desmatamento e danos à vegetação em plena Área de Proteção Permanente (APP), não autorizados nesse caso. Antecipação de procedimentos sem a necessária declaração de utilidade pública ou autorização para intervenção em APP.

A urgência do PAC

Em 22 de julho de 2008, o presidente da EPE, Maurício Tolmasquin, enviou ofício ao então presidente do Ibama, Roberto Messias Franco, cobrando celeridade na emissão do Termo de Referência. Argumentou que São Manoel faz parte do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e que os processos decisórios devem obedecer o cronograma estabelecido pelo governo.

Tolmasquim, incomodado com aquilo que ele interpretava como atraso, mas que na verdade seria atinente aos procedimentos de licenciamento ambiental, mencionou que a apresentação do projeto e a concepção do EIA/RIMA eram do conhecimento dos analistas do Ibama desde janeiro de 2008 e a vistoria técnica fora realizada em março.

Cobrou e obteve. Em 25 de julho, o Ibama expediu o Termo de Referência. Mas, em 18 de setembro, a EPE protocolou uma análise do Termo de Referência do Ibama, para apresentar uma visão alternativa para o TR, "que incorpora conhecimentos já adquiridos das características regionais e do projeto, além da experiência do setor elétrico na elaboração de EIA/RIMA".

Entre as propostas está, por exemplo, a exclusão no TR das pré-definiões espaciais das áreas de influência do projeto. O Ibama  pediu que as áreas de influência indireta fossem definidas levando em consideração parte da bacia hidrográfica do rio Teles Pires. Reafirmou essa necessidade depois, em 21 de novembro de 2008, quando emitiu um novo TR aceitando algumas alterações da EPE e recusando outras.

Em 6 de março de 2009, a EPE enviou ao Ibama um novo ofício com justificativas para exclusão de quatro itens do TR com relação ao comportamento dos sedimentos nas diferentes vazões do rio Teles Pires a montante e a jusante do barramento da UHE Teles Pires. Esse estudo, segundo o Ibama, se fazia necessário, uma vez que o remanso do reservatório da UHE São Manoel se estenderia até o barramento da UHE Teles Pires.

Para a EPE, no entanto, tais preocupações eram irrelevantes e valeram-se de observações técnicas em que minimizaram os efeitos dos sedimentos depositados ou transportados pelo rio Teles Pires. Aparentemente, o Ibama aceitou a exclusão dos quatro itens do TR e o processo deu seguimento com a elaboração do EIA/RIMA a partir de março de 2009.

A tentativa de dar um golpe no processo de licenciamento

A UHE São Manoel é uma das seis hidrelétricas planejadas para o rio Teles Pires e seu afluente Apiacás. Nesse conjunto, quatro delas estariam em processo de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) de MT. As UHEs São Manoel e Teles Pires estavam a cargo do Ibama.

Em 18 de março de 2009 , o analista ambiental Fernando de Carvalho Bittencourt, lotado no Ibama de MT, encaminhou em ofício, ao Departamento de Licenciamento Ambiental (DILIC),  uma representação do Ministério Público Estadual de MT, assinado pelo promotor Luiz Alberto Esteves Scaloppe. Nesse ofício, o analista entende que implantar hidrelétricas em sequência no rio Teles Pires, com dispensa do EIA/RIMA dada pelo Conselho de Meio Ambiente (Consema) de MT, seria uma temeridade. Se reporta à importância dos argumentos do promotor e à preocupação da Conselho Estadual de Recursos Hídricos de MT (CEHIDRO), nesse sentido.

A representação do MP ao Ibama tinha, realmente, argumentos suficientes para provar que vários empreendimentos planejados numa mesma bacia hidrográfica, como o Complexo Hidrelétrico do rio Teles Pires, não poderiam ser licenciados isoladamente. Os efeitos sinérgicos e cumulativos de significativos impactos ambientais estavam sendo ignorados nos estudos ambientais. Diante disso o promotor pedia a apreciação e providência ao Ibama para que promovesse a unificação dos estudos.

Componente Indígena e a tolerância da Funai

Em 2 de outubro de 2009, a Fundação Nacional do Índio (Funai) encaminhou à EPE o Termo de Referência para os estudos do Componente Indígena. Estranhamente, no entanto, a Funai diz no ofício de encaminhamento que está atendendo "à solicitação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no sentido que o Termo de Referência para os estudos do Componente Indígena abrangesse esses dois empreendimentos (UHE São Manoel e UHE Foz do Apiacás), devido a sua proximidade geográfica".

A Funai informa ainda que o TR para os estudos do Componente Indígena foi elaborado a partir de "reuniões de esclarecimento nas comunidades indígenas". Resta saber se essas reuniões de esclarecimentos mencionadas aconteceram, quando e em quais comunidades. E as memórias dessas reuniões?

O TR da Funai reforça que para os dois empreendimentos, UHE São Manoel e UHE Foz do Apiacás, é facultada a elaboração de apenas um estudo do Componente Indígena que vai integrar os dois processos de licenciamento. Só não mencionam que a UHE Foz do Apiacás estava em processo de licenciamento na Secretaria Estadual do Meio Ambiente do MT e não no Ibama.

Os índios isolados na região mereceram atenção no TR.

Continua na Parte II.

Nota:

Este artigo teve como base os documentos do processo de licenciamento da UHE São Manoel que tramita no Ibama.


Telma Monteiro é ativista sócio-ambiental, pesquisadora, editora do blog http://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br, especializado em projetos infra-estruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil.

Fonte: Correio da Cidadania 

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PICICA: "Em 21 fevereiro de 2011, Amilcar Guerreiro, diretor da EPE, envia um ofício a Aluísio Atonio C. Guapindaia, diretor da Funai, onde manifesta sua preocupação com o rumo que o processo está tomando. Ele se reporta a outro ofício da Funai, de que teve conhecimento, mas que não foi protocolado na EPE e que, segundo ele, punha em risco o desenvolvimento do potencial hidrelétrico brasileiro, em especial de projetos na região Amazônica.

Numa apologia à importância da energia elétrica nas sociedades modernas, Amilcar Guerreiro profetizou que, diante da postura da fundação, os brasileiros estariam condenados a sofrer os males provocados pela construção de projetos termelétricos em larga escala. O potencial hidrelétrico é patrimônio da União, apregoou ele, segundo a Constituição Federal."


Hidrelétrica São Manoel: Cronologia de mais um desastre – Parte II Imprimir E-mail
Escrito por Telma Monteiro   
Segunda, 19 de Agosto de 2013

Nesta segunda parte do imbróglio do processo de licenciamento da UHE São Manoel, ficam patentes as artimanhas, o cinismo e o desespero da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para viabilizar o projeto em tempo para o leilão de energia de dezembro de 2011. Como a EPE tenta manipular informações para evitar aprofundar os estudos ambientais. Os técnicos do Ibama e da Funai continuaram apontando as inconsistências e pedindo complementações. O Ministério Público empreende sua via crucis junto ao judiciário, para evitar o desastre.

As falhas gritantes nos estudos ambientais e no Estudo do Componente Indígena (ECI) se acumulam e já seriam mais que suficientes para ter justificado a anulação do EIA/RIMA e do processo de licenciamento da UHE São Manoel. É de estarrecer, também, a afirmação da EPE de que os projetos hidrelétricos no PAC 2 somam 80% com algum grau de interferência com Terra Indígena.


EPE em desespero

No início de 2010, a EPE enviou ao Ibama o EIA/RIMA desenvolvido em 2009, mas sem os Estudos Socioambientais do Componente Indígena (ECI). Em março, o Ibama expediu um ofício – 263/2010 – informando a recusa de análise do EIA, pois sem o ECI ele estava incompleto. Esse ofício, assinado pelo então Diretor de Licenciamento Ambiental, Pedro Alberto Bignelli, comunicava também que a solicitação de Licença Prévia estaria desconsiderada e, apenas com o estudo entregue em sua totalidade, deveria ser reapresentada ao Ibama.

Em abril, o diretor de Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais da EPE, Amilcar Guerreiro, em resposta ao Ibama, traduziu seu desapontamento diante da decisão. Afinal, o leilão da UHE São Manuel previsto para acontecer em 2010 seria prejudicado. Inconformado, Amilcar Guerreiro informou que as complementações pedidas pela Funai estariam concluídas em junho e que, diante disso, não cabia o entendimento de que o EIA da UHE São Manoel estivesse incompleto.


A Funai recusa as complementações

As complementações do ECI foram encaminhadas pela EPE em 17 de agosto de 2010. A Funai, no entanto, expediu um ofício em 25 de agosto, informando à EPE que, após uma checagem do ECI, constatou que ele não possuía elementos suficientes para análise técnica e que estava em desacordo com o Termo de Referência.

Seguiu-se uma extensa lista entre quesitos insuficientes e não atendidos. Foram ao todo 30 itens. Para finalizar, a Funai pede ainda a reinterpretação da análise de viabilidade dos documentos, pois na conclusão do EIA/RIMA não foram considerados os impactos sobre os povos indígenas.


O Ibama rejeita o EIA e o MPF se manifesta

Ainda em agosto de 2010, o Procurador da República do Ministério Público Federal de Mato Grosso, Mario Lucio Avelar, oficializa o Ibama, reiterando o pedido de informações sobre o processo de licenciamento de todos os empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Teles Pires.

Dando continuidade ao processo de licenciamento, o Ibama fez a checagem do atendimento do TR do EIA/RIMA da UHE São Manoel. Emitiu parecer técnico em 14 de setembro de 2010, em que apontou 33 pendências, entre elas das complementações do ECI já mencionadas pela Funai. O EIA/RIMA foi rejeitado pela equipe técnica do Ibama, uma vez que ele não atendia ao TR.


A Funai endurece

As principais pendências do EIA/RIMA continuaram sendo as complementações dos Estudos do Componente Indígena (ECI) e isso se confirmaria meses depois, já em janeiro de 2011. Um ofício da Funai para a EPE informava que, para o prosseguimento de qualquer atividade no processo, antes da emissão da LP, era preciso reformular os Estudos do Componente Indígena em onze itens específicos. Até então, esses estudos se referiam à UHE São Manoel e à UHE Foz do Apiacás – Terras Indígenas Kayabi, Mundurucu e Pontal dos Apiacká.

O estudo só seria aprovado depois de reformulado e após a realização de reuniões em terras indígenas "com linguagem e metodologia adequadas" previamente submetidas à Funai. Mais ainda, a fundação destacou que, só depois do cumprimento integral das condicionantes do componente indígena da UHE Teles Pires, teria condições de avaliar os processos de licenciamento dos empreendimentos a jusante. Portanto, ficava aí estabelecida, pelo menos para a Funai, a relação entre o processo da UHE Teles Pires, já adiantado, e os demais processos da UHE São Manoel e da UHE Foz do Apiacás.


O cinismo da EPE

Em 21 fevereiro de 2011, Amilcar Guerreiro, diretor da EPE, envia um ofício a Aluísio Atonio C. Guapindaia, diretor da Funai, onde manifesta sua preocupação com o rumo que o processo está tomando. Ele se reporta a outro ofício da Funai, de que teve conhecimento, mas que não foi protocolado na EPE e que, segundo ele, punha em risco o desenvolvimento do potencial hidrelétrico brasileiro, em especial de projetos na região Amazônica.

Numa apologia à importância da energia elétrica nas sociedades modernas, Amilcar Guerreiro profetizou que, diante da postura da fundação, os brasileiros estariam condenados a sofrer os males provocados pela construção de projetos termelétricos em larga escala. O potencial hidrelétrico é patrimônio da União, apregoou ele, segundo a Constituição Federal.

Não poderia deixar de mencionar a urgência do PAC. Então, acaba entregando um dado estarrecedor ao mencionar que, de 48 projetos hidrelétricos, 18 atingem áreas de Terras Indígenas. Vai mais longe ao afirmar que 16 projetos, embora não estejam diretamente em TIs, estão a menos de 50 quilômetros delas, como a UHE São Manoel e a UHE Foz do Apiacás. Ainda confirma que os projetos hidrelétricos no PAC 2 somam 80% com algum grau de interferência com TI.

Amilcar Guerreiro se mostra inconformado com a decisão da Funai de condicionar a análise dos ECI de São Manoel e Fóz do Apiacás ao cumprimento das condicionantes da UHE Teles Pires. Usando um tom jocoso afirma que as usinas São Manoel e Foz do Apiacás "não atingem um hectare de TI demarcada, nem sequer de áreas pretendidas para amplicação da TI demarcada. A propósito (cinismo), o ECI revelou que a demarcação das terras é uma genuína preocupação das comunidades indígenas que parece ser muito maior do que a implantação das usinas. Se nesses casos a Funai se posiciona da forma como fez no (ofício), o que esperar com relação ao licenciamento dos projetos que atingem diretamente território indígena?".

O diretor da EPE anexou uma tabela (ver abaixo) das UHEs previstas no PAC 2 e as distâncias das TIs. São Manoel está a 700m e Foz do Apiacás a 230m da TI Kayabi.

A EPE protocolou a reformulação do ECI na Funai em 27 de julho de 2011. A partir daí a Funai comunicou que passou a considerar o estudo apenas para a UHE São Manoel e não mais para a UHE Foz do Apiacás.

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Em outro anexo, chamado de "Considerações Gerais", sobre o ofício da Funai, a EPE repudia o que chama de precedente e despropositada vinculação de projetos hidrelétricos de diferentes agentes e em diferentes etapas de licenciamento. Não há embasamento legal nessa colocação, mesmo que a Funai, como mencionado no item II, não tenha emitido um TR para o ECI da UHE Teles Pires.

Quanto aos índios isolados, objeto do ítem III desse mesmo anexo, a EPE atribui à Funai a culpa por não ter conseguido cumprir a exigência de elaborar o estudo relacionado aos índios isolados.


O Ibama também rejeita o RIMA

Em parecer técnico datado de 1° de abril de 2011, os analistas do Ibama rejeitam,  também, RIMA da UHE São Manoel. A conclusão aponta inconsistências textuais e recomenda a devolução do RIMA para as devidas correções. Faltam justificativas sobre a alternativa estudada, faltam fundamentos que façam o leitor, leigo no assunto, entender a decisão de contruir a hidrelétrica e faltam explicações sobre a interação da UHE São Manoel com a UHE Teles Pires, rio acima.

Em 22 de julho de 2011, a EPE encaminha novamente o RIMA com as devidas correções para análise dos técnicos que se dão por satisfeitos e o aprovam em parecer de 27 de julho.

Neste momento, cabe perguntar o porquê de, diante de tantos problemas detectados nos estudos, o projeto estar liberado para ir a leilão.


O Ministério Público de MT se manifesta

Em ofício ao Ibama, de 25 de julho de 2011, o Promotor de Justiça de MT, Marcelo Caetano Vacchiano, comunicou a instauração do Inquérito Civil (IC) 068/2011 para acompanhar o licenciamento ambiental da UHE São Manoel e requisita cópia integral do processo e informação sobre alterações no projeto.

Em 29 de agosto, novamente o MP de Mato Grosso se pronuncia, ainda dentro do IC, no sentido de solicitar a realização de audiências públicas nos municípios que sofrerão influência da UHE São Manoel – Alta Floresta, Paranaíta e Jacareacanga.


Ibama aceita o EIA/RIMA e marca audiências públicas

Depois de aceito o EIA/RIMA, o Ibama, dando continuidade ao processo de licenciamento ambiental da UHE São Manoel, marca as audiências públicas em Paranaíta (MT), Alta Floresta (MT) e Jacareacanga (PA) para os dias 22, 23 e 25 de outubro de 2011, respectivamente.

Em 7 de outubro de 2011, um ofício do Ibama, assinado pelo então presidente Curt Trennepohl, ao Palácio do Planalto, Ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, José Elito C. Siqueira, em um procedimento inédito, solicita segurança nas Audiências Públicas. A alegação é a forte resistência apresentada pelos Munduruku ao projeto da UHE São Manoel. Uma das competências do Gabinete de Segurança é o de coordenar atividades de inteligência federal e de segurança da informação.

Mas, em nota técnica de 19 de outubro de 2011, o Ibama concluiu que o tema "sinergias e cumulatividades entre os impactos da UHE São Manoel e da UHE Teles Pires" não está satisfatoriamente contemplado no âmbito do EIA e necessita mais complementações. Os técnicos pedem que o empreendedor complemente as lacunas apontadas na análise e as informações sobre os Efeitos Cumulativos e Sinérgicos dos Impactos da UHE São Manoel.

As audiências públicas seriam suspensas em 21 de outubro de 2011, em decisão proferida pelo Juiz Federal Paulo Cézar Alves Sodré, da Subseção Judiciária de Sinop (MT), atendendo um pedido do MPF e do MP de Mato Grosso. Para desespero ainda maior da EPE, a suspensão das APs da UHE São Manoel, por decisão liminar, inviabilizaria a habilitação do projeto para o leilão de energia marcado para 20 de dezembro de 2011.

Em 7 de novembro de 2011, o Desembargador Federal, Olindo Menezes, derruba a liminar de suspensão das Audiências Públicas. Diante da reviravolta, a EPE tenta de urgência confirmar com o Ibama o agendamento de novas datas para a realização das APs, ainda em novembro, para viabilizar o leilão da UHE São Manoel.

Continuo e finalizo este relato na Parte III, em que vou mostrar como a EPE joga sujo. Primeiro exigiu alteração e depois desqualificou autor e relatório antropológico complementar, requerido pela Funai e contratado pela própria EPE. O relatório avaliou as implicações da UHE São Monoel nas comunidades indígenas, em especial na Terra Indígena Kayabi.

Leia mais:
Hidrelétrica São Manoel: Cronologia de mais um desastre - Parte I



Telma Monteiro é ativista sócio-ambiental, pesquisadora, editora do blog http://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br, especializado em projetos infra-estruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil.

Fonte: Correio da Cidadania

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