PICICA: "No Fora do Eixo a imagem é mais importante. É mais importante parecer do que ser de fato."
Mais um relato: quais os problemas do Fora do Eixo?
12 de agosto de 2013
No Fora do Eixo a imagem é mais importante. É mais importante parecer do que ser de fato. Por um Anônimo
Antes de mais nada, preciso avisar que
já fiz parte do Fora do Eixo, bem próximo à cúpula. Também aviso que
escolhi o anonimato por dois motivos: não dar brechas para o
entendimento desse relato como algo ligado a questões pequenas e
pessoais, e também para evitar um pouco possíveis represálias.
Dividirei
minha análise em duas partes, externa e interna. A externa referente a
como o Fora do Eixo se relaciona com parceiros e mundo exterior, e acho
que essa parte é a mais importante, pois espero dar elementos para quem
espere se relacionar com o Fora do Eixo. A análise interna se refere a
como funciona a rede e, como não sou adepto dos “fins justificam os
meios”, essa segunda análise também considero importante para quem não
conhece, ou conhece parcialmente, o Fora do Eixo.
Focarei minhas análises em pontos que
julgo serem problemáticos, porém entendo que é fundamental fazer alguns
poréns. Essa análise não tem como objetivo deslegitimar trabalhos
coletivos e que buscam um mundo melhor. Acredito e luto diariamente por
um mundo melhor e menos individual. Porém, a mudança tem que ser mudança
de fato, e isso não é rápido nem simples. Também não escrevo esse texto
para desqualificar todos os membros do Fora do Eixo, visto que é um
grupo heterogêneo e que congrega vários tipos de pessoas.
Toda a análise que farei é focada
principalmente na cúpula de poder do Fora do Eixo, que era composta por
Pablo Capilé, Felipe Altenfelder, Marielle Rodrigues, Carolina Tokuyo e
Lenissa Lenza. Ao entorno dessa cúpula existem outros nomes que são
coniventes com as ações aqui descrita.
Dito isso, vamos à análise.
I. De dentro para fora
No modo como o Fora do Eixo se relaciona com o mundo exterior, entendo que existem 4 problemas principais, e são eles:
-
Dois pesos duas medidas: a relação com os parceiros, sejam eles pessoas
ou movimentos, varia muito no Fora do Eixo, e isso leva a diferentes
relatos (de amor e ódio). Essa diferença é balizada pelo “poder” e
“relevância” do parceiro. Um exemplo prático disso é a diferença em
relação ao pagamento de cachês para bandas como Criolo e outras que não
são tão relevantes assim. Se você é um artista, ativista, grupo, que
tenha grande poder de repercussão, provavelmente será tratado muito bem
pelo Fora do Eixo, e todas suas relações serão capitalizadas
midiaticamente. Caso você não seja tão conhecido, provavelmente terá um
primeiro contato tranquilo, mas caso tenham combinado algo com você
existe a grande possibilidade de não cumprirem ou então te enrolarem
absurdamente para cumprir. Isso é uma prática cotidiana.
- Está comigo ou está
contra mim: a partir do momento que se torna um parceiro do Fora do
Eixo, e seja importante, todo seu comportamento midiático (leia-se aqui,
o que postar no facebook, quem curtir, o quê compartilhar) será
plausível de ser questionado. Muitas vezes será cobrado depoimentos
falando da relação com o Fora do Eixo, curtidas em posts, entre outras
ações, e possíveis recusas serão entendidas como não comprometimento com
a parceria.
- Exploração dos
explorados: No meio da vontade de querer ser grande e rápido, o Fora do
Eixo acaba tomando atitudes de exploração similares às que combate. Para
conseguir parecer grande acaba investindo um recurso que não tem. O
Fora do Eixo tem muitas dívidas, e isso é algo comumente praticado. Não
acho isso um problema quando falamos de bancos e outros exploradores. O
problema é que em muitos casos as dívidas são com pessoas, pequenos
comércios e grupos que prestam grandes serviços e nunca veem a cor do
dinheiro. Para quem quiser pesquisar mais sobre isso, procurem saber
sobre os fornecedores do Congresso Fora do Eixo de 2011, em São Paulo.
Muitos trabalharam dias intermináveis e não viram a cor do dinheiro ou,
quando viram, foi com meses (e até anos) de atraso.
Referência:
docs.google.com/spreadsheet/ccc?key=0AuM5CWR9wqdUdEtuaE5KM21xUUNlYjBNb2ZuWW9Gd0E#gid=11 - [download]
(Busquem falar com fornecedores: Kit Ecológico e Fornecedor EVA, por exemplo.)
- Se envolver dinheiro,
esteja preparado para não receber: é recorrente e, se você não for
alguém realmente importante, caso negocie receber dinheiro do Fora do
Eixo, esteja preparado para não receber ou demorar muito tempo e muito
esforço para tal.
- Os números são sempre
maiores do que são de verdade: devido à constante vontade de crescer,
os números sempre são maiores, muito maiores. 200 coletivos?
Provavelmente não devem ter 100 ativos. Não que seja pouco, mas a gana
por parecer grande faz eles optarem sempre por inflar os números.
II. De fora para dentro
Já no que tange à organização interna da
rede, entendo que os principais problemas, já relatados em maior ou
menor intensidade em outros comentários, seriam:
-
Falta de transparência (ou transparência é só para os mais fracos):
esse provavelmente é um dos pontos mais críticos do Fora do Eixo.
Conforme você sobe na pirâmide de poder, mais transparência é cobrada
pelos que estão acima de você. Você deve compartilhar tudo que está
acontecendo, o que está sentindo, com quem está conversando, tudo.
Porém, a prática não funciona no caminho contrário, as decisões de fato e
tudo que permeia a alta cúpula ficam limitadas a ela mesmo, inclusive
com uma escala de poder interno, onde, imagino, mesmo entre eles não é
tudo compartilhado. O topo da pirâmide, Pablo Capilé, não precisa se
justificar de nada que faz, como por exemplo quando faz retiradas do
caixa coletivo. Outras questões mais sensíveis, com por exemplo pautas
de reuniões e suas decisões, também são decididas sem transparência e
levada apenas para ratificação pelos que estão abaixo da estrutura de
poder (a maioria das vezes quem não está na cúpula não percebe isso).
- Hierarquia: a
construção de um movimento coletivo e em rede é algo extremamente
difícil. E tem que ser. Diferentes pessoas, diferentes realidades. Um
dos principais pontos que é sempre levantado como glória do Fora do Eixo
é a organicidade da rede, como todos estão fortemente conectados e as
ações são feitas em bloco. Tudo isso só é possível, infelizmente, devido
a um esquema fortemente hierarquizado, principalmente quando estamos
perto da cúpula. Nenhuma decisão que seja de importância para o Fora do
Eixo é tomada sem antes consulta da cúpula, e sem o ok dela. A
estrutura é bem truncada e deve ser seguida. Por exemplo, a Laís Bellini
era subordinada à Carol Tokuyo; tudo que a Laís fazia devia ser
relatado à Carol; se a Carol achasse que era necessário, reportava às
suas superioras (Marielle e Lenissa, e possivelmente ao Pablo). Esse
ponto da hierarquia abre brechas para situações onde você não pode
questionar nada de quem está acima de você, e este tem direitos
especiais (como, por exemplo, não precisam cuidar de nada da limpeza da
casa coletiva, não precisam cozinhar, não precisam justificar gastos,
não precisam planejar e comunicar as ações, entre outros absurdos). Ou
seja, a coletividade acaba ocorrendo só nos níveis mais baixos.
- Quanto mais perto da
cúpula, menos sentimentos reais: a cúpula do Fora do Eixo é fria. Pode
não parecer para muitos (e novamente isso varia de acordo com quem é
você e como está sua relação com a rede). No processo de “treinamento”
para se tornar membro dessa cúpula existe um forte treinamento para
suprir toda a manifestação sentimental. Não se deve exprimir seus
sentimentos (principalmente se eles forem tristeza, dúvidas e cansaço).
Teve um dia difícil, quer chorar? Vai para o banheiro, chore e limpe o
rosto para ninguém perceber. A imagem é mais importante. Esse ponto é
tão fortemente pontuado pelas lideranças que, para demonstrar que eles
são felizes e pessoas normais, são cobrados a darem testemunhos no
facebook, falar da #VIdaFDE e como amam tudo aquilo, postar fotos, etc.,
etc., etc. Para quem está almejando alcançar mais poder no Fora do
Eixo, constantemente terá as lideranças tentando se aproximar,
demonstrando afeto e amizade; porém, qualquer coisa que diga ou
compartilhe nesses momentos pode ser e será usado contra você em
momentos de discordância ou de dúvidas (não há dúvidas em quem está na
liderança).
-
A imagem é mais importante: já até disse isso no ponto anterior, mas no
Fora do Eixo a imagem é mais importante. É mais importante parecer
legal, descolado, hype, feliz, revolucionário, do que ser de fato. Isso é
algo que não é fácil de perceber, mas, para quem tem acompanhado outros
relatos, pode encontrar facilmente. Hoje, boa parte dos esforços da
cúpula estão em fazer o Fora do Eixo parecer ser grande e importante. E
isso está em tudo. Nas parcerias que faz, nas fotos que tira, no que se
posta no facebook. O tempo todo. Todo o tempo. Postando no facebook e
cobrando todos os subordinados de postarem e curtirem e compartilharem.
- A velocidade é mais
importante: o Fora do Eixo é rápido. E não importa o que custe. Não há
espaço para ócio. Não há espaço para dúvidas. Não há espaço para
questionar. O importante é ser rápido.
- O caixa é coletivo,
mas nem tanto. O caixa coletivo é algo realmente muito interessante que
existe em vários coletivos do Fora do Eixo. Porém, quando estamos na
cúpula (Casa Fora do Eixo de São Paulo), ele não é tudo aquilo que se
esforça para parecer. O dinheiro disponível é só parte do que existe,
que é controlado por apenas 1 pessoa. Não são todos que precisam
justificar seus gastos, Pablo e Felipe, por exemplo, fazem saques do
caixa e não se dão ao trabalho de dizer a ninguém.
- Os fins justificam os
meios: isso não é dito no Fora do Eixo, mas é altamente praticado.
Vários comportamentos da alta cúpula são justificados dessa maneira. O
Pablo não tem tempo de ser legal com todo mundo? Ah, é porque ele tem
muitas responsabilidades e não tem tempo para isso. Ah, a Lenissa não
entra na divisão de trabalho da casa? Ela já trabalhou bastante no
começo, agora precisa fazer coisas mais importantes. E por aí vai.
- Assédio moral: textos
como o da Laís apresentam bem esse ponto, só vou pontuá-lo, pois é algo
que acontece diariamente. Xingamentos pelo gtalk e até mesmo em
público, os chamados “choque pesadelo”, são ferramentas utilizadas
comumente na formação dos líderes do Fora do Eixo.
- E a verba pública?
Bem, ela existe de fato. Não acho que é um problema sério, visto que é
realmente pouco dentro do montante dos esforços e custo do Fora do Eixo.
No fundo, a impressão que eu tenho, pelo que vivi e acompanhei de
dentro, é que boa parte dos recursos vem de fontes pulverizadas: entrada
de eventos, cachês não pagos a artistas (tentem buscar as bandas que
tocaram no Cedo e Sentado em São Paulo, e quantos destes
receberam. Toda a grana que deveria ter ido para eles foi para o caixa
coletivo do Fora do Eixo), ajuda de pais de membros (os pais do Felipe
Altenfelder de tempos em tempos faziam contribuições, assim como outras
menos diretas como compra de computadores), entre outras. No meio de
vários pontos acho que a verba pública não era um grande problema.
Como disse no começo, essa análise é
focada na cúpula do Fora do Eixo. Muitos coletivos ligados ao Fora do
Eixo desconhecem e não praticam a maior parte desses pontos, porém
existe um processo de doutrinamento gradual que ocorre, a medida do
tempo que está no Fora do Eixo e sua vontade de ganhar mais “lastro” e
poder.
Relato retirado de Fora do Eixo Leaks. As ilustrações que acompanham o artigo foram escolhidas pelo Passa Palavra
Fonte: Passa Palavra
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