dezembro 30, 2015

A tarefa mecânica da Esquizoanálise. Por Rafael Trindade (RAZÃO INADEQUADA)

PICICA: "Deve-se reforçar o princípio de produção. E sempre lembrando Espinosa, conhecer é conhecer pela causa: como se produz? Conhecer é saber como se produz, ou seja, experimentar é o melhor jeito de maquinar. Aquele que produz sabe por onde andar, sabe experimentar, torna-se sábio. Onde estão suas pequenas máquinas pré-individuais? Onde elas se esconderam? Se apropriaram delas, a tomaram de assalto e você nem percebeu. Corra, ainda dá tempo!" 

A tarefa positiva consiste em descobrir num sujeito a formação ou o funcionamento de suas máquinas desejantes, independentemente de toda interpretação” – D&G, Anti-Édipo, p. 426
Tudo começa na cabeça do pai, que vem antes do filho. Ele desconfia, olha de esguelha: “então você deseja sua mãe!?“. Antes da neurose infantil, a paranoia adulta, “o que ele quer? Onde isso vai dar?“. É preciso proteger os fortes dos fracos, já dizia Nietzsche, Édipo funciona por contágio, ele passa por osmose do quarto dos pais para o berço do bebê, pegamos Édipo de alguém e não encontramos a vacina. Por isso a tarefa destrutiva da esquizoanálise, para desfazer as máquinas edípicas. O esquizoanalista pergunta: afinal, quais são suas máquinas desejantes?

O inconsciente molecular ignora a castração, o desejo ignora pessoas, a produtividade das máquinas desejantes ultrapassam toda forma de representação. Toda tentativa de representá-las é uma desaceleração que impedem sua produtividade. Elas não recusam por recusar, tal escolha mostra a grande velocidade com que produzem, seu processo mecânico é não consciente. Interpretá-las é entendê-las a partir de Édipo, como um conflito originário, e não se dar conta que as máquinas possuem seus próprio trajetos. Não se pode integrar as máquinas desejantes em um modelo fechado de subjetividade, este seria um uso ilegítimo das sínteses conectivas do inconsciente.

Para alcançar a subjetividade lá onde ela se faz, na imanência, precisamos encontrar o modelo de circulação dos objetos parciais, criar zonas autônomas temporárias de subjetividade. Por isso retomamos a pergunta, quais são as máquinas desejantes de cada um? Corpos que se relacionam sempre com os mesmos corpos não variam, não sabem experimentar. Todas as representações, todas as imagens enfiadas goelas abaixo nos impedem de acessar as máquinas desejantes.

Quando se pergunta pelas máquinas desejantes, há um retorno, um passo para trás, onde erramos? Deleuze e Guattari têm um palpite: a tarefa mecânica da esquizoanálise procura reverter todos os usos ilegítimos das sínteses do inconsciente! Abaixo o transcendente! Não mexam com nossas máquinas desejantes sem nosso consentimento. “Esquizofrenizar o campo analítico em vez de edipianizar o campo psicótico” (D&G, Anti-Édipo, p. 409). Conectamos máquinas e fechamos imagens globais, esquecendo que os objetos parciais não são parte de um todo. Criamos disjunções exclusivas, ignorando que o inconsciente articula com facilidade objetos contraditórios. Criamos subjetividades segregativas, bi-unívocas, por todo lado só encontramos papai e mamãe e o ego, perdendo assim o verdadeiro devir, experimentar da diferença.

A tarefa positiva da esquizoanálise é conduzida junto com a negativa. Lembremos de Bakunin, “a paixão por destruir é também uma paixão criativa!”. Afinal, em todos os lugares há perigos escondidos, é difícil escapar dos ideias ascéticos: os psicanalistas são padres, os apresentadores de televisão são padres, os políticos, padres também! Todos procurando suas inocentes ovelhas, todos com um pensamento transcendente, fundado na falta, no medo, na possibilidade ilusória de unidade e satisfação perene. Nos fazem desejar a morte: imagens. O desejo não estará liberado enquanto interpretar e acreditar em imagens.
Talvez haja tão somente uma doença, a neurose” – D&G, Anti-Édipo, p. 422
Deve-se reforçar o princípio de produção. E sempre lembrando Espinosa, conhecer é conhecer pela causa: como se produz? Conhecer é saber como se produz, ou seja, experimentar é o melhor jeito de maquinar. Aquele que produz sabe por onde andar, sabe experimentar, torna-se sábio. Onde estão suas pequenas máquinas pré-individuais? Onde elas se esconderam? Se apropriaram delas, a tomaram de assalto e você nem percebeu. Corra, ainda dá tempo!

O esquizoanalista é um mecânico, sim, é para isso que ele serve, a esquizoanálise é unicamente funcional. As máquinas devem ser desarranjadas e redispostas! Os objetos parciais precisam desfazer seus fluxos fechados e abrirem-se para o fora. Os objetos parciais até agora interpretados como parte de um todo são abertos para possibilidades do fora. Não há uma totalidade por vir, nem perdida. Não há Éden nem julgamento final. O desejo passa pelos órgãos, mas não se fecha em um organismo.
O esquizoanalista não é um intérprete, e muito menos um encenador; ele é um mecânico, um micromecânico” – D&G, Anti-Édipo, p. 448
Somente mecanicamente é que se torna possível descobrir suas máquinas desejantes, seu funcionamento, é preciso apertar e soltar parafusos. A ferrugem das máquinas são as representações que impedem seu livre funcionamento! O que flui? É o desejo, sempre o desejo fluindo pelas máquinas que cortam e conectam. É preciso ficar com os ouvidos atentos, estar à espreita, seguir as linhas de fuga como Alice seguiu o coelho, seguir os índices maquínicos até as máquinas desejantes.

Escapamos da armadilha edipiana, entramos em campo aberto, voltamos a fazer as máquinas desejantes funcionarem, encontramos nosso Corpo sem Órgãos. Deleuze e Guattari querem que cada um descubra em si a natureza dos investimentos libidinais do campo social, a relação com os investimentos pré-conscientes. As máquinas desejantes fazem conexões em todas as direções, elas encontram as saídas escondidas para a repressão do desejo.
As máquinas desejantes constituem a vida não-edipiana do inconsciente” – D&G, Anti-Édipo, p. 513
> este texto faz parte da série: Esquizoanálise <

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Fonte: RAZÃO INADEQUADA

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