PICICA: "Até o momento as críticas que têm
sido feitas ao Fora do Eixo são, em sua maioria, ao sistema de
funcionamento que só reproduzem as práticas já conhecidas por outras
empresas dentro do sistema capitalista de exploração do trabalho. Nós,
mulheres que fizemos parte das casas Fora do Eixo Anápolis, Minas,
Nordeste, São Carlos e São Paulo e outros coletivos e homens que
reconhecem a veracidade desses fatos, temos que pontuar e fazer a
crítica radical a reprodução patriarcal nas relações de poder dentro do
Fora do Eixo."
[...]
"Esperamos que esse manifesto seja recebido não apenas pelo
Fora do Eixo, mas por todos os movimentos que pretendem construir um
projeto verdadeiramente alternativo e contra-hegemônico, como uma
colaboração para construção de uma outra cultura fundada no respeito às
diferenças e na igualdade de gênero."
MANIFESTO | Fora do Eixo e uma reflexão das mulheres contra o patriarcalismo
Até o momento as críticas que têm
sido feitas ao Fora do Eixo são, em sua maioria, ao sistema de
funcionamento que só reproduzem as práticas já conhecidas por outras
empresas dentro do sistema capitalista de exploração do trabalho. Nós,
mulheres que fizemos parte das casas Fora do Eixo Anápolis, Minas,
Nordeste, São Carlos e São Paulo e outros coletivos e homens que
reconhecem a veracidade desses fatos, temos que pontuar e fazer a
crítica radical a reprodução patriarcal nas relações de poder dentro do
Fora do Eixo. Sendo assim, gostaríamos de levantar algumas questões:
1. Como o sexismo se apresenta nas relações de trabalho e tarefas
Os projetos e atividades dentro da rede geralmente são
divididos por áreas, que preservam em si uma crença sobre afinidades de
gênero. Alimentada por uma lógica preconceituosa que afirma que as
mulheres são mais eficientes na sistematização, são elas que organizam
os arranjos, a contabilidade e as tecnologias enquanto os homens,
considerados mais eficientes na argumentação e no discurso, são
direcionados para atividades externas, articulações políticas e arranjos
com outros atores sociais, ampliando suas experiências para além das
casas/coletivos, o que o leva a ter mais leituras políticas pelo contato
com os ambientes e no próprio aumento de bagagem vinda destas
experiências sociais. Desta forma, neste modus operandi, as mulheres
tendem a estar em núcleos de “enraizamento” (fixos) cujas relações se
dão dentro do seu ambiente/moradia e entorno, enquanto os homens estão
em núcleos de “transcendência” (móvel), possuem uma dinâmica ativa e
articulam as ações e projetos que vão sustentar o coletivo, numa relação
que acontece fora daquela comunidade.
2. Arranjos sexistas: clube das luluzinhas e clube dos bolinhas
Quando um(a) integrante da casa/coletivo apresenta
dificuldades ou questionamentos pessoais ou sobre o processo e precisa
de esclarecimentos, este(a) integrante geralmente é levado a procurar o
“seu gestor” ou “gestora”, direcionado para aquele de mesmo sexo.
Acredita-se que esta política interna fortalece as relações entre os
semelhantes. Entretanto, esta crença fortalece um modelo sexista, com a
formação do clube dos bolinhas X o das luluzinhas.
3. “Catar e Cooptar”: o uso político do sexo no Fora do Eixo
Uma das práticas políticas do Fora do Eixo refere-se a
“catar ou “cooptar” (também se usa as terminologias “entrega” e
“missão”), deliberada em reunião da cúpula com o objetivo de cooptar
parceiros através da sedução e do sexo. É debatido o perfil do futuro
integrante ou colaborador e quais membros teriam afinidade de atraí-lo e
iniciar com ele ou ela um relacionamento amoroso e/ou sexual com a
finalidade de cooptá-lo(a). Homens e mulheres fazem parte desses
artifícios.
4. “Quem pega mulher feia ganha mais lastro”
Dentro do escopo de cooptação da rede, está o de se
relacionar com mulher “feia”. Aquele que mantiver relacionamento amoroso
ou sexual com mulher considerada feia, com o fim de cooptá-la, é mais
respeitado pelos demais (tem mais “lastro”). É comum ouvir o jargão
entre os que estão mais próximos da cúpula de “quem pega mulher ‘feia’
ganha mais lastro”.
5. Como é tratada a autonomia da mulher: “ela está na sua conta agora”
Quando um agente “cooptador” traz uma agente “cooptada”
para a rede, ela passa estar na sua “conta”, além de estar sob a
responsabilidade do gestor(a) com quem vai trabalhar. O agente
“cooptador”, responsável por controlar o ritmo da “cooptada”, analisa a
dinâmica de trabalho dela e vigia os seus relacionamentos, amizades e
conversas, relatorizando suas leituras à cúpula. O “cooptador” também é
constantemente vigiado e controlado para que não haja a “contaminação
por casal”, de modo que seu relacionamento afetivo não interfira nas
dinâmicas coletivas.
6. Como são vistos e tratados os relacionamentos entre casais na rede: “formação de bancadas”
Casais são vistos como “caretas” e os conflitos de
relacionamento amoroso são taxados de “picaretas”, já que diante da
proposta macro de um coletivo, tais conflitos estão centrados em razões
muito particulares do casal e, portanto, irrelevantes ao processo
coletivo. Há também um velado cerceamento das relações afetivas
espontâneas. A relação entre casais é continuamente analisada e quando
não se considera mais estratégico ao grupo a permanência daquele arranjo
afetivo, a sua dissolução também é argumentada e debatida pelo grupo.
7. Assedio moral, opressão, culpabilização e pedagogia do medo
Essas práticas, vistas por nós como repudiáveis, eram tidas
por todos e todas, inclusive por nós, como naturais. Dentro da dinâmica
da rede, da empolgação com a participação num projeto coletivo em que
nós acreditávamos, essas situações eram aceitas como um desconforto
necessário em prol de um projeto maior. Hoje, entretanto, livres dos
laços que nos ligavam à rede, podemos criticar abertamente o machismo em
que se pautam a divisão do trabalho e as relações internas das Casas e
alguns coletivos.
Esperamos que esse manifesto seja recebido não apenas pelo
Fora do Eixo, mas por todos os movimentos que pretendem construir um
projeto verdadeiramente alternativo e contra-hegemônico, como uma
colaboração para construção de uma outra cultura fundada no respeito às
diferenças e na igualdade de gênero.
Anápolis, Belo Horizonte, Campinas, Recife, São Carlos, São Paulo, 26 de agosto de 2013
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Alejandro Vargas • Casa Fora do Eixo Nordeste (CE)
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Bruno Kayapy • Espaço Cubo, Festival Calango | Grito Rock e Fora do Eixo
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Camila Cortielha • Casa Fora do Eixo São Paulo (SP)
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Eliza Mancuso • Fora do Eixo Campinas (SP)
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Flávio Charchar • Casa Fora do Eixo Minas (MG)
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Gabriel Fedel • Casa Fora do Eixo São Paulo (SP)
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Gabriel Zambon • Casa Fora do Eixo Minas (MG)
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Hiro Ishikawa • Casa Fora do Eixo São Carlos (SP)
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Jessica Miranda • Casa Fora do Eixo Nordeste (CE)
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Laís Bellini • Casa Fora do Eixo São Paulo (SP)
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Leo Carneiro • Casa Fora do Eixo Anápolis (GO)
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Maiza Rodrigues • Casa Fora do Eixo Juiz de Fora (BH)
- Marcos Cestari
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Michelle Parron • Casa Fora do Eixo São Paulo (SP) | Casa Fora do Eixo Minas (MG)
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Nowhah Luiza Freitas • Casa Fora do Eixo Anápolis (GO)
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Rafa Rolim • Casa Fora do Eixo São Paulo (SP)
Fonte: Feministas Pela Cultura
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