PICICA: No momento em que o governo federal cria o Programa Mais Médicos sob forte rejeição de entidades médicas, um projeto de lei de iniciativa popular que garante a sobrevivência do SUS não tem uma defesa pública da categoria organizada. Daí porque algumas perguntas não querem calar: "Onde estavam essas entidades e médicos
grevistas quando a CPMF foi rejeita pela oposição no Senado e quando
lutávamos por 10% do Orçamento para a Saúde? Ou quando o SUS era
sucateado e terceirizado por governadores? Por que só agora resolvem
sair às ruas?". Quem indaga é José Dirceu. Você pode criticá-lo ou crucificá-lo como faz o conservadorismo de toga, mas como entender a estupidez de retirar 40 bilhões de reais anuais para investimento em saúde e o combate à sonegação de impostos e lavagem de dinheiro que a CPMF proporcionaria, e proporcionou ao país? Como entender a ausência de manifestação a favor do SUS? Máscaras estão caindo.
Notas para discussão sobre o projeto de lei de iniciativa popular
Por Áquilas Mendes, professor de economia da saúde
da Faculdade de Saúde Pública da USP (Abrasco)
1 - Premissas gerais:
-
o pleito do Projeto de Iniciativa Popular é importante para a
sobrevivência do SUS, mas temos consciência de que não resolve por
completo o subfinanciamento histórico da saúde pública no Brasil. Esse
foi problemático desde a criação do orçamento da Seguridade Social na
Constituição de 1988, que indicava 30% dos recursos desse orçamento
(impostos e contribuições sobre a folha de salários, lucro e faturamento
à Saúde, Previdência e Assistência Social) ao gasto federal do SUS para
1989, estabelecido no art. 198 da CF e nas disposições transitórias
deste artigo. Para os outros anos, a definição desse percentual ficaria
para a LDO. Na prática, a saúde nunca contou com esses recursos.
-
Para se ter uma ideia da perda de recursos desde então, em 2012, o
Orçamento da Seguridade Social foi de R$ 590,5 bilhões de reais, sendo
que se destinados 30% à saúde, considerando os gastos do governo
federal, corresponderiam a R$ 177,2 bilhões de reais, bem superiores aos
gastos dos três níveis de governo (incluindo estados e municípios) que,
em 2011, registraram R$ 154 bilhões.
Ao
longo dos vinte e cinco anos de existência do SUS, vários foram os
constrangimentos sofridos no âmbito do financiamento. Vejamos alguns dos
aspectos desse quadro, de forma resumida:
i) a
partir de 1993, a Previdência deixou de repassar recursos para o SUS
(regulamentado na reforma previdenciária do governo Fernando Henrique
Cardoso).
ii) criação do Fundo Social de
Emergência, em 1994, que posteriormente denomina-se Fundo de
Estabilização Fiscal e, a partir de 2000, intitula-se Desvinculação das
Receitas da União — DRU (denominação até o momento mantida), definindo,
entre outros aspectos, que 20% da arrecadação das contribuições sociais
seriam desvinculadas de sua finalidade e estariam disponíveis para uso
do governo federal, longe de seu objeto de vinculação: a seguridade
social. Esse mecanismo resultou em perda de recursos para a Seguridade
Social de cerca de R$ 578 bilhões, entre 1995 a 2012 (ANFIP, 2012);
iii)
aprovação da CPMF, em 1997, como fonte exclusiva para a saúde, mas a
retirada de parte das outras fontes desse setor, não contribuindo assim
para o acréscimo de recursos que se esperava;
iv)
aprovação da EC-29, em 2000, vinculando recursos para a saúde, porém
com indefinições sobre quais despesas deveriam ser consideradas como
ações e serviços de saúde e o que não poderia ser enquadrado nesse
âmbito, além de dispor de método conflitante de cálculo para aplicação
dos recursos da União, isto é, o valor apurado no ano anterior corrigido
pela variação nominal do PIB e, ainda, não esclarecer a origem dos
recursos no tocante à Seguridade Social, ignorando o intenso embate por
seus recursos;
v) investidas da equipe
econômica do governo federal em introduzir itens de despesa não
considerados gastos em saúde no orçamento do Ministério da Saúde, como o
pagamento de juros e a aposentadoria de ex-funcionários desse
ministério, entre outros;
vi) pendência da
regulamentação da EC-29 durante oito anos no Congresso (entre 2003 a
2011), provocando perdas de recursos para o SUS e o enfraquecimento do
consenso obtido quando de sua aprovação;
vii)
permanência da insuficiência de recursos para o financiamento do SUS na
regulamentação da EC-29 (Lei Complementar nº 141/2012), que manteve o
método de cálculo da participação do governo federal — o valor apurado
no ano anterior corrigido pela variação nominal do PIB, rejeitando o
projeto de regulamentação que se encontrava no Senado (PLS 127/2007) que
definia uma aplicação da União de 10%, no mínimo, da Receita Corrente
Bruta (RCB).
Resultados desses contrangimentos em números:
-
Em 1995, o governo federal gastou com ações e serviços de saúde o
equivalente a 1,75% do PIB; passados 17 anos (2012), essa proporção
praticamente se manteve.
- Apesar do aumento do
gasto em saúde (incluindo estados e municípios) de 2,89% do PIB, em
2000, para 3,8%, em 2011, o gasto público brasileiro é baixo quando
comparado ao dos países que têm um sistema público universal. A fim do
Brasil se equiparar à média dos países europeus com sistemas universais,
seria preciso aumentar a despesa pública em saúde para 8,3% do PIB
(OMS, 2012).
- Os gastos federais com ações e
serviços públicos de saúde diminuíram em relação à Receita Corrente
Bruta da União, após 1995. Isso porque, em 1995, representavam 11, 7% da
receita corrente bruta da União e, em 2011, registravam apenas 7,5% da
mesma base. O montante de recursos perdidos durante os anos 2000
registram aproximadamente R$ 180 bilhões de reais, quando comparados
entre a indexação à receita corrente bruta e à variação do PIB nominal.
2 - A Proposta dos 10% da Receita Corrente Bruta da União
-
em 2012, significam R$ 34,9 bilhões a mais, o que corresponde a 0,8% do
PIB, passando o gasto federal com saúde a 2,6% do PIB e o gasto público
total a 4,6% do PIB. Tal montante, como dissemos, é ainda insuficiente
para se equiparar aos países com sistemas universais (8,3%). Porém, essa
proposta constitui importante conquista para iniciar o caminho de
recuperação do subfinanciamento SUS, principalmente no âmbito do governo
federal.
- busca distanciar-se, de forma mais
direta, das variações cíclicas da economia, mensuradas pelo PIB, que
como descrito acima, não vem crescendo no mesmo patamar que o esforço de
arrecadação da União (impostos e arrecadação).
-
valoriza que o investimento da saúde seja correspondente à capacidade
de arrecadação do governo federal (RCB) que cresceu, entre 2000 a 2012,
65,5%, enquanto o PIB aumentou apenas 5,9% (valores deflacionados pela
média anual a preços de dezembro de 2012, conforme o IGP-DI/FGV ). Por
sua vez, a Receita Corrente Líquida da União teve um incremento inferior
a RCB, sendo 56,6%, nesse mesmo período.
-
constitui base de cálculo que contribui para a busca de uma
sustentabilidade financeira para o SUS, recuperando em parte os recursos
perdidos ao longo dos seus 25 anos de existência.
-
permite que a metodologia de aplicação da União fique compatível às
bases de cálculo de aplicação dos estados e municípios, à medida que
essas últimas correspondem ao total das receitas de impostos,
compreendidas as transferências constitucionais, o que significa o
esforço próprio de arrecadação. Assim, a utilização de percentual da RCB
da União visa assegurar a isonomia no trato do financiamento da saúde
nas três esferas de governo.
3 - A ideia de utilização da base de cálculo da Receita Corrente Líquida da União
-
deve-se ficar bem definido a abrangência do conceito de Receita
Corrente Líquida da União. Para se ter uma ideia, a Lei de
Responsabilidade Fiscal n. 101/2000 define “receita corrente líquida” no
inciso IV do artigo 2º como: somatório das receitas tributárias, de
contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços,
transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos:
(-) a) os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal;
(-)
b) as receitas das contribuições sociais incidentes sobre a folha de
salários (alínea a, inciso II, art.195 da CF) e demais rendimentos do
trabalho pagos a pessoa física prestadora de serviço, mesmo sem vínculo
empregatício e aquelas pagas pelos trabalhadores e segurados da
previdência social (art.239 da CF);
(-) c) a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social; e
¹ A proposta estabelecida no Projeto de Lei de Iniciativa Popular (10%
da RCB) teve origem nas discussões no âmbito da regulamentação da EC 29,
particularmente durante o ano de 2003, em Brasília, por meio de
seminários promovidos pela Câmara Técnica do SIOPS e pela Comissão para
Elaboração da Proposta de Lei Complementar (PLP) 01/2003, de autoria do
então Deputado Roberto Gouveia. Além disso, a proposta dos 10% da RCB da
União foi aprovada pelas 12ª, 13ª e 14ª Conferências Nacionais de
Saúde, realizadas respectivamente em 2003, 2007 e 2011.
² Não se faz a variação da evolução dos dados sem que os mesmos sejam deflacionados (incorporando a inflação).
(-) d) as receitas provenientes da compensação financeira, entre sistemas de previdência (parágrafo 9, art. 201 da CF).
-
deve-se mencionar que alguns dos valores deduzidos que integram a RCL
constituem receitas da União e nesse sentido fazem parte de seu esforço
de arrecadação, mesmo que vinculadas como o caso das contribuições
sociais (Cofins e CSLL). Lembremos que no caso dos Estados várias
receitas do produto dos impostos são direcionadas a determinados fins.
Como exemplo, citamos que alguns estados dispõem de percentual do ICMS
destinados às universidades estaduais. Trata-se de apurar o esforço de
arrecadação própria dos estados. Ocorre que a RCL (LRF) tem, como
pressuposto, um conceito de receita e de despesa, pois requer a receita
líquida, isto é, aquela que efetivamente o ente federado possuir como
disponível para realizar as suas políticas públicas.
-
sobre a dedução do item (c ), a contribuição dos servidores para o
custeio do seu sistema de previdência e assistência social, é preciso
examinar, além do regime de trabalho dos servidores, e, se estatutário,
qual a forma de provimento de seu cargo: se ocupantes de empregos,
sujeitos à CLT, ou os que exercem, exclusivamente, cargos de comissão,
sujeitos ao regime estatutário, e recolhendo contribuição ao Regime
Geral, a receita gerada não deverá ser excluída para fins de cálculo da
RCL.
- A apuração da RCL, conforme a LRF,
refere-se à soma das receitas arrecadadas no mês em referência e nos 11
anteriores excluídas as duplicidades (parágrafo 3º, art. 2º). Assim, é
fundamental que fique claro na utilização da metodologia de percentual
da RCL o tempo de apuração para efeito da aplicação.
-
O crescimento da Receita Corrente Líquida (RCL) da União, entre 2000 a
2012, foi de 56,6%, sendo inferior ao da Receita Corrente Bruta (65,5%).
O mesmo comportamento é verificado se compararmos o período entre 2000 a
2011 e 2000 a 2013. Registre-se um aumento para a RCL de 55,7% e de
77,6%, respectivamente nesses períodos, enquanto a RCB cresceu 64,9% e
89,1%, respectivamente (valores deflacionados pela média anual a preços
de dezembro de 2012, conforme o IGP-DI/FGV).
Fonte: Cebes
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