novembro 04, 2015

De Onde Surgem Os Títulos de Propriedade?, por William Gillis (Liberação Humana)

PICICA: "Muitas teóricas de mercado assumem os títulos de propriedade como axiomáticos e então desenvolvem aparatos coercitivos para aplicá-los - justificando tal coerção apelando para noções como consentimento implícito e/ou a justeza dos contratos que vendem parte da agência de uma pessoa no futuro. Isto irrita pra caralho, e com razão, muitas anarco-comunistas. Teóricas esquerdistas de mercado, por sua vez, tendem a minimizar estas apreensões como uma contenda sobre diferentes sistemas ideais de propriedade - isto é, diferenças sobre o que constitui abandono e a viabilidade geral da propriedade coletiva. 

 Mas isto, como eu argumentei repetidas vezes, é um entendimento profundamente limitado das críticas sendo arremessadas contra elas."

De Onde Surgem Os Títulos de Propriedade?


Muitas teóricas de mercado assumem os títulos de propriedade como axiomáticos e então desenvolvem aparatos coercitivos para aplicá-los - justificando tal coerção apelando para noções como consentimento implícito e/ou a justeza dos contratos que vendem parte da agência de uma pessoa no futuro. Isto irrita pra caralho, e com razão, muitas anarco-comunistas. Teóricas esquerdistas de mercado, por sua vez, tendem a minimizar estas apreensões como uma contenda sobre diferentes sistemas ideais de propriedade - isto é, diferenças sobre o que constitui abandono e a viabilidade geral da propriedade coletiva.


Mas isto, como eu argumentei repetidas vezes, é um entendimento profundamente limitado das críticas sendo arremessadas contra elas.


Primeiro, nem todo sistema de mediação entre os desejos ou usos de objetos de diferentes pessoas é descritível em termos de títulos de propriedade. Títulos de propriedade são reivindicações, por parte de agentes discretos, por um poder de veto absoluto sobre o uso de um objeto; eles são um constructo usado para negociar entre a justeza dos usos por parte de indivíduos com intenções concorrentes para um objeto. Títulos de propriedade resolvem o problema determinando se A ou B, então, vai pessoalmente tomar a decisão entre a direção 1 ou 2 para um dado objeto.


Mas esta claramente não é a única maneira de abordar tais situações.


Quando anarco-comunistas falam de sociedades sem o conceito de propriedade, elas frequentemente querem dizer um sistema social em que as decisões sobre como usar qualquer objeto ou recurso específico nunca são limitadas a um corpo discreto de indivíduos selecionados, mas, antes, são discussões abertas a qualquer uma e a todo mundo com um interesse, desejo ou ideia a contribuir. Ali as entidades econômicas críticas são direções em vez de títulos de veto, conceitos em vez de indivíduos. O processo de mediação possível pode ser incrivelmente complexo e dinâmico. Assim, em um nível protozóico, você poderia ter uma simples discussão ou foco incontestado (eu me especializo no uso de uma única escova de dentes e, consequentemente, dado o contexto histórico dessa escova de dentes, não são muitas pessoas que vão ter uma proposta mais útil para seu uso). Ao passo que sistemas agregados de mecanismos mais avançados são visíveis no desenvolvimento open source. Em suma, onde o recurso mais escasso é o tempo pessoal e o peso da sua voz é a coisa mais próxima de uma moeda. Ao mesmo tempo, há frequentemente escassezes de espaço (funcionamento idêntico ao material) para projetos amplamente variáveis e, em resposta, ecossistemas inteiros de discussão se abrem. Vale a pena notar que sob muitos sistemas de títulos de propriedade, se as especialistas legais não conseguem chegar a um consenso sobre quem é a proprietária legítima de um objeto, nada é feito com o objeto no meio tempo. Aquelas envolvidas em disputar usos diferentes para um objeto em uma sociedade sem propriedade são diretamente capazes de meios bem mais diversos de negociação, mas, para fazê-lo, se elas não conseguem chegar a um consenso, então nada é feito com o objeto. Porque literalmente todo mundo no mundo tem a capacidade de vetar.


Para algumas pessoas isto poderia parecer - embora uma contraproposta filosoficamente coerente à propriedade, e mesmo brevemente viável em um nível pequeno - completamente insano e sem noção. E talvez seja. Mas, na prática, tais abordagens externas à propriedade são frequentemente viáveis o suficiente. O encrenqueiro imaturo intrometido solitário ou qualquer outra concebível vulnerabilidade de consenso simplesmente não ocorrem após algumas iterações sociais. Já que todo mundo é dependente de todas as outras pessoas, não importa quão distante seja a comunidade de onde vêm, e, assim, é de seu interesse manter, desenvolver e transmitir boa-vontade.


Obviamente, no entanto, só porque tais abordagens econômicas diferentes poderiam criar um software melhor por uma fração da energia que Microsoft gasta, não significa que elas possam fazer coisas como movimentar bens entre localidades para satisfazer a demanda eficientemente ou sinalizar todos os custos de um consumo versus outro. Sem a capacidade de atribuir valor a relacionamentos espaciais/físicos (tal como com o âmbito de atores e objetos) não se pode mediar concretamente entre esses relacionamentos. E quaisquer que pudessem ser os dilemas dominantes em culturas primitivas de abundância ou colmeias pós-humanas de nanobots, não deveria ser particularmente controverso afirmar que a atribuição de objetos materiais é o problema calculacional central no mundo atual. Alguma forma de títulos de propriedade parece necessária, não importa o quão pegajosa, não importa se coletiva ou individualmente administrada.


O ponto é que este é um debate sobre aptidão. Embora possa ser indesejável, continua sendo totalmente possível construir uma sociedade inteiramente fora da propriedade.


Seguindo o lema popular "Tudo para Todas", a teórica de mercado teimosa poderia ainda proclamar que uma tal sociedade ainda contaria como um sistema com títulos de propriedade expandidos para todas as pessoas. Embora praticamente insignificante, isto não estaria necessariamente errado. Mas, como um quadro teórico neste caso, títulos de propriedade seriam errar o alvo. Ninguém nessa sociedade pensaria em qualquer coisa que se aproximasse de tais termos.


O que nos leva a uma segunda crítica da propriedade.


Não é difícil chegar à conclusão de que a própria adoção de direitos de propriedade em nossas mentes leva em direção a uma visão de mundo de compartimentalização e taxonomia crescentes. De fato, esta é uma suposição popular. Ao progressivamente repicar o mundo em torno de nós, continua a noção, ficamos inclinadas a ver o mundo unicamente como uma folha de registro de propriedade.


Perdoe a digressão para minha infância dos anos 90 na Nickelodeon, mas, como ilustração, eu me lembro de um episódio de Castores Pirados em que os irmãos de repente descobrem que cada um deles tem uma bolsa almíscar capaz de marcar itens com um fedor pessoal colorido que repele todo mundo menos eles mesmos. Isto rapidamente desencadeia uma guerra de reivindicação pessoais até que todo o mundo está divido entre um fedor e o outro, cada irmão cada vez mais completamente obcecado com o rótulo, até que não conseguem pensar em nada mais.


Esta talvez seja a crítica mais clássico do capitalismo - uma de simples psicologia - e, ainda assim, parece ser a crítica que teóricas de mercado são incapazes de analisar. Para muitas anticapitalistas, o problema com a estrutura capitalista é sua tendência inerente em direção ao materialismo, em última análise, ao ponto de tratar seres humanos como objetos. Mas isto é incompreensível para Libertárias porque elas veem o respeito por títulos de propriedade como inteiramente decorrentes de um respeito pela agência pessoal. Em termos práticos cotidianos, o respeito pela agência de uma outra pessoa frequentemente se resume a um respeito pela inviolabilidade de seu corpo. Não atire nelas, não as estupre, não as torture. Já que humanos são criaturas que usam ferramentas, como caranguejos eremitas, frequentemente não há qualquer linha clara entre nossa biomassa e nossas posses (nós usamos roupas em vez de pelos, retemos massa morta excretada como folículos capilares, etc.) e, portanto, um respeito pela pessoa do outro parece se estender de algumas maneiras para um respeito por coisas que elas usam. Comece a falar de Direitos e estas associações devem ser traçadas de forma mais absoluta. E com certeza já temos uma proscrição de senso comum frequentemente executada em termos absolutistas que corresponde a esta intuição; não roube.


Ainda assim, as anticapitalistas claramente têm algo em mente. Mesmo deixando de lado os vieses cognitivos evolutivos do homo sapiens, nós enquanto indivíduos temos uma capacidade de processamento limitada. Não conseguimos pensar em tudo ao mesmo tempo. Se alguns dos processos de pensamento necessários para ser bem-sucedido e florescer em um dado sistema saem do controle e tomam cada vez mais espaço, outros - como aqueles por trás do motivo pelo qual adotamos esse sistema em primeiro lugar - serão empurrados para a periferia.


Se uma certa métrica for estabelecida como o alfa e o ômega de uma sociedade, quer seja a aquisição de uma moeda universal específica ou simplesmente agregar átomos, seu status enquanto exigência ou chave para qualquer busca ou desejo pode acabar tendo um efeito sobre estas buscas ou desejos.


Anticapitalistas frequentemente borram de maneira dissimulada a distinção entre riqueza e poder coercitivo - riqueza e/ou desequilíbrio de riqueza não têm que inerentemente garantir qualquer capacidade de controle social - mas é certamente verdadeiro que buscas diretas de poder e riqueza compartilham a mesma forma. A obstinação é progressivamente recompensada, até que a inércia desta abordagem expulse da mente a razão pela qual originalmente atribuímos valor à riqueza ou ao poder.


Consequentemente, em vez de focar em acumular títulos de propriedade ou dinheiro como um caminho para a oportunidade, argumentam as anarco-comunistas, deveríamos focar em acumular boa-vontade.


Eu não discordo.


Mas uma vez que você caracterize este foco na boa-vontade em termos de mercado, a la algo similar aos mercados de reputação de Doctorow, o caminho para fora destes emaranhados se torna aparente. Parece claro pra porra que títulos de propriedade são uma ferramenta com uma utilidade incrível no mundo como ele existe hoje e para os desafios técnicos que enfrentamos. Como tal, é lógico que aquelas dentro de uma sociedade anarco-comunista focada em boa-vontade têm uma vantagem competitiva para negociar e adotar um sistema de segunda ordem para desenvolver e reconhecer títulos de propriedade. Independentemente de precisamente quanto seu mercado acabe dinamicamente mediando isto, a boa-vontade permaneceria o bem primário capaz de ser transformado em, entre outras coisas, títulos de veto seletivo de uso a objetos físicos. Assim, podemos remover o obstáculo psicológico: sem um sistema de execução coagido pelo estado subjacente a títulos de propriedade ou bancos e moeda centralizados, os títulos de propriedade não são um investimento tão estável ou universalmente aplicável quanto a boa-vontade. E a boa-vontade, ao contrário dos títulos de propriedade, está direta e metodologicamente ligada a apreciar e respeitar as pessoas enquanto agentes.*


Isto sugere uma maneira de lidar com condições marginais da propriedade. Rothbard prontamente reconhecia, por exemplo, que um mundo em que um homem tivesse título a tudo seria claramente indiscernível de uma tirania. Expanda o número de proprietárias e você ainda teria uma oligarquia. Mesmo conceder uma quantidade simbólica de riqueza ao resto da população não necessariamente faria o mercado decolar, tampouco o permitiria flutuar de volta a uma direção mais dinâmica e igualitária, porque a dita riqueza poderia simplesmente ser insuficiente como capital.


Contudo, se a propriedade for um bem de segunda ordem derivado de instituições de mercado baseadas em reputação/boa-vontade/crédito, então se uma classe sistematicamente fodesse seu crédito com todas de uma outra classe, a subclasse não teria mais qualquer incentivo para respeitar suas reivindicações de títulos porque nenhum indivíduo dentro dela temeria nem mesmo uma sanção marginal ou perda de boa-vontade por ocupar e se apropriar de sua riqueza. De forma simples, se, antes de qualquer outra pessoa conseguir fazer qualquer coisa em uma nova colônia, eu criar robôs para lavrar toda a superfície do planeta, isso não cria inerentemente um incentivo, entre o resto dos colonizadores, para respeitar uma reivindicação de veto de uso de minha parte sobre todo o planeta. Se outras admiram e derivam valor do meu projeto de lavragem em massa (ou dos potenciais produtos dele) aí sim minha voz tem mais probabilidade de ser respeitada em discussões sobre seus usos, mas se eu quiser obter a aceitação de uma reivindicação de veto de uso, ela teria que derivar do desejo de outras pessoas de condições sociais de respeito propícias para empreender seus próprios projetos e ter suas próprias coisas respeitadas. Gravita-se em direção à adoção de títulos de propriedade porque, através de sua troca, pode-se maximizar muito mais a saciação dos desejos (concordando-se em deixar de se meter no diacho das decisões das outras pessoas quando se tratar do uso de certos objetos, em troca delas deixarem de se meter no diacho das suas decisões com outros objetos). Aceitar minha propriedade sobre literalmente tudo tornaria isso impossível.


Não apenas isto lida com tais condições limite, mas também resolve a antiga paranoia marxista sobre a acumulação descontrolada de riqueza através da usura.


Visto à luz de um mercado de reputação, o antigo ponto de Jeremy Weiland é ainda mais adequado: sem o estado, quanto mais riqueza você controla, mais ridiculamente você corre o risco de ter que pagar os olhos da cara para se proteger contra roubo e traição daqueles que você está pagando.


É mais fácil roubar um milhão de dólares do banco, ou de um cofre, do que roubar mil pessoas comuns ou mais. ...Pode ser que em um livre mercado exista um valor de riqueza média pessoal natural, para além do qual os retornos decrescentes se introduzam rapidamente, e abaixo do qual se está extremamente disposto ao lucro e ao enriquecimento.


É uma distinção entre informação e objetos; em última análise, você não consegue roubar bom crédito. A confiança e a boa-vontade das pessoas, bem como todo seu panorama de intenções em relação a você existem internamente dentro delas. São acessíveis por qualquer um em qualquer lugar, mas elas são as únicas capazes de mudá-las. Não existem bancos que possam guardá-las, apenas pontos de retransmissão coletivos ou institucionais através dos quais elas podem ser transmitidas. E a confiança subjaz criticamente todas as transações materiais.


Incidentalmente isto torna todo o debate sobre as propostas de proibições sistemáticas de salários, alugueis e juros discutível. Obviamente todos serão, em alguns contextos, não importando o quão marginais, considerados de forma desejável ou neutra por todas as partes. Mas mesmo se eles brotarem como um grande fenômeno, isto não é razão para entrar em pânico, enlouquecer e organizar merdas como 'posseiros' armados errantes com definições ideologicamente precisas de propriedade legítima. Em vez disso, o mercado já estará pronto para triturar ou impedir quaisquer vastas porções de riqueza acumulada porque será o mercado que negociará a aceitação de tal riqueza. Não necessariamente através crimes maliciosos, mas através de mecanismos de mercado de níveis mais altos que, em última análise, dão origem à medida e à força da reivindicação.


Enquanto um mercado, poderia não se parecer muito com o mito americano idealizado de nosso 'mercado' contemporâneo simplista. Mas aí, sabíamos que não seria.



* Há um ponto a ser feito aqui sobre o problema da manipulação, mas eu acho que é um ponto muito mais amplo que nenhum sistema estrutural pode abordar diretamente, porque em tal nível nós não podemos ditar intenções, podemos apenas reconhecer e contornar vieses. Então, não é um problema mais fundamental do que o é para o anarco-comunismo. Dito isto, eu acho que intenções e questões psicológicas de controle estão corretamente no próprio centro do projeto anarquista. Só fica fora da alçada desta discussão.

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