agosto 02, 2013

"Cultura cocaleira e saúde indígena" (Revista HSCM)

PICICA: “A guerra contra as ‘drogas’ com base no modelo proibicionista completou, em 2012, cem anos de fracasso desde a Convenção Internacional do Ópio, em Haia. Durante esse período, não conseguiram nem reduzir o consumo de substâncias psicoativas tampouco a sua produção. O resultado tem sido percebido no aumento da violência, esquemas de lavagem de dinheiro, tráfico de armas, corrupção etc. A humanidade, por sua vez, sempre fez e fará uso de psicoativos. Além disso, com a constante modernização tecnológica, novas substâncias entrarão no mercado e serão capazes de alterar de formas distintas a percepção, o humor, o comportamento e a consciência. Há que refletir, portanto, no que fazer para enfrentar essa realidade, parecendo razoável pensar em um novo modelo para lidar com a questão das ‘drogas’.”

Cultura cocaleira e saúde indígena

Koehler's Medicinal-Plants 1887 Fonte: Wikipedia
Ilustração da Erythroxylum coca
no Koehler’s Medicinal Plants – 1887
Fonte: Wikipedia

Mascada ou utilizada em forma de chá, a folha de coca faz parte da cultura ancestral de diversos povos andinos e amazônicos e, em seu estado natural, é aparentemente inofensiva à saúde. Porém, seu cultivo e consumo têm sido reprimidos por governos devido à apropriação da cocaína, seu derivado, pelo narcotráfico.

O artigo “O uso da folha de coca em comunidades tradicionais: perspectivas em saúde, sociedade e cultura“, do psicólogo Ivan Farias Barreto, mestrando do Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal da Bahia, questiona o sentido e as consequências da criminalização da coca para povos que mantêm as tradições cocaleiras e fazem usos terapêuticos da planta há milhares de anos.

A pesquisa aborda as propriedades básicas da coca, seu uso tradicional e terapêutico, o movimento cocaleiro, o narcotráfico e o posicionamento da Organização Mundial de Saúde sobre a planta. De acordo com o autor, a associação indiscriminada da coca à cocaína e, consequentemente, ao narcotráfico, parte de um preconceito construído historicamente que se sobrepõe às raízes históricas e culturais do uso milenar da planta. Ele também destaca a ineficácia das políticas de criminalização:

“A guerra contra as ‘drogas’ com base no modelo proibicionista completou, em 2012, cem anos de fracasso desde a Convenção Internacional do Ópio, em Haia. Durante esse período, não conseguiram nem reduzir o consumo de substâncias psicoativas tampouco a sua produção. O resultado tem sido percebido no aumento da violência, esquemas de lavagem de dinheiro, tráfico de armas, corrupção etc. A humanidade, por sua vez, sempre fez e fará uso de psicoativos. Além disso, com a constante modernização tecnológica, novas substâncias entrarão no mercado e serão capazes de alterar de formas distintas a percepção, o humor, o comportamento e a consciência. Há que refletir, portanto, no que fazer para enfrentar essa realidade, parecendo razoável pensar em um novo modelo para lidar com a questão das ‘drogas’.”

A flor da coca. Foto de H. Zell.  Fonte: Wikipedia
A flor da coca. Foto de H. Zell. Fonte: Wikipedia

Barreto defende a criação de uma legislação específica que estimule o uso racional dessa planta, absorvendo por completo todo o plantio legalizado para a indústria farmacêutica, sem deixar margens para a comercialização ilegal, e ao mesmo tempo garantindo a preservação dos costumes das comunidades que utilizam a coca.

A seu ver, cabe à psicologia, como ciência, romper o silêncio frente às questões indígenas e compreender a dinâmica dos processos socioculturais desses povos.

“A psicologia, em um contexto multidisciplinar, apresenta sua contribuição tanto para reformulação de políticas públicas sobre a legalização do uso da folha de coca no Brasil quanto para ações voltadas à atenção em saúde mental das populações indígenas”, afirma.

Para ele, psicólogos que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS) precisam estar preparados para lidar com questões culturais como o uso da folha de coca em rituais religiosos por diversos povos indígenas no alto do rio Negro. Barreto acredita que os psicólogos do SUS podem contribuir com intervenções quando comunidades tiverem sua identidade ameaçada. “Esses profissionais encontram-se diante de um campo de atuação emergente, no qual são convidados a considerar e respeitar as particularidades de cada comunidade indígena, sendo provocados a formular novas estratégias na promoção da saúde”, conclui.

Texto em português |  resumo em inglês

Leia mais:
‘As consequências sociais da política proibicionista chegaram ao limite’ - Entrevista com o psicólogo Ivan Farias Barreto, autor do artigo.

Fonte: Revista HSCM

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