PICICA: "Antes de tudo, é preciso colocar o problema que se sucede. O que é uma sociedade? Pois bem, sociedade, como modo de organização coletiva humana, é algo relativamente novo. É uma criação da modernidade. Antes disso, sociedade era sinônimo de sociedade mercantil-empresarial. Ela não existe realmente, mas sim como construção imaginária -- de um tipo bem particular, aliás; ela pertence ao imaginário de uma burguesia ascendente que vê, não por acaso, a universalização do contrato e a relação humana na forma social uma nova ordem, isto é, a sua ordem."
Resistência e Nova Composição Social do Brasil Atual
Minha fala no Primeiro Encontro Internacional de Política, Trabalho e Território em Salvador, no campus da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA.
Nova Composição Social só pode ser Resistência!
Antes de tudo, é preciso colocar o problema que se sucede . O que é uma sociedade? Pois bem, sociedade, como modo de organização coletiva humana, é algo relativamente novo. É uma criação da modernidade. Antes disso, sociedade era sinônimo de sociedade mercantil-empresarial. Ela não existe realmente, mas sim como construção imaginária -- de um tipo bem particular, aliás; ela pertence ao imaginário de uma burguesia ascendente que vê, não por acaso, a universalização do contrato e a relação humana na forma social uma nova ordem, isto é, a sua ordem.
Uma composição de classe é, como sempre foi, uma cartografia de tecido de lutas em meio à fantástica justaposição de grupos, blocos, arcaísmos sintetizados na forma sociedade. Não existe jamais uma situação na qual, digamos, classes pactuam uma (co)existência pacífica. Os eventuais pactos de classe são como o direito de guerra. Classes estão em atrito permanente. Sua existência é luta, como diriam Negri e Thompson.
Essa multidão emergiu das novas formas de integração e relacionamento oriundas da revolução das comunicações, que antes de ser tecnológica, é também política. A multidão, nesse sentido, é sim conceito de classe. O capital a captura. E precisa ser flexível para captura-la, eis aí o dito neoliberalismo. A multidão se impõe politicamente, como sempre o fez pela história, embora desta vez tenha uma conotação diferente, porque ela é a própria forma que se insurge contra a ordem do capital -- impessoal, corporativo...
A qualificação política da multidão no capitalismo cognitivo ocorre na forma de irrupções, ocupações de praças públicas e quetais. É a própria cara do mundo insurgente, pelo menos desde de 2011, com o pipocar insurgente face à economia de crise, modo definitivo que o neoliberalismo tomou nos dias atuais. O que não quer dizer que, a exemplo da própria luta da classe trabalhadora, não tenha problemas, dificuldades e suas impotências na forma de perturbações de ânimo.
Hoje, face as manifestações que assistimos pelo Brasil, não é o caso de dizer que a multidão chegou ao Brasil, como se ela fosse um gadget ou uma nova moda. É certo que é mostra da pós-modernização do capitalismo brasileiro e os novos contornos da produção e resistência. Genericamente, é o que vivemos. Mas a problemática brasileira atual comporta algumas nuances importantes que merecem ser sublinhadas.
A primeira, é como as políticas do governo Lula abalaram a ordem social clássica do país, na qual o contrato social diz respeito à manutenção de uma herança escravagista, colonizadora e opressora em um grau acentuado. O resultado da melhoria de vida material de negros, pobres, mulheres criou uma enorme classe sem nome, cujo movimento é de uma ascensão selvagem. A classe não tem nome, porque se recusa a tê-lo, ela é ela e nada mais e identidades só servem, afinal de contas, para o poder nos dar ordens. O ser da classe sem nome não é o da existência, mas da re-existência.
A segunda, é a própria termidorização do Petismo na forma do Governo Dilma. Se aquele que foi, ou talvez ainda seja, o principal canal político brasileiro por onde correram os fluxos livres nas últimas décadas, fecha-se, temos uma grande e abundante barragem pronta a estourar. É o que se vê no presente governo Dilma, no qual, apesar do fortíssimo apoio dos movimentos sociais à sua candidatura em 2010, o governo se fecha, abrindo mão da política em nome da macroeconomia -- e a macroeconomia não é senão a Lei da Casa Grande. As alianças do PT são cada vez mais
confusas e traumáticas, implodindo o vínculo ético que o sustenta.
O quadro atual é justamente isso. Uma classe sem nome que ascende de forma selvagem, empurrando a velha classe média. Pelos versos e perversos essa classe média se barbariza. São doces bárbaros ou não. Black Blocs e coxinhas de jaleco coexistindo. Quanto mais se universaliza a condição de classe média, pior ela se torna. A velha classe média e mesmo os setores já médio-classificados em revolta.
O típico homem médio, o homem da vontade de segurança e do desespero. E é tanto desespero e tanta vontade de segurança que o processo desagua, não por acaso, também em uma iconoclastia anti-policial, o que contradiz o próprio fetiche policialesco da nossa época e da nossa cultura. Se a atualização do medo leva à luta, por não se ter nada a perder, a atualização da segurança leva a atacar com força tudo que está aí, nos interditando, para “o nosso bem”. A nova composição social brasileira é resistência, só pode ser resistência, senão corre-se o risco de auto-esquecimento.
Fonte: O Descurvo
Nenhum comentário:
Postar um comentário