PICICA: "[...] a posição que você ocupa
na rede não é determinada por suas intenções, motivações e nem mesmo por
sua reputação ou popularidade. Tudo isso tem alguma influência, mas não
é determinante. Quem determina a sua posição são os outros."
#ProtestoRJ: atores menores fazem a rede
O primeiro traço a destacar na rede de retuítes #ProtestoRJ é uma particularidade na relação entre centro e periferia. Como se pode perceber no grafo relativo ao dia da primeira grande manifestação de rua no Rio de Janeiro, a maior parte dos grandes nós (correspondentes aos perfis e cujo tamanho é proporcional ao volume de retuites recebidos) está na periferia, enquanto os pequenos nós ocupam massivamente o centro da rede. A primeira curiosidade consiste nisso: os perfis com maior popularidade foram empurrados para a periferia. Por quê? Porque comportam-se como centros emissores, cujas mensagens são replicadas sem maiores transformações. De modo geral, falam pouco e para muitos. O número de tuítes do maior nó periférico da rede, o perfil @marcelotas, é de apenas 2 postagens. Além disso, os perfis são empurrados para a periferia também porque falam mas não fazem falar. Na língua do twitter, são retuitados mas retuitam pouco, tendo um baixo grau de interação com os outros nós (atores) da rede, comportando-se fundamentalmente como centros emissores e não como mediadores.
Já
o centro do grafo está habitado por uma multidão de pequenos nós
(atores) conectados entre si. E, como se pode ver, este centro é
extremamente vasto, ocupando quase toda a rede. O que nos indica que a
rede #protestosRJ, especialmente nos dias 16 e 17 de junho, é
massiçamente constituída por uma multiplicidade de atores e ações
“menores”, no sentido de ser formada por pessoas quaisquer, mas
intensamente conectadas. Diferentemente dos grandes nós que estão na
periferia, eles fazem falar muitos outros atores, pois não apenas são
retuitados como retuitam muito. De fato, muitos dos que estão mais ao
centro do grafo têm uma ação quase que inversa aos que estão na
periferia. Em vez de terem um número pequeno de postagens com grande
difusão, são os mediadores de um grande número de postagens vindas de
diferentes atores. Não são pontos de difusão, mas pontos de mediação,
tradução.
Na margem, intermediários; no centro, mediadores.
Para
entender melhor estas atividades de mediação e tradução, vale o
contraste com a maioria dos perfis que retuita o maior hub periférico da
rede (@marcelotas). A mancha laranja que circunda o perfil @marcelotas
constitui a sua comunidade, isto é, aqueles com quem interagiu, o que
neste caso significou apenas ser retuitado. Mas a questão não para aí.
Uma grande parte daqueles que o retuitam não fazem nada além disso (no
âmbito do #protestoRJ). Repassam a mensagem sem transformá-la. Não fazem
agir nem falar, nem são retuitados por outros perfis. Vê-se que esta
grande parte está na borda exterior do perfil @marcelotas, na
extremidade da rede, não estabelecendo conexão com nenhum outro perfil. A
mensagem é transportada e “morre” ali, naquele clique.
Diferentemente,
boa parte das interações que ocorrem entre os pequenos perfis que
constituem o corpo denso e conectado da rede implica transporte com
transformação. Mediação e tradução, portanto, para falar nos termos da
teoria ator-rede. Ou seja: estes perfis menores e quaisquer que povoam a
rede têm suas postagens moderadamente difundidas, mas ao mesmo tempo
propagam muitas e diferentes postagens de outros perfis cuja ação é
similar. Um exemplo: o perfil @catupiry, que ocupa uma posição bastante
central, é o perfil mais retuitado entre os que estão no centro, o que o
torna mais robusto que os demais. Trata-se de um perfil híbrido: assim
como alguns que estão na margem do grafo, dedica-se pouco a retuitar
postagens sobre o #protestoRJ e ele próprio não fala muito sobre tal
tema, mas o pouco que diz é muito propagado.
Mas
o que diferencia @catupiry de @marcelotas, que tem comportamento
similar, mas é empurrado para a margem? Os outros. O que traz @capupiry
para o centro, apesar dos seus escassos enunciados sobre o #protestoRJ, é
o fato de ele ser retuitado por perfis que agem de modo quase inverso
ao seu, fazendo falar muitos e diferentes outros que estão narrando
profusamente o #protestoRJ. O fato de ele estar conectado a mediadores
da rede o traz para o centro; enquanto o fato de @marcelotas ser
propagado por meros intermediários o expulsa para a borda.
Eu é um outro, muitos outros.
Este
exemplo ilustra algo essencial nestes grafos: a posição que você ocupa
na rede não é determinada por suas intenções, motivações e nem mesmo por
sua reputação ou popularidade. Tudo isso tem alguma influência, mas não
é determinante. Quem determina a sua posição são os outros. Claro que o
fato de o perfil @catupiry ter muitos seguidores, assim como
@marcelotas, influencia na incidência e propagação de suas postagens.
Contudo, a posição que ocupam (em nosso caso, central ou periférica),
depende do que os outros fazem com o que eles dizem e com o modo como
esses muitos se conectam a tantos outros. É curioso que um perfil de São
Paulo/Florianópolis (caso do @catupiry) tenha uma posição tão central
numa rede sobre os protestos no Rio de Janeiro. Este narrador distante
(em muitos sentidos) é, entretanto, muito conectado a perfis locais e
extremamente envolvidos com os protestos na cidade. Está, por exemplo,
associado a outros nós (atores) relativamente pequenos, mas que produzem
e reproduzem conteúdos muito diversificados (fugindo do padrão poucos
tuítes com muita incidência) diretamente ligados às ruas e à
manifestação do dia 17 de junho: pedidos por socorro médico e por
advogados para defender manifestantes; denúncias contra a violência da
polícia e alertas sobre as câmeras públicas desligadas etc.
Estes
atores menores fazem muitos outros falarem, repassando postagens com
forte carga afetiva e diretamente conectadas às ruas. Enquanto os
intermediários do @marcelotas o empurram para as bordas da rede, os
mediadores conectados a @catupiry fazem com que um peixe fora d’água
ganhe uma posição de centralidade. Eu é um outro. Na verdade, muitos
outros.
Quando
um enunciado se propaga por muitos e distintos perfis que não apenas o
repassam adiante, mas o conectam a diversos outros sobre o mesmo tema
(#hashtag), ele se mistura a outras tantas postagens e ganha novos
trajetos. Em vez de transportarem sem transformar, como meros
intermediários, ou de apenas atuarem como polos emissores, sem fazer
outros falarem, operam como mediadores deslocando o enunciado de sua
trajetória inicial e o colocando em conexão com muitos outros. Estas
múltiplas mediações constroem, em grande escala, uma rede de enunciados
menores, coletivos e conectados. Rede extremamente densa e diversificada
de pequenos atores atuando como mediadores. As imagens de uma multidão
sem nome, sem protagonismos ou lideranças, recorrentes nas análises
sobre os protestos que desde junho multiplicam-se pelo país, encontram
um correlato informacional materializado nessa rede de fluxos de
enunciados em torno do #protestoRJ.
A rua dentro das redes
A
leitura das postagens dos dias 16 e 17 de junho indica que a maioria
dos perfis que forma o corpo denso da rede está relatando seja
diretamente desde a rua, seja atentamente conectada aos acontecimentos,
afetos e todo tipo de informação e solidariedade sobre o que se passa na
manifestação. Há, contudo, uma diferença entre os perfis mais
periféricos e os demais. Os primeiros, de modo geral, restringem-se a
poucos enunciados sobre o #ProtestoRJ e alguns dos maiores hubs da
margem são perfis cuja relação com os protestos parece ser eventual, uma
vez que a maior parte de suas postagens passa ao largo das temáticas
presentes nos protestos. Este não é o caso, contudo, dos perfis da
“rubrica” anonymous, dois grandes hubs da margem muito próximos aos
protestos. De toda forma, na maior parte dos enunciados que povoam o
meio da rede, reverberam palavras da rua:
Sinal dos celulares tá caindo muito, 3G sumiu. Quem puder, libera o wifi ali na região do Centro. #protestorjATENÇÃO: quando os policiais correrem pra cima, NÃO VÃO PRA PRAÇA MAUÁ! as câmeras de segurança da rua já foram desligadas!!…Bombeiros do Rio aderiram ao protesto. 2 mil pessoas ja se encontram na Cinelândia #protestorjacho que todos ja sabem mas: na frente do CCBB será montada uma tenda de socorro medico #protestorj#protestorj Estão revistando as pessoas na saída da Estação da CariocaÉ IMPORTANTE GRITAR MAS INFORMAR TAMBÉM É IMPORTANTE GALERA. #VEMPRARUA #VEMPRAINTERNET #PROTESTOSP #PROTESTORJ #PROTESTODF
Ou imagens e sons das ruas:
QUE COISA MARAVILHOSA! #protestorj #vemprarua @grifanti: Olhem essa imagem, sensacional http://t.co/tRufXUTmXfÁudio do reporter da CBN desesperado com as manifestações https://t.co/Ib0vCw877v #protestorj
Streaming ao vivo do que esta acontecendo no Rio #protestobr #protestorj – http://t.co/ewCN2brsyfEx
Ou ainda postagens sobre o suposto vandalismo, grande parte sob protesto, mas não sem outras perspectivas presentes:
TÃO JOGANDO COQUETEL MOLOTOV NA ASSEMBLEIA NO RIO!!! VANDALISMO NÃO!!! #PROTESTORJ
Revolução não acontece sem a evolução dos participantes. Vergonha dos vândalos do RJ #protestorj
Gente, divulguem que quem começou o vandalismo foi um grupo muito pequeno de pessoas. Nem 5% de quem tava lá. #protestorj
Vandalismo é o que andaram fazendo conosco todos esses anos. #protestorj #TodaRevoluçaoComeçaComUmaFaísca
Qual é galera, não vamos perder a razão! Sem baderna e vandalismo! #ProtestoRJ
infelizmente o vandalismo é o único meio de fazer com que o Governo tenha noção da nossa revolta ! #protestorj #chamanovin…
precisamos deixar claro que a manifestação pacífica CONTINUA!!! NÃO FOI SUBSTITUÍDA pelo vandalismo! #protestorj
Aqui na ALERJ a chapa tá quente! Pronto! Acabou a manifestação e começou o vandalismo! #protestorj100 mil manifestantes no rio e um pequeno grupo fazem uma baderna, isso não quer dizer que todos são vandalos #ProtestoRJ
OS MANIFESTANTES ESTÃO DISPOSTOS A IDENTIFICAR E DENUNCIAR OS VÂNDALOS! FORÇA RIO DE JANEIRO! #protestorj
Bombas de gás e balas de borracha contra pessoas desarmadas, mas se tiver algo quebrado é culpa dos “”vândalos”" #protestorj
Veja infográfico: Frequência da palavra ‘vândalo’ na rede #protestoRJ por dia
Outra
característica interessante no conteúdo das postagens são os
comentários sobre o que está sendo noticiado nos grandes canais de
comunicação, especialmente televisivos. As imagens, sons e informações
vindas da rua entram claramente em confronto com o que a grande mídia
acha por bem publicar.
A palavra mais repetida pela #globonews: vandalismo. #protestorj
RECORD SENSACIONALISTA, SÓ MOSTRAM O VANDALISMO, E A POLÍCIA REPRESSORA, NADA NÉ #protestorj
Na Globo, NENHUMA palavra sobre o #protestoRJ, nem uma imagem, nem uma citação. Parece que simplesmente não aconteceu. (pouca incidência)*A revolução não vai ser televisionada, vai ser tuitada! #protestorj #ditadura #repressão #censura http://t.co/w0d8uBlRqL
Mas onde está a grande mídia?
Curioso
notar que a grande mídia está quase ausente nesta rede. Nenhum dos
grandes jornais ou redes de televisão está visível no grafo dos dias 16 e
17 de junho. Entre os jornais, canais de televisão e portais das
organizações Globo, o @jornaloglobo, por exemplo, só recebe um
pequeníssimo número de retuítes (52 no total) de uma única postagem
sobre pânico na Quinta da Boa Vista (RT @JornalOGlobo: Frequentadores da
Quinta da Boa Vista relatam pânico durante o #protestorj. Acompanhe: http://t.co/9vm4DjbNri).
O @canalglobonews e a @rede_globo estão completamente ausentes: não
recebem nenhum retuíte e não retuitam ninguém. O perfil @OGlobo_Rio
recebe 2 míseros retuítes da seguinte postagem:
RT @OGlobo_Rio: Manifestantes entram pela Rio Branco com papéis picados sendo jogados dos prédios #ProtestoRJ.
Enquanto
os perfis do portal G1 só não estão inteiramente ausentes da rede por
conta de um único retuite de uma única postagem do @g1 que curiosamente
não fala do protesto de 100 mil pessoas no Rio de Janeiro, mas sim de
Brasília.
RT @g1 AO VIVO: Várias pessoas invadem a entrada do Congresso http://t.co/1xHc9fvxxf #ProtestoBR #ProtestoBR #protestoRJ #protestoSP
Além
da quase ausência da maior corporação de comunicação do país, com sede
na cidade do Rio de Janeiro, há uma diminuta participação do jornal O
Dia, que tem um de seus perfis, o @odia24horas um pouco mais ativo, com
61 retuites de postagens mais diversificadas, todas com informes sobre a
manifestação do dia 17 de junho. A não tão grande mídia com maior
‘autoridade’ na rede dos dias 16 e 17 de junho é o portal @terraovivo,
que recebe 363 retuites de postagens que relatam, em sua maioria, os
confrontos na Alerj e depoimentos de manifestantes diretamente das ruas,
muitos deles denunciando a violência policial.
Esta
quase ausência da grande mídia, acompanhada da massiva presença de
pequenos atores densamente conectados e ativos não persiste na rede
#ProtestoRJ dos dias 20 e 21 de junho, ocasião da maior manifestação no
Rio de de Janeiro desde o início dos protestos.
A grande mídia entra na rede, mas fica na borda.
A
grande mídia entra claramente na rede e ganha posição de “autoridade”,
conforme se pode ver no grafo dos dias 20 e 21 de junho. Os maiores hubs
da rede são o @jornaloglobo e o @jornalodia. Contudo, eles ficam na
borda. Em outros termos, ganham autoridade, mas não centralidade (cf. Malini).
Já explicamos porque isso acontece. Aqueles que tomam @jornaloglobo e
@jornalodia como autoridades são perfis que se comportam como
intermediários, pois reproduzem o que eles dizem, mas não estabelecem
outras formas significativas de conexão com outros perfis/atores em
torno do #protestorj. O enunciado, em vez de ganhar uma escala coletiva e
reticular, fica restrito a um conjunto de seguidores que, embora
numerosos, funcionam como uma comunidade-enclave. Na imagem se vê
claramente esta comunidade constituída pelos feixes verdes e laranjas
saindo de @jornaloglobo e de @jornalodia, respectivamente.
Nota-se
que as postagens, nestes casos, não prosseguem viagem; os perfis que as
reproduzem não estabelecem novas conexões e, neste sentido, não fazem
rede. Diferem, assim, daqueles perfis menores e mais conectados que
constituem propriamente as tramas da rede. Diferenciam-se também do
@rio_news, perfil de notícias sem maior reputação, mas que ganha tanto
autoridade quanto centralidade, pois mesmo tendo uma comunidade-enclave
em seu entorno, está conectado a perfis com maior número de conexões ao
centro da rede. Entretanto, a densidade das conexões na rede #protestoRJ
nestes dias é expressivamente menor que nos dias 16-17 de junho. Não
apenas o número de retuites nos dias 20 e 21 de junho é muito menor
(3.766 mensagens, contra 39.808 no dias 16 e 17 de junho), como há um
aumento relativo dos intermediários proporcionalmente aos mediadores.
Curiosamente, esta é a ocasião da maior manifestação de rua no Rio de
Janeiro. As relações entre as ruas e a rede #protestoRJ no twitter
nestes dias ainda resta entender. A seguir.
Fonte: MediaLab.UFRJ