PICICA: "[...] ainda vale ressaltar dentro dessa pauta que une e acrescenta cada dia mais feminismo à maternidade e maternidade ao feminismo, a capacidade de transformação social que a maternagem crítica carrega. A educação de novas gerações é, talvez, entre as forças capazes de mudar uma sociedade, a mais eficaz e duradoura. Maternar para a mudança é maternar para a tolerância, para a erradicação de preconceitos e para o surgimento de uma sociedade mais justa."
FemMaterna: em busca de uma maternidade cada vez mais feminista e acolhedora
Foram, ao todo, 26 contribuições que, a cada publicação, geraram polêmicas, debates e suscitaram novos pensamentos em seus leitores. Foi um período de formação essencial para o grupo, mas como ocorre a todo ente que amadurece, percebeu-se a necessidade de um espaço próprio. Por essa razão, hoje publicamos o último artigo do FemMaterna aqui, nas Blogueiras Feministas.
Não se trata, certamente, de uma ruptura. Mas de uma refletida e necessária emancipação, acompanhada pela certeza que nesse período o grupo contribuiu para uma reflexão que será sempre necessária em qualquer espaço que se dedique ao feminismo: a maternidade e suas implicações sociais na vida da mulher.
Sim, porque de uma forma ou de outra, o tema maternidade sempre irá rondar a mulher em uma sociedade patriarcal. Simplesmente porque esta prejulga que a manutenção da espécie humana é uma responsabilidade exclusiva da mulher. A desconstrução desse preconceito é uma pauta fundamental na discussão de coletivos feministas, já que ela começa na negação de qualquer obrigatoriedade à mulher de se tornar mãe. E a pauta avança, desobrigando mulheres e mães a maternar.
A maternagem, como a compreendemos, deve ser apreendida como um conjunto de práticas de fundo cultural e social que pode ser exercida por qualquer indivíduo, independente da orientação sexual ou do gênero. Esse é um começo, mas a pauta feminista que envolve a maternidade é extensa. Extensa, complexa e, muitas vezes, incompreendida. Talvez por isso para o FemMaterna seja tão importante construir um espaço próprio, onde poderemos aprofundar a reflexão sobre esse papel social, a sua relação com as reivindicações feministas e as opressões específicas que acarreta.
Vale lembrar que o grupo surgiu na lista de discussão Blogueiras Feministas motivado pelo artigo: ‘Mãe solteira, bicho que morde’, relato de Tâmara Freire sobre suas dificuldades como mãe solteira. Um ótimo exemplo de desconstrução do papel sagrado da mãe na nossa sociedade. Aliás, das falácias que o feminismo ousa enfrentar e desconstruir desde o seu surgimento, aí está uma das mais constantes: que a maternidade é socialmente valorizada.
A maternidade real não é valorizada pela sociedade, assim como o maternar e os cuidados com bebês e crianças também não são. E isso acontece porque são atividades socialmente ligadas à mulher e como tal, relegadas a um segundo plano, a uma escala inferior da nossa divisão social do trabalho. Isso se aplica a todos os indivíduos que, por algum motivo, decidam dedicar-se, como cuidadores ou profissionais, a essas atividades.
Sinais dessa desvalorização podem ser percebidos em diversas pesquisas. A organização britânica Save the Children elaborou um índice dos melhores países para ser mãe. Nele, o Brasil figura em 78º lugar, em um total de 176 países. Entre os países latino-americanos, Cuba é o que tem melhor colocação, 33º. Surpresa? Nenhuma.
Da mesma maneira, a falta de vagas em creches e ensino infantil no Brasil reflete a pouca preocupação do poder público de criar alternativas de cuidado coletivo. Segundo o Censo Escolar 2012 (.pdf), desenvolvido pelo Inep, mais da metade das crianças entre 0 e 5 anos no Brasil não frequentam a escola. Além disso, até 2011, a maioria delas, nessa faixa etária, estava matriculada em instituições particulares.
Para representantes de instituições como o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a sobrecarga de trabalho doméstico, incluindo os cuidados com os filhos, vivida pela mulheres, limita a possibilidade de ascensão na carreira profissional e à chegada a cargos com melhor remuneração, conforme a matéria: Cuidado com os filhos e casa diminui a renda das mulheres.
Esses são exemplos que ilustram como a imposição da maternidade à mulher (a ideia de que a mulher só seria “completa” com a maternidade, por exemplo), de preferência daquela que gerou e pariu, é uma construção patriarcal, que visa, unicamente, subjugar a mulher, relegá-la a uma figura estigmatizada, sacralizada e, portanto, irreal.
Fruto dessa idealização está a imensa sobrecarga enfrentada pela mulher no cuidado com os filhos, que envolve, diversas vezes, também, o papel de única provedora. Dentro dessa lógica opressora, a mulher deve se responsabilizar, se sacrificar e garantir, por conta própria, a vida digna das crianças. Esse é o modelo de maternidade presente no senso comum que pretendemos discutir e modificar.
A desconstrução dessa estrutura passa, necessariamente, pela valorização da maternagem e do cuidado com o menor, incluindo práticas coletivas, de caráter afetivo, despregadas da figura exclusiva da mulher e de convenções sociais reducionistas que desrespeitem a diversidade social, religiosa, étnica, sexual e de gênero.
Por último, ainda vale ressaltar dentro dessa pauta que une e acrescenta cada dia mais feminismo à maternidade e maternidade ao feminismo, a capacidade de transformação social que a maternagem crítica carrega. A educação de novas gerações é, talvez, entre as forças capazes de mudar uma sociedade, a mais eficaz e duradoura. Maternar para a mudança é maternar para a tolerância, para a erradicação de preconceitos e para o surgimento de uma sociedade mais justa.
Se algum dos temas desse artigo chamou a sua atenção, junte-se a nós. Venha conhecer a nossa página no facebook. Acompanhe, a partir de 02 de agosto o nosso blog: FemMaterna.com.br e conheça o nosso grupo de discussão.
FemMaterna
Somos mães e feministas, buscando educar noss@s filh@s de maneira libertária. Buscamos construir com eles um mundo que acolha a diversidade e que questione desigualdades, preconceitos e estereótipos.Fonte: Blogueiras Feministas
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