agosto 26, 2013

"Loucura e civilização", por Ana Marta Lobosque

PICICA: Desde 2003 sonhava em trazer Ana Marta Lobosque ao Amazonas. Nem como Coordenador de Saúde Mental do Estado do Amazonas, tampouco como Pro-Reitor de Extensão da Universidade do Estado do Amazonas consegui por em prática a intenção. Dez anos depois devo ao Juiz Luis Carlos Valois, da Escola de Magistratura do Amazonas (ESMAM), a materialização do desejo de por meus conterrâneos em contato com uma das mais brilhantes intelectuais da Luta Antimanicomial brasileira. Meu profundo agradecimento ao Juiz Luiz Carlos, extensivo ao Dr. Flávio Pascarelli, atual titular da ESMAM. À Ana Marta um carinhoso abraço deste militante antimanicomial, e a gratidão por disponibilizar generosamente o texto da sua conferência.


 
Loucura e civilização



O homem, estranho animal


O título desta conferência - Loucura e civilização - foi escolhido para propor-nos a seguinte questão: o que seria uma maneira civilizada de lidar com a loucura? Noutras palavras, como seria uma civilização onde a loucura pudesse encontrar algum cabimento, sem reagirmos a ela através de seu silenciamento e de sua exclusão? Esta é uma questão essencial para o movimento antimanicomial.

Contudo, antes de chegar ao tema do movimento, começaremos nossa exposição por algumas notas sobre a civilização e a loucura.


A civilização, ou a cultura, é uma construção humana, muito diferente das associações que encontramos entre os animais. Das formigas aos búfalos, numerosas espécies animais levam uma vida associativa. O que veio a instituir, porém, a crucial diferença entre as associações animais e a civilização humana, e como tal civilização chegou até  o ponto em que hoje se encontra?

Certamente, o fato de que o ser humano tenha um cérebro muito mais desenvolvido do que os de outros seres vivos contribui de forma decisiva para esta diferença. Entretanto, o cérebro de um homem da Idade da Pedra Polida não era mais complexo do que o de um homem moderno - e, no entanto, que enorme distância existe entre as primeiras civilizações e esta em que vivemos! 


Quando pensamos nas características primeiras da civilização, e na direção de seu caminho, geralmente enfatizamos as conquistas tecnológicas: da coleta à caça, das pequenas aldeias às grandes cidades, do trabalho braçal ao emprego da máquina. Sem dúvida, a espécie humana passou por um longo e significativo desenvolvimento cognitivo que transformou e ampliou enormemente o seu mundo, com a produção crescente de novos utensílios, produtos, objetos e bens. Todavia, como vimos, não é  a um progresso da composição neuronal humana que devemos atribuir as causas de tão drásticas mudanças. A evolução intelectual do homem está intimamente associada não à  constituição de laços sociais que lhe são próprios. E estes laços, por sua vez, dependem de algo que é também exclusivo da espécie humana:  a saber, a constituição de um conjunto de regras e proibições a obedecer.


Estas regras e proibições, por primitivas que sejam, impedem que os homens sigam aquilo que seus instintos lhes ditam naturalmente. Mesmo em associações animais que nos impressionam pela sua organização - pensemos, por exemplo, nas abelhas - a ação de cada indivíduo se faz de forma tal que cada um deles não faz senão o que lhes determinam os seus instintos. O mesmo vale tanto para uma manada de antílopes como para a vida social de um galinheiro. 


No caso do homem, a diferença é visível. Aquilo que não se pode fazer e aquilo que se deve fazer não é determinado pelo instinto puro, e sim por um sistema de regras, que a própria espécie não escolheu deliberadamente, mas, por assim dizer, inconscientemente inventou. Abordaremos aqui dois pensadores que se interessaram pelo surgimento dessas regras já nos os primórdios da civilização: Nietzsche e Freud. 


O adiamento e a restrição da satisfação dos instintos é indispensável para a civilização, nos diz Nietzsche: só assim o homem deixa de ser um “prisioneiro do instante” para adquirir uma “memória do futuro”, instalando-se na dimensão temporal do projeto e do empreendimento.Desta maneira, ou seja, impondo limites aos próprios apetites, é que ele aprende a prever, calcular, comparar, medir: a aquisição das capacidades intelectuais humanas está, portanto, ligada à instituição de algo que é da ordem de um “não pode”, imposto não pela natureza, mas pela cultura.


Sempre segundo Nietzsche, quando as tribos humanas passam a viver num regime pacífico e sedentário, a satisfação pulsional dos indivíduos encontra limites muito severos. O filósofo aborda em especial as vicissitudes sofridas pelo instinto agressivo. Embora impedido de obter uma descarga direta, nem por isso este instinto deixa de exercer pressão para descarregar-se; necessita, pois, de encontrar formas indiretas e subterrâneas de satisfação. Um passo indispensável para tal teria sido, em primeiro lugar, uma inversão da direção do instinto, através da qual o indivíduo toma-se a si mesmo como objeto da própria agressividade. Uma vez feita essa inversão, o homem já não habita seu próprio corpo com a naturalidade de um animal: sofre de si, torna-se descontente consigo mesmo. Incorporando em si próprio as exigências inicialmente impostas por outrem, ele agora, cada vez mais, sentirá um inconsciente desgosto por si mesmo não só quando não as cumpre, mas também por supor que jamais estará à altura de cumpri-las devidamente. Prepara-se assim o terreno para um elemento constitutivo de nossa civilização, qual seja, o sentimento inconsciente de culpa. 


Ora, para que o homem incorpore ordens e  limites em si mesmo, é preciso que ele se construa um “dentro” antes inexistente: um "dentro" psíquico. Dataria daí, portanto, segundo Nietzsche, o surgimento do espaço interior que chamamos de psiquismo, mente ou alma, onde se desenrolam esses peculiares processos da repressão dos instintos e da auto-punição. O homem, que antes vivia por assim dizer à flor da pele, cava um buraco em si mesmo; adquire uma vida interior, rudimentar a princípio, mas que se alarga e se aprofunda à medida em que a civilização avança. Este psiquismo, observe-se bem, será sempre, em sua quase totalidade inacessível ao nosso auto- conhecimento; apenas na sua superfície cria-se uma delgada camada de consciência e razão, que erroneamente identificamos com a totalidade da nossa vida mental. 


Contudo, algo de problemático para os rumos tomados pela civilização encontra sua origem aí. O problema não reside tanto nessa inversão primeira na direção do instinto agressivo, pois, na sua ausência, jamais introjetaríamos certas interdições essenciais à vida civilizada.. Reside, sobretudo, na exploração que certos ideais morais, religiosos jurídicos, farão futuramente dessa inversão: irão utilizá-la para fazer do homem uma criatura atormentada por uma culpa sem reparação possível, que se compraz na acusação: acusa-se a si mesmo, acusa os demais, acusa a existência, extraindo  ademais um prazer lascivo da dor que  desta maneira se inflige 


Por este mesmo movimento em que os homens instituem em si mesmo o embrião de uma “consciência moral”, o processo civilizatório busca uniformizar os indivíduos, no sentido de fazê-los pensar, desejar e agir segundo uma mesma e determinada maneira. Até certo ponto, esse movimento de uniformização é culturalmente necessário, pois os homens devem assemelhar-se entre si o suficiente para tornar possível qualquer realização em comum. O problema, mais uma vez, é que esta imposição de uniformidade se faz extrema, tornando  penosa a condição daqueles indivíduos que, por excesso de fraqueza ou força, não são facilmente uniformizáveis. Estes “originais”, que não se inserem no lugar demarcado na ordem do grupo a que pertencem, são postos à sua margem, seja como delinquentes ou santos, como  loucos ou como heróis.


Nietzsche, e também Freud, percebem ainda que a imposição de prescrições e proibições crescentes ao homem só é possível em virtude da enorme plasticidade de seus impulsos - que guarda relação, diga-se de passagem, com a versatilidade quase infinita dos objetos que produz e da linguagem em que habita. O instinto agressivo, por exemplo, não só se volta contra o próprio indivíduo, mas pode sofrer transmutações as mais diversas, sancionadas pelo grupo social. A agressividade nua e crua pode satisfazer-se, por exemplo, através da prescrição socialmente admitida dos castigos. O mesmo constatou Freud a partir do instinto sexual: a vontade nua e crua de sugar e engolir, necessidade nutricional do bebê que logo se erotiza ao mesclar-se à relação amorosa com o seio da mãe, pode, na criança maior ou no adulto, satisfazer-se pela compulsão em comer; ou, pode também, acoplada ao instinto agressivo, punir-se a si mesma através de uma anorexia. O prazer sensual que a criança pequena encontra em brincar com seus excrementos pode mudar-se em seu contrário, ou seja, em preocupação mais ou menos obsessiva com a limpeza. O amor de cunho sexual que dirige aos seus primeiros objetos - pais, irmãos, etc -, sendo proscrito, desvia-se para outras pessoas, inclusive, como no caso do narcisismo, tomando por objeto o próprio eu; pode também ser inibido em sua finalidade, transformando-se em laços de amizade e companheirismo - e assim por diante. Embora não possamos aqui citar um grande número de exemplos, podemos facilmente imaginar quão numerosas e variadas são as formas pelas quais tantos gostos, hábitos e características de um indivíduo ou grupo substituem, na verdade, instintos cujo objetivo inicial é bem mais grosseiro e cru.

Nietzsche faz ainda uma constatação muito curiosa sobre as proibições e prescrições: o seu conteúdo parece ser secundário ao fato de sua existência mesma. A necessidade de leis é que é universal, e não o conteúdo delas. Este conteúdo, afinal, varia extensamente, sendo possível a maior diversidade entre os costumes, as regras, os valores morais, segundo as diferentes épocas e culturas. Tampouco é um conteúdo ditado pela racionalidade, pois as proibições não precisam ser razoáveis ou úteis, e muitas vezes não o são. Os tabus, por exemplo, formas primitivas de interdição frequentemente citados por Freud e Nietzsche, proíbem supersticiosamente coisas que nos parecem inteiramente supérfluas: por exemplo, é vedado aos kachandalas, sob pena de morte, limpar a neve de seus sapatos com uma faca... Em seus primórdios, diz Nietzsche, a tradição não ordena o que é útil; ela simplesmente ordena, mantendo, pelo seu próprio poder de ordenar e fazer-se obedecer, a coesão do grupo e a uniformidade entre seus membros. Podemos supor que certas proibições socialmente úteis, como o “não matarás”, não teriam surgido se não fossem precedidas por outras, supersticiosas e irracionais, mas que adestram o homem no exercício do auto-controle e da obediência. Portanto, na base da aparente racionalidade dos nossos sofisticados sistemas morais e jurídicos, encontra-se essencialmente uma disputa por mando e obediência - uma disputa de poder.

Freud, todavia, destacou uma única proibição de caráter universal, não mencionada por Nietzsche: a interdição do incesto, presente em todas as culturas conhecidas, das mais primitivas às mais avançadas. Paradoxalmente, porém, a universalidade única  desta interdição não fundamenta tampouco  a sua racionalidade ou a sua utilidade. Não pode ser explicada pela existência de uma aversão sexual natural entre os membros de uma família, pois, ao contrário existe entre eles uma atração maior, que a proibição do incesto, justamente, vem controlar. Tampouco se justifica pelos riscos genéticos da endogamia: as tribos primitivas não teriam como perceber estes riscos, constatáveis apenas, do ponto de vista epidemiológico, quando temos por objeto uma população muito numerosa. Freud julga constatar os efeitos desta proibição no âmbito da clínica, nos sonhos, nos sintomas, enfim nas produções inconscientes, que guardariam a marca do famoso Complexo de Édipo Lévi-Strauss, já em meados do século XX, irá abordar em profundidade, do ponto de vista dos estudos antropológicos, a intrigante questão da proibição do incesto, que obriga a cultura humana, e ela apenas, a constituir sistemas de parentesco nos quais alguns intercâmbios sexuais são permitidos, e outros não. Contudo, apesar das extensas  investigações clínicas e antropológicas, persiste o caráter enigmático dessa interdição que atinge a todos, embora não se possa entender objetivamente qual o perigo representado por sua transgressão.

Para concluir esta primeira parte, recapitulemos: o homem é o único animal que necessita limitar e modificar a forma natural de satisfação dos seus instintos: investindo esta enorme reserva de energia em formas indiretas ou substitutivas de satisfação é que ele cria e desenvolve a sua cultura. No movimento pelo qual a vida civilizada maneja a inversão da direção da agressividade do homem contra si mesmo, e, ao mesmo tempo, exige uma crescente uniformidade nos seus padrões de conduta, encontramos impasses que desafiam o percurso da nossa civilização.


O mal estar da civilização: os ideais e seus impasses


O último item mencionado na parte anterior leva-nos a examinar a condição denominada por Freud como mal estar da civilização.


Ao tratar desse mal estar, Freud observa que o monumental progresso representado pelas conquistas da ciência não nos tornou mais felizes. Das inúmeras fontes de sofrimento às quais estamos sujeitos, tais conquistas nos protegem até certo ponto de algumas: defendem-nos das catástrofes que vêm da natureza, das doenças que minam nosso corpo; oferecem-nos mais segurança e mais conforto. Contudo, em nada amenizam nossa maior fonte do sofrimento: as relações com os outros seres humanos. O fato de que eu possa comunicar-me a qualquer momento com meu parceiro e com meus amigos pela Internet ou pelo celular, ou de que possa transpor rapidamente enormes distâncias para encontrá-los, não apara as arestas do nosso convívio, nem aprimora a sua qualidade. A constituição de sofisticados sistemas legais e jurídicos não impede a sua constante transgressão. Os Estados não conseguem assegurar o direito a políticas públicas essenciais para seus povos, nem o diálogo entre eles evita as guerras; o sistema econômico não impede a exploração do trabalho nem a miséria; a constatação evidente da deterioração ambiental não a impede, e assim por diante. 


O que se passa, pois, nas relações entre os homens, que a civilização cientificamente mais avançada não apenas não resolve, mas parece antes agravar? 


Para dar um sentido à renúncia à satisfação instintual livre e direta que realizamos em seus  começo, a civilização, ao longo dos milênios, levou-nos a construir certos ideais do que é bom e desejável para os indivíduos e os povos - construção que é, também ela, caracteristicamente humana. Estes ideais, também eles diferentes conforme os tempos e as culturas, de certa forma ditam os rumos que uma vida civilizada deve seguir. Mais uma vez, a constituição de ideais em si mesma não é um problema. O problema, observa Freud, é que a repressão instintual exigida dos homens acaba por tornar-se desmesurada, sem que as formas substitutivas de satisfação encontradas mostrem-se suficientes para  a sua compensação. Isso afeta afeta não só as nossas possibilidades de realizarmos nossos ideais, mas também, pode-se dizer, o próprio valor dos ideais que construímos. 


Quanto ao uso e manejo das formas indiretas ou substitutivas de satisfação, em nome da promoção de algum ideal, temos pelo menos quatro limites. Um deles é que o instinto, apesar de sua plasticidade quase infinita, exige, ao menos para a maioria dos homens, uma taxa direta de satisfação. Eis por quê o mais equilibrado e dócil de nós pode cometer, num momento dado, um assassinato; eis também por quê o mais austero e casto pode entregar-se a estranhas práticas sexuais. Isto se dá não só a nível dos indivíduos, mas dos povos e nações. A satisfação direta da agressividade que nos proibimos retorna sob a forma bruta das guerras que executam genocídios, exterminam civis, promovem torturas. A satisfação sexual que procuramos regrar ressurge, por exemplo, no abuso sexual de seres mais fracos, como crianças e mulheres. 


O segundo limite é que, mesmo quando os instintos aceitam satisfações indiretas, muitas delas podem ser extremamente prejudiciais para a promoção de laços satisfatórios entre os seres humanos. Dentre vários exemplos possíveis: um pai de família correto e trabalhador vê no delinquente a encarnação do mal, merecedor do pior maltrato; algumas pessoas investem sua libido na própria imagem, chegando aos extremos mais degradantes de vaidade; as religiões, muitas vezes, impõem padrões morais demasiadamente rígidos, que sobrecarregam os homens por sua impossibilidade de cumpri-los; a obrigação do trabalho ocupa cada vez mais o tempo, e tem cada vez menos sentido para aqueles que o executam. Resumindo, enfim: embora a agressividade e a sexualidade possam encontrar formas inumeráveis de satisfazer-se de forma disfarçada e sutil, muitas dessas formas são maléficas para a cultura, no sentido de que perturbam a convivência já tão difícil por si mesma dos seres humanos entre si. Certamente, formas substitutivas mais férteis podem também operar. Todavia, as formas pelas quais um sujeito encontra suas satisfações substitutivas não são escolhidas por ele próprio, mas determinadas, de forma inconsciente, por sua constituição psíquica - que é, por sua vez, um produto da forma vigente de civilização. 


O terceiro limite consiste numa operação constitutiva da cultura, já examinada, pela qual a agressividade se volta contra o próprio sujeito. Até o momento, pelo menos, o manejo dado a esta inversão levou-nos a interpretar a existência em termos de culpa, acusação e castigo - como mostra o nosso arraigado costume de julgar, vigiar e punir. As diferentes formas de sofrimento mental são exemplos do grau extremo a que isto pode chegar, levando o sujeito, dentre outras condições, à repetição mórbida dos mesmos fracassos, à  impossibilidade de distanciamento simbólico do outro necessária ao laço social, ao uso descontrolado de substâncias que lhes fazem mal, ao suicídio, e assim por diante. Contudo, também as pessoas consideradas normais estão frequentemente insatisfeitas consigo, a acusar-se a si mesmas, consciente ou inconscientemente: veja-se a culpa crônica das mães, que nunca se creem capazes de atingir o terrível ideal de maternidade imposto pela nossa cultura. Ainda, a culpa que o mais empedernido criminoso pode sentir não difere, em suas raízes, daquela experimentada pela adolescente que não consegue emagrecer: em ambos os casos, não cumpriram aquilo que deles se espera e que, pela expectativa da cultura a qual pertencem, igualmente esperam de si mesmos.


Um quarto limite reside na extensão e amplitude do movimento de uniformização. Embora seja até certo ponto, como vimos, necessário à cultura, somos levados a radicalizá-lo, de forma a cada vez mais a nos parecermos uns com os outros, sobretudo no que concerne a desejar as mesmas coisas: somos levados sempre a querer os mais novos objetos produzidos pelo movimento incessante do trabalho humano, sejam eles computadores, celulares, roupas, carros... Ora, esta uniformidade imposta não tem como ocultar, sem causar enorme sofrimento, a singularidade radical própria a cada indivíduo. Como diz Freud ironicamente, nada nem ninguém pode induzir o homem a transformar sua natureza na de uma térmita...


Recapitulando pois, os limites para o emprego das formas substitutivas de satisfação pulsional: em primeiro lugar, a maioria dos homens requer uma taxa direta de satisfação; em segundo, numerosas formas indiretas de satisfação são nocivas à convivência entre os homens; em terceiro, utilizamos de forma abusiva a agressividade que o homem volta contra si para torná-lo cada vez mais culpado; em quarto, forçamos os indivíduos a uma uniformização, que é essencialmente avessa à natureza singular de cada um.


Eis, portanto, o impasse descrito por Freud, que resulta no mal estar da civilização. Se abandonarmos todas as formas de restrição instintual, se nos entregarmos livremente à satisfação dos nossos impulsos, se não interiorizarmos certos limites e valores, se rejeitarmos qualquer forma de ideal, regrediríamos ao estado de barbárie. Por outro lado, se a exigência desta restrição se torna desmedida, sem encontrar formas de compensação que propiciem um convívio mais suave entre os homens, maltratamo-nos inevitavelmente uns aos outros e a nós mesmos, de uma maneira tanto mais perversa quanto mais sutil. 


Mencionamos algumas vezes, nos últimos parágrafos, a palavra “ideal”: devemos agora refletir a seu respeito. A construção de ideais para indivíduos e povos representa, certamente, uma elevada conquista da civilização, talvez a mais elevada delas: mais do que a ciência, mais do que a produção de bens e  riquezas através do trabalho, é crucial que o homem tenha uma meta mais alta para si mesmo,  levando os indivíduos e a humanidade a desejar ser diferentes e melhores do que são.

Todavia, ao longo da história humana, construímos ideais aparentemente nobres e belos,  que se mostraram, todavia, mais perniciosos do que enriquecedores para a cultura. Dentre outros motivos, isto se deva, talvez, à mendacidade presente em sua origem: eles nos mentem, ao tornar incorporada por todos uma visão de mundo que interessa apenas a alguns, mascarando as correlações de força pelas quais certos valores tornam-se prevalentes em detrimento de outros.

Vamos restringir-nos aqui a dois ideais políticos relativamente recentes na história, que dizem respeito à vida pública, embora regulamentando também a vida privada. Entre eles, costuma-se distinguir entre os ideais ditos liberais e os ideais ditos autoritários, que abordaremos aqui de forma bastante simplificada. 


Na origem dos ideais liberais encontra-se a promoção dos valores de igualdade, liberdade e fraternidade, a crença no poder da razão humana,  que data da revolução francesa. São belas palavras, sem dúvida - que entretanto, em última análise, disfarçaram a evidência e o significado da substituição do poder da nobreza pelo da burguesia, essencial ao capitalismo, levando a extremos a exploração do trabalho e a desigualdade da distribuição de renda. Modernamente, este ideal liberal, adaptado aos nossos tempos, preconiza os direitos do indivíduo, de forma correlata ao livre mercado: todavia, o palavreado que pretende defendê-lo não evita nossa imersão no mais grosseiro individualismo, no consumismo desenfreado, na mais passiva indiferença pelo que acontece um pouco além do círculo da nossa vida pessoal. Na grande maioria das ocasiões, termos como liberdade, direitos do indivíduo e outras afins, são empregados apenas como palavras sonoras e ocas, úteis para fazer com que os homens elejam governos cooptados com o poderio econômico, se degradem com os trabalhos mais brutais, ou se satisfaçam com os mais fúteis, se entreguem aos relacionamentos mais superficiais. A tolerância se transforma em conivência e cumplicidade; o cuidado de si, em puro narcisismo; os gestos de solidariedade, em esmolas desdenhosas – e assim por diante. 


Tomemos agora um segundo tipo de ideais: os ideais autoritários ou conservadores. Temos o assombroso exemplo do nazismo, em que o ideal da hegemonia de uma suposta raça pura veio justificar o extermínio aberto e brutal de milhares de indivíduos. Tal exemplo, contudo, não é senão a radicalização daquilo a que todos os ideais autoritários nos incitam. Os sistemas políticos, as religiões, as morais, demasiadamente rígidos, ainda que não o admitam expressamente, visam manter os homens em cega obediência, sem questionar certas ordens que fazem apodrecer nossos laços sociais. Tomemos o exemplo visto em filme recente sobre a filósofa judia Hannah Arendt: acompanhando o julgamento de um nazista responsável pelos trens que enviavam milhares de judeus aos campos de concentração, ele se justificava alegando que simplesmente cumpria ordens de seus superiores. Longe de ser um monstro, uma aberrante criatura do mal, constata Arendt, aquele homem era apenas um burocrata estúpido e banal, semelhante a tantos outros na Alemanha do nacionao-socialismo, cujo ideal tinha como valor supremo a obediência das ordens vindas de cima. Naturalmente, isto não o isenta do que fez; mostra-nos, contudo, até que ponto agir mal, muito mal, pode consistir essencialmente em recusar-se a questionar o mérito e a pertinência das leis a que obedecemos. 


Embora sejam distintos politicamente, estes dois tipos de ideal podem ter em comum algumas causas e efeitos muito semelhantes. Quanto à sua origem, já nos referimos à falsidade que os constitui:  procuram, ambos, como a grande maioria dos ideais até hoje existentes,  esconder dos homens o fato de que as correlações de força e poder são aquilo que produz o mundo tal como é, e convencê-los de que basta serem trabalhadores, bem comportados e cumpridores da lei em sua vida privada, para que o mundo se torne melhor. Quanto aos seus efeitos, alguns são também parecidos.  A valorização extrema dos direitos do indivíduo do ideal liberal, paradoxalmente, uniformiza cada vez mais os homens, através de uma exigência de normalidade e adaptação aos padrões de conduta vigentes; tal padronização pode ter feições bastante diferentes, mas um fundo muito parecido com aquela também imposta pelo ideal autoritário. Mas, sobretudo, tanto um como o outro têm o seu avesso, o seu refugo, por assim dizer: deixam atrás de si, de forma mais ou menos óbvia, uma vasta gama de exclusões e segregações, julgamentos e castigos – como veremos, mais adiante, a respeito do tratamento preconizado à loucura.


No que concerne aos ideais, e ao mal estar da civilização relacionado a eles, temos, portanto, um impasse.  Certos ideais já se mostraram incapazes de guiar-nos, pela enorme quantidade de lixos e restos que deixam atrás de si. Contudo, o homem não pode viver sem ideal algum, sem algum projeto ético que dirija a prodigiosa energia reprimida de seus instintos para outros fins. A cultura não poderia convencê-lo, nem mesmo obrigá-lo a não agir pura e simplesmente como um bárbaro, se não lhe oferecesse algum ideal, se não justificasse de alguma forma o sentido de sua existência na busca de alguma coisa acima de si.


Entretanto, os ideais criados até agora se mostraram incapazes de fazer prevalecer os valores que apregoam - pelo contrário, fazem assomar, de uma forma ou de outra, a irracionalidade e a barbárie que supostamente viriam combater. Portanto, como final desta segunda parte, fica a questão: seria possível a invenção de outros tipo de ideais, fundado numa transvaloração dos valores existentes? Como poderíamos criar e sustentar ideais que, ao invés de ameaçar a nossa vida civilizada, pudessem torná-la mais viva, mais promissora e mais fecunda?



Movimento antimanicomial: um outro  ideal possível?


As duas segundas partes trataram de questões mais abstratas, aparentemente alheias ao tema deste seminário, que versa sobre a política antimanicomial. Nesta terceira, pelo contrário, pretendo abordar o tema proposto,  começando por coisas bem concretas que vi e vivi no contato com o sofrimento mental ao longo de muitos anos -  para depois tentar estabelecer algumas relações entre elas e aquilo de que tratamos s até agora. 


Pois bem: vi milhares de pessoas às quais se atribuía o diagnóstico de algum transtorno mental trancadas em hospitais psiquiátricos, sem qualquer outra possibilidade de vida e tratamento. Vi  seu abandono e  sua solidão, vi sua vontade esmagada, seus gostos ignorados, sua privacidade, proibida, suas palavras, silenciadas. Eu os vi sem um momento para si mesmos, obrigados ao cotidiano imutável das refeições insossas e escassas; dos banhos de mangueira ou em banheiros sem portas; ao ócio em pátios malcheirosos; circulando apenas por alas estéreis e vazias cercadas por muros,  sem amigos, sem família, quase esquecidos do que é andar pelas ruas e viver na cidade. Eram oitenta mil brasileiros  vivendo assim, no final dos anos 70. Contudo, cerca de 30 mil, ainda hoje, podem ser vistos em condições que não são essencialmente distintas destas, nos hospitais psiquiátricos ainda existentes no país.


Eu vi e vejo, ainda hoje, centenas de crianças, adolescentes, adultos, que vivem em favelas e em ruas, usando de forma descontrolada o álcool, a cocaína, o crack, despossuídos de quase tudo o que é essencial à vida humana: moradia e alimentação decentes, presença familiar e social, laços afetivos, inscrição na cultura. Eu os vejo brutalmente retirados das ruas onde circulam em nome da limpeza da cidade, da moral e dos bons costumes; também, em nome desse mesmo higienismo,  levados à sua revelia para instituições fechadas, que ferem seus direitos mais elementares, e impõem pregações religiosas que pretendem convertê-los... mas convertê-los em quê, senão em humildes servidores de uma civilização que os abomina e exclui? 


Mas não vi apenas coisas tão obviamente cruéis; há outras de crueldade idêntica, embora mais sutil. Vi e vejo, também, em nome da ciência, milhares de pessoas diagnosticadas e medicalizadas como portadoras de transtorno mental, quando não experimentam senão aqueles problemas relacionados à dor de existir, sobretudo a certas maneiras de existir: pessoas com histórias de vida dolorosas, mulheres destratadas por seus maridos, gente que já não suporta mais o seu trabalho, crianças que não se adaptam bem às regras da escola, todos eles rotuladas de deprimidos, bipolares, hiperativos, submetidas a baterias de testes que avaliam seu grau de “normalidade”, medicadas com fármacos de que não necessitam e lhes fazem mal. 


Ora, o que representam estas formas ostensiva ou disfarçadamente cruéis de trato da diferença e do sofrimento psíquico do outro, senão o avesso ou o refugo dos nossos ideais? Estes ideais revelam a sua cegueira diante dos efeitos nefastos que geram; instituem as formas socialmente aceitas, porém não menos nocivas, pelas quais as pessoas são incitadas a exercer mais ou menos veladamente a sua crueldade, em nome do bem.


Entretanto, vi e vejo, também, o fantástico movimento que vem subvertendo esta lógica do trato com a loucura, a diferença e a exceção. Vi, e vejo, trabalhadores se recusarem a tratar as pessoas desta maneira, lutando pelo tratamento humano dos portadores de sofrimento mental. Vi, e vejo, os próprios usuários e seus familiares retomando o exercício da palavra e da ação, tornando-se, também eles, protagonistas desta luta. Viajei com caravanas de usuários, familiares e trabalhadores pelo Brasil inteiro, para encontros, seminários, conferências - e lá os ouvi, novamente investidos da própria dignidade, denunciando os maus tratos sofridos, e exigindo os direitos que lhes cabem. Vi, e vejo, os poucos primeiros CAPS em funcionamento e os quase dois mil existentes hoje; os centros de convivência; as moradias protegidas, as cooperativas de trabalho, o atendimento ao portador de sofrimento mental na atenção básica, os consultórios de rua. Vi e vivi os efeitos inusitados promovidos pelo cuidado em liberdade, através da singularização dos projetos de vida, do afeto, dos empreendimentos em comum. Vi não apenas a criação de serviços novos, mas sua articulação em redes que se difundem pelo território, para atender aos diversos momentos e necessidades da trajetória do portador de sofrimento mental. Vi e vejo a luta árdua e persistente pela implantação do Sistema Único de Saúde, através do qual, e apenas através do qual, os princípios da Reforma Psiquiátrica podem gerar uma política pública voltada para toda a população. 


Vi e tenho visto muito mais coisas, tristes e alegres, também inesquecíveis; mas não posso alongar-me recordando-as aqui. Gostaria apenas de sublinhar, inicialmente, que todas estas lutas e todas estas conquistas nascem e se nutrem de um movimento que se caracteriza por sua condição de movimento social. Elas não foram criadas por nenhum governo, nenhuma instituição, ainda que alguns governos e instituições tenham, em maior ou menor grau, ajudado a promovê-las. Remetem-nos a um movimento essencialmente desinstitucionalizado, horizontal, descencentralizado, combativo: o movimento antimanicomial. E esses aspectos do movimento nos levam a um modo diferente de pensar e fazer política, que guarda, talvez, relação com um certo e novo ideal. 


O movimento antimanicomial tem uma palavra de ordem muito cara aos seus militantes: “Por uma sociedade sem manicômios”. Ora, quem sabe, esta palavra de ordem não nos remeta, em última análise, a um ideal, um ideal de civilização - e convide-nos a apostar na possibilidade de criar ideais essencialmente diferentes daqueles criticados na segunda parte desta exposição.


De que maneira a palavra de ordem de um determinado movimento social pode participar de um ideal para a civilização? Não poderia fazê-lo caso pretendesse apenas o fechamento dos manicômios e a garantia de uma assistência qualificada aos portadores de sofrimento mental: este objetivo, por importante que seja, não tem o estatuto de um ideal civilizatório. Contudo, a construção de uma sociedade sem manicômios, embora pretenda, inegavelmente, não mais aprisionar os loucos em instituições fechadas, nem medicalizá-los para que vivam em aparente liberdade, não se reduz de forma alguma a isto. Pretende, sobretudo,  desconstruir as relações manicomiais que os homens estabelecem consigo mesmos e com os outros - ou seja, aquelas relações pautadas pela tutela, pela normatização, pela culpabilização, pela submissão, presentes, de uma forma ou outra, nos ideais que examinamos. 


Embora em ruptura com aqueles que o antecedem, este outro ideal talvez possível busca resgatar o poder de palavras esvaziadas  por aqueles as empregam sem nelas acreditar, ou seja, visa realmente fundar na liberdade, na igualdade, na solidariedade, na generosidade, um projeto distinto de civilização, cujos ideais não enganem os homens nem os obriguem a enganar-se a si mesmos; que não disfarce ou denegue nossa condição de animais, com instintos intensos e brutais, mas nos faça avançar a partir dela, apesar de inevitáveis retrocessos; que, não sendo frouxo como o ideário liberal individualista, nem implacável, como o ideal autoritário, mostre-se ao mesmo tempo flexível, porém exigente. 


Aqui, a liberdade não é entendida no velho sentido do livre arbítrio, segundo o qual somos livres em nossas escolhas e, por conseguinte, culpados por elas; afinal, as escolhas aparentemente livres de cada indivíduo na verdade se inscrevem ma longa série causal histórica, social, política, pessoal, que as determinam. A igualdade não se confunde com a uniformidade de pensamentos e conduta. A solidariedade não coincide com o mandamento absoluto do amor ao próximo  como a si mesmo.  O valor da liberdade, tal como o entendemos, resulta da percepção de que o julgamento moralizante, as imposições, a exigência de subserviência e passividade, acabam sempre por mostrar-se inviáveis na promoção do convívio. O valor da igualdade provém justamente do reconhecimento de que os indivíduos são radicalmente diferentes entre si - e uma certa necessidade de uniformização culturalmente necessária só pode operar bem ao preservar no próprio seio da cultura a margem indispensável à singularidade de cada um. O valor de solidariedade não pretende suprimir os sentimentos hostis que, humanamente, muitas vezes sentimos uns pelos outros, mas convida-nos a superá-los, colocando, na medida do possível, a força utilizada em seu domínio a serviço dos laços de respeito e cuidado mútuos indispensáveis à cultura.


Nas referências a este novo ideal, utilizamos sempre o advérbio “talvez”, pois nada nos garante a possibilidade de criá-lo; somos formados por outros, cujo profundo enraizamento na civilização pode eventualmente paralisar nossa capacidade de escapar a eles. Sustentamos, porém,  o desejo desta ruptura e a  decisão dessa aposta.


Para tanto, é indispensável não fingir desconhecer as correlações de força que constituem todo ideal. Este que tentamos construir as reconhece, e toma partido em seu jogo: procura identificar e favorecer as forças mais vivas e criadoras, combatendo aquelas outras que nos engessam e apequenam. Neste sentido, a palavra de ordem “por uma sociedade sem manicômios” aponta para um ideal que não é apenas o do movimento antimanicomial, mas sim partilhado, creio eu, com outras  lutas políticas e culturais emancipatórias do nosso tempo. 


Há ainda um outro aspecto a mostrar-nos por quê este ideal talvez possível não é apenas o de um determinado movimento social: a loucura nos interpela a todos de forma radical, quando se trata de propor um convívio realmente civilizado entre os homens. Como tudo o que provoca estranheza, ameaça os ideais que criticamos anteriormente, e neles não encontra cabimento: podem tratá-la apenas através de uma dureza que mascara o ódio, uma piedade que esconde o desdém, uma postura neutra que disfarça uma superioridade suposta. Certamente, os loucos, quando em sofrimento mental agudo, podem radicalizar, por assim dizer, a própria singularidade, de forma insuportável para o laço social: há que haver algum ponto de contato, algo em comum com o outro, alguma partilha, para que a convivência se torne possível. Nós, que desejamos sua presença no espaço social, somos constantemente chamados a inventar, junto com eles, esse ponto, essa ponte, essa travessia. Tal invenção, embora por vezes difícil e dolorosa, mostra-se sempre fértil, mostrando ser este o melhor caminho a trilhar. 


Em suma: nós, seres humanos, estamos sujeitos a restrições e regras que nos transformaram, e não podemos viver civilizadamente sem obedecer a algumas delas, profunda e inconscientemente arraigadas em nós - veja-se a enigmática interdição do incesto, que, embora transgredida por alguns, vigora universalmente, apesar de sua ausência aparente de razão. Nós, seres humanos, somos e não deixaremos jamais de ser estes estranhos animais que pertencem à  natureza, mas a modificam, e ao modificá-la modificam também a si mesmos - e, neste processo, muitas vezes disparatamos, perdemos o rumo, criamos para nós mesmos novas e desnecessárias fontes de sofrimento. 


Não podemos esperar que, algum dia, alguma receita, alguma fórmula de validade geral, adotada por todos os países, todos os povos, todas as culturas, solucione inteiramente os impasses inerentes à nossa cultura, transformando-nos nos anjos que jamais seremos; menos ainda, podemos conformar-nos com o retorno à barbárie, como demônios que tampouco não somos. Nossa civilização jamais atingirá  um ponto tal em que desaparecerão as transgressões, as rupturas, os desvios; jamais encontraremos fórmulas inteiramente eficazes para satisfazer de forma indireta nossa vida instintual; a paz, a harmonia universal, a unanimidade, não são ideais factíveis, nem mesmo desejáveis, talvez.  Mas poderemos talvez, pelo  aprimoramento do gosto, pelo refinamento da sensibilidade, pela apreciação do raro, pela ousadia do singular, empregar de forma mais fecunda a poderosa força dos instintos que nos movem. 


Pois o homem, enfim, não é bom nem mau: o homem é, em princípio, inocente, apesar de todo e qualquer pecado original que lhe tenha sido imputado, Há sempre alguma inocência a ser reencontrada em seu desamparo, em sua dor, em sua solidão; alguma inocência presente em sua alegria, em seu amor, em seu atrevimento. Tratar a sua  inocência como mais poderosa do que a sua culpa pode ser um caminho - é este, pelo menos, o  arrojado caminho que buscam, ao lado de outros companheiros, os militantes da luta antimanicomial.



Ana Marta Lobosque

Belo Horizonte, 20 de agosto de 2013

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