dezembro 17, 2015

Entrevista com Paul Beatriz Preciado. Paul Beatriz Preciado/Jesus Carrillo. (TERRITÓRIOS DE FILOSOFIA)

PICICA: "Para começar, gostaria que localizasse o debate ou os debates específicos que passaram a formar parte da sua agenda teórica e política, os termos chaves em torno dos quais gira seu projeto atual de redefinição das dinâmicas de gênero: o performativo, o queer, o protésico, a multitude, o biopolítico, etc. Quais foram, sob a sua perspectiva, as frentes e os objetivos principais que determinaram o que hoje conhecemos como pós-feminismo?" 
 

Entrevista com Paul Beatriz Preciado.
Paul Beatriz Preciado/Jesus Carrillo.*

“Fazemos o favor de te trazer, indiazinha, à catedral do orgulho gay.”
Pedro Lemebel, Crônicas de Nova York, 1996.

Jesús Carrillo: Para começar, gostaria que localizasse o debate ou os debates específicos que passaram a formar parte da sua agenda teórica e política, os termos chaves em torno dos quais gira seu projeto atual de redefinição das dinâmicas de gênero: o performativo, o queer, o protésico, a multitude, o biopolítico, etc. Quais foram, sob a sua perspectiva, as frentes e os objetivos principais que determinaram o que hoje conhecemos como pós-feminismo?
Paul Beatriz Preciado: Cheguei aos Estados Unidos, à New School for Social Research, em 1991, em plena mudança dos departamentos de estudos da mulher, mas também dos estudos gays e lésbicos. Cresci na fascinação intelectual pela obra de Judith Butler, mas como hispano-par­lante meus interlocutores privilegiados foram sempre as lésbicas chicanas e latino-americanas.

Sinto-me nesse sentido próxima a Jacqui Alexander, Gloria Andaluza, Cherry Moraga y Aurora Lewis. Também a Teresa de Lauretis, que não deixa de ser uma italiana trabalhando em um campus norte-americano. Este processo de transformação e crise do feminismo da “segunda onda” (second-wave feminism), que daria lugar à teoria pós-colonial, à teoria queer, ao pós-fe­minismo, aos estudos de transgênero, etc., foi um período extremamente intenso. Apesar de que há frequentemente uma tendência a compreender o pós-feminismo como uma forma de “anti-feminismo”, esse termo tem hoje o sentido de sinalizar um novo marco conceitual para o feminismo. O pós-feminismo representa a maturidade do feminismo como teoria política. No discurso dos anos 90, o termo pós-feminismo indica um giro conceitual de debates sobre igualdade e diferença, justiça e reconhecimento, e também do essencialismo e do constru­tivismo, em direção a debates em torno da produção transversal das diferenças. Marca um deslocamento daquelas posições que partem de uma noção única de diferença sexual e de gênero –seja esta entendida em termos essencialistas, em termos marxistas (a divisão sexual do trabalho) ou em termos linguísticos (ordem simbólico ou pré-simbólico)– em direção a uma análise de natureza transversal. Trata-se de estarmos atentos, diria Bell Hooks, ao “entrecru­zamento de opressões” (interlocking opressions). Não é simplesmente questão de se ter em conta a especificidade racial ou étnica da opressão como mais uma variante junto à opressão sexual ou de gênero, mas de analisar a constituição mútua do gênero e da raça, o que pode­ríamos chamar a sexualização da raça e a racialização do sexo, como dois movimentos cons­titutivos da modernidade sexo-colonial. Kimberly Crenshaw indicará a necessidade de evitar a criação de hierarquias entre as políticas de classe, raça, nação, sexualidade ou de gênero e, ao contrário, apelar ao estabelecimento de uma “interseccionalidade política” de todos esses pontos de estratificação da opressão. Trata-se, disse Avtar Brah, “de pensar uma ‘política relacional’, de não compartimentar as opressões, mas formular estratégias para desafiá-las conjuntamente, apoiando-se na análise de como se conectam e se articulam”.
J.C.: Entretanto, muitos desses enfoques chegavam a contradizer algumas das reivindicações históricas de normalização do feminismo e do movimento gay.
P.B.P.: As autoras que citei chamavam a atenção para as contradições e exclusões provocadas pelas lutas identitárias tradicionais, em busca de reconhecimento e igualdade por parte da Justiça. Para dar um exemplo: do ponto de vista das políticas de imigração, a demanda de legalização do matrimônio gay vem indiretamente reforçar o matrimônio como condição de acesso à cidadania. Do mesmo modo, os programas institucionais de luta contra a chamada “violência de gênero” contribuem para uma naturalização da relação entre violência e mas­culinidade, mascarando a violência própria das estruturas conjugais e familiares (que são, ademais, reforçadas pelas demandas de matrimônio gay). Do ponto de vista político, o pós-feminismo e os movimentos queer surgem como uma rea­ção ao transbordamento do sujeito do feminismo por suas próprias margens abjetas (nesse sentido supõem uma crítica dos pressupostos heterossexuais e coloniais próprios da segunda onda do feminismo), como o movimento PONY (prostitutas de Nova York), the Daughters of Bilitis e os diversos grupos de feministas negras, chicanas, etc. Teresa de Lauretis fala de “uma ruptura constitutiva do sujeito do feminismo” e da produção de uma “subjetividade excêntrica”. Para De Lauretis esta ruptura deriva da “não coincidência entre o sujeito do femi­nismo e as mulheres”. Uma crítica geral dos efeitos de normalização e naturalização que acom­panham toda política de identidade será levada a cabo: a institucionalização estatal de políticas de gênero, a normalização das políticas gays e lésbicas, a essencialização dos projetos anti-co­loniais nacionalistas, etc. O problema, segundo algumas feministas marxistas, pós-marxistas y habermasianas – que se inserem ainda no enquadramento da modernidade e da Ilustração, como Nancy Fraser, Sheila Benhabib e Rosi Braidotti –, com relação às hiperbólicas críticas que emergem do pós-feminismo e da teoria queer, é que supõem colocar em perigo o sujeito político do feminismo. A partir de então, serão buscadas “localizações estratégicas” para o sujeito do feminismo. Assim, por exemplo, no início dos anos 90, a categoria “mulheres do Terceiro Mundo” seria abandonada em benefício da geopoliticamente mais precisa “mulheres de cor”, que se deslocará mais tarde em direção à transversal “Queer-Cripple-Color-Alliance”, em um processo de questionamento incessante.
J.C.: O termo queer, que aparece frequentemente em seu discurso, parece ser a chave de um modo de pensar o político em termos que superam tal impasse. Poderia definir-lo de um modo mais preciso?
P.B.P.: Para aqueles que são alheios a este campo de produção discursiva e política, diria que queer é um insulto que em inglês significa “viado, bicha, boiola, marica” e que, por extensão, conota desvio sexual ou perversão. Pois bem, ao final dos anos 80, e como reação às políticas de identidade gays e lésbicas americanas, um conjunto de microgrupos vão se reapropiar desta injúria para se opor justamente às políticas de integração e de assimilação do movi­mento gay. Os movimentos queer representam o transbordamento da própria identidade ho­mossexual por suas margens: viados, maricas, boiolas, transgêneros, putas, gays e lésbicas deficientes, lésbicas negras e chicanas, e um interminável etc. Surgem, assim, grupos como Queer Nation, Radical Furies ou Lesbian Avengers que vão fazer um uso maximalista da po­sição das minorias sexuais como “sujeitos maus” ou “sujeitos perversos” da modernidade. Neste sentido, os movimentos queer denunciam as exclusões, as falhas das representações e os efeitos de renaturalização de toda política de identidade. Se, em um sentido político, os movimentos queer aparecem como pós-gays, podemos dizer que de um ponto de vista dis-cursivo a teoria queer vai surgir como um giro reflexivo a partir dos erros do feminismo (tanto essencialista quanto construtivista) dos anos 80: o feminismo liberal ou emancipacionista é denunciado, uma vez mais, do ponto de vista de suas próprias margens, como uma teoria fundamentalmente homófoba e colonial.

Trata-se também, como destaca De Lauretis, de questionar a categoria “mulher” como aque­la que define o sujeito político do feminismo. Em 1991, a exclusão de uma mulher transexual, Nancy Jean Burkholder, do festival de música de mulheres de Michigan, nos Estados Unidos, abriu um debate nas comunidades lesbianas sobre a pertinência do critério biológico (“reser­vado a mulheres”) para traçar os limites do espaço político. Qual era o conceito de gênero ou de identidade sexual que fazia com que Burkholder, uma mulher transexual pós-op1 que se de­finia como lésbica, não pudesse ter acesso ao espaço lesbiano? Nos anos 90, e paralelamente à emergência política das comunidades translesbianas, cristaliza-se uma cena drag king em São Francisco, Nova York e Londres. Dá-se visibilidade, deste modo, a uma cultura de repre­sentação da masculinidade lesbiana, com ícones como Dianne Torr, Murray Hill, Del La Grace, Mo B. Dick ou Hans Sheirl. Com ou sem hormônios, com ou sem silicone, a princípio de um novo século, uma pequena multitude de “lésbicas” já iniciava um processo de transformação discursiva e corporal que dava à frase “eu não tenho vagina” –atribuída a Monique Wittig– um ar de premonição futurista.

Nesta transformação do discurso e das práticas feministas foi importante a reabilitação, através da releitura de Foucault, da noção de tecnologia que tinha sido repudiada tanto pelo feminismo clássico quanto pelas políticas anti-coloniais, porque eram entendidas como índice ou de do­minação masculina (Gena Corea, Mary Daly, Evelyn Fox Keller, Linda Gordon, Adrienne Rich, Andrea Dworkin, etc.) ou de colonização imperial. O “Manifesto Ciborgue” (1989)2 de Donna Haraway marcará um ponto de inflexão para a repolitização daqueles artefatos (o feminino, o animal, a natureza) que haviam sido pensados precisamente na própria fronteira do tecnológico.
J.C.: Tal como você o enfoca, o desenvolvimento do queer seria um aprofundamento reflexivo do próprio feminismo como uma transgressão de seus pilares do ponto de vista tanto teórico quanto dos posicionamentos políticos e atitudes que o animam. Quais seriam as chaves des­sa transformação?
P.B.P.: Essa virada reflexiva em torno às próprias teorias feministas será levada a cabo através, entre outras coisas, do que poderíamos chamar um giro performativo na análise da identidade sexual e racial. Autoras como Judith Butler, Sue Ellen Case e Eve K. Sedgwick vão utilizar a no­ção de “performance”, a princípio estranha ao âmbito feminista, para desnaturalizar a diferença sexual. Para Butler, “o gênero não tem estatuto ontológico fora dos atos que o constituem”. Nesta leitura, o gênero seria o efeito retroativo da repetição ritualizada da performance. Um processo de desconstrução semelhante será levado a cabo na teoria pós-colonial. A noção de “falsa mimese colonial”, ou “mimese desviada” (flawed colonial mimesis) desenvolvida por Homi Bhabha está próxima à de “citação subversiva dos códigos performativos de gênero” de Butler. Para Bhabha, a dupla demanda do discurso colonial (demanda de diferença e demanda de integração) produz uma resposta ambígua, mescla de repetição e desobediência, que tem lugar na fratura da autoridade colonial. Isto é o que Leela Gandhi chama “lógica da apropriação inapropriada”, presente também na cultura camp. Para Butler, o que se produz através desta mimese desviada, ou desta citação subversiva, é o desvelamento dos mecanismos de produ­ção performativa dos originais de gênero, de raça, da sexualidade.

Mas o que vai interessar aos leitores transgenéricos da teoria queer é como a mimese des­viada ou a paródia de gênero podem funcionar como a anamorfose, no sentido lacaniano, isto é, como podem produzir distorções nos códigos de significação dominantes. De um ponto de vista estético, este giro, ou esta mimese desviada, vai produzir anti-estética, estéticas negati­vas, feísmos ou estéticas camp, de glamourização do lixo, estéticas que invertem o valor entre copia e original (como os trabalhos de Del La Grace, Annie Sprinkle e Ron Athey).
J.C.: Apesar de sua pouca idade, você viveu o desenvolvimento e o auge da teorização queer no âmbito acadêmico norte-americano bem de perto, de dentro. Como se situa pessoalmente dentro desse debate, e como o enxerga a partir de sua perspectiva atual?
P.B.P.: Quando voltei a Europa em 1998, encontrei-me em uma situação anacrônica ao tentar levar a cabo uma crítica de certos textos da teoria queer (continuando e questionando a teoria do poder e da subjetivação de Foucault, mas também alguns dos pontos argumentativos da teoria da identidade performativa de Judith Butler) em um momento em que as políticas de identidade gay e lesbiana mal haviam emergido na França e na Espanha. Por isso, o Manifiesto contrasexual3 foi entendido imediatamente pelo feminismo francês como um exemplo da teoria queer anglo-saxã. Creio que este deslocamento, este décalage político-temporal foi fru­tífero na medida em que permitiu a proliferação de outras formas de teoria queer que foram se distanciando progressivamente da ortodoxia performativa norte-americana. As análises queer ortodoxas em termos de gênero como performance me parecem insuficientes para entender os processos de incorporação de sexo e de gênero. Ao acentuar a possibilidade de cruzar os gêneros através da performance teatral, Gender Trouble 4, o texto canônico da teoria queer, havia subestimado os processos corporais e especialmente as transformações sexuais pre­sentes nos corpos transexuais e transgenéricos, mas também as técnicas estandardizadas de estabilização de gênero e de sexo que operam nos corpos “normais”. Precisamente por isso, as primeiras críticas contra esta formulação de identidade em termos de paródia ou drag surgiram das comunidades transgenéricas e transexuais. Apesar de ser verdade que em seus livros posteriores até o mais recente –Undoing Gender 5–, Judith Butler se esforçou por restituir os “corpos” que haviam ficado diluídos entre efeitos paródicos e performatividade linguística; seu próprio construtivismo hegeliano a impossibilita de pensar segundo qualquer forma de materialismo imanentista. Podemos dizer que se abriram ao menos dois espaços de conceituação: um dominado por noções performativas cujo impacto tem sido de espe­cial relevância no âmbito estético, e outro de rasgo biopolítico, no qual se perfila uma nova definição do corpo e da vida. O que a crítica transgenérica põe sobre a mesa não são mais performances, são transformações corporais físicas, sexuais, sociais e políticas que ocorrem não no palco, mas no espaço público. Dito de outro modo: trata-se de tecnologias precisas de transincorporação. No meu próprio trabalho, o consolador (dildo) permite entender esta produção biotecnopolítica do corpo como próteses sexual. Ao mesmo tempo, o consolador é um sexo camp, uma forma drag, não mais de gênero, senão de sexo.

Do mesmo modo que, em meados do século XX, assistimos a um deslocamento de mode­los físicos e termodinâmicos da subjetividade a modelos textuais (tradução, reconstrução, leitura, descodificação, semiótica…) aos quais poderíamos também incluir o giro performativo do final dos anos 80, parece que hoje se dá um segundo movimento em direção a modelos epidemiológicos, imunológicos, nos quais parece haver uma primazia do tecno-orgânico e do que poderíamos chamar, de acordo com Guattari, uma “ecologia política”. Neste sentido, creio que estamos deixando pra trás uma etapa de incapacidade para pensar a corporalidade que foi provocada pelo temor a cair em uma forma de essencialismo. Agora trabalhamos a partir de uma posição altamente construtivista, na qual a noção tradicional de carne, ou soma, se pensa como um sistema tecnovivo.

Distancio-me do feminismo marxista, junto com as teorias pós-coloniais, porque desconfio da pertinência teórica e política da utilização da noção de diferença sexual (divisão sexual do trabalho), ou inclusive da noção de gênero, como único eixo sobre o qual se estrutura uma dialética de dominação transcultural e trans-histórica. A crítica pós-colonial e queer responde, de certo modo, à impossibilidade do sujeito subalterno articular sua própria posição dentro da análise da história do marxismo clássico6. O locus da construção da subjetividade política parece ter se deslocado das tradicionais categorias de classe, trabalho e divisão sexual do trabalho a outras constelações transversais como podem ser o corpo, a sexualidade, a raça; mas também a nacionalidade, a língua, o estilo ou, inclusive, a imagem. No entanto, me dis­tancio também de algumas das formulações ortodoxas da teoria queer, porque não entendo os regimes disciplinares como mecanismos fechados de reprodução social. Em seu último livro, Touching Feeling7, Eve K. Sedgwick reflete de modo crítico sobre alguns dos princípios hoje tidos como clássicos da teoria queer, derivados de uma leitura totalizante da genealo­gia foucaultiana, considerando-os efeitos do que denomina uma “hermenêutica paranóica”. Sedgwick entende a paranóia aqui não como uma patologia psiquiátrica, mas como uma mo­dalidade do conhecimento que se caracteriza por produzir epistemologias miméticas àquelas que pretende criticar, tornando-se progressivamente tautológica e, portanto, totalmente es­téril. Segundo Sedgwick, por exemplo, o problema que implica reduzir a cultura camp a uma mera evidência da natureza paródica ou performativa da identidade de gênero –como Butler em Gender Trouble– é que não permite explicar a economia do excesso estilístico, a produção de beleza, a criação de prazer e a invenção de estratégias de sobrevivência que acontecem em práticas drag queen, drag king ou de transgênero.
J.C.: Do que comenta Sedgwick, deduz-se que é preciso realizar uma nova leitura de Foucault. Que pode uma leitura de Foucault ainda contribuir à compreensão dos processos de articula­ção subjetiva e política contemporâneos?
P.B.P.: Creio que esta leitura aberta das tecnologias de controle já estava presente, de algum modo, em algumas análises de Foucault. Interessei-me precisamente pela forma em que diferentes tecnologias de gênero operavam para produzir posições de sujeito-corpo, a forma através da qual esses sujeitos-corpo resistem à normalização, fazendo uma citação descon­textualizada ou um uso impróprio dessas tecnologias de normalização. Dito de outro modo,
o que me interessa é como essas tecnologias falham – e, de um modo ou outro, falham constantemente –, como são produzidas descontinuidades, como são gerados interstícios ou dobras de subjetivação ou incorporação desviante. Até agora a maioria dos estudos de gênero tem enfocado a “feminilidade”, a diferença sexual ou as mulheres. Creio que justamente por­que desde a infância minha posição foi sempre a de resistência a certo processo de “devenir mulher”, sinto-me especialmente atenta à construção da masculinidade moderna. Partindo das utilizações da noção foucaultiana de tecnologia que havia iniciado Teresa de Lauretis, concentro-me atualmente em uma teoria do gênero como “incorporação prostética”. Esse é o trabalho que tenho tentado desenvolver com a genealogia do consolador, e que continuo ago­ra com um estudo das lógicas prostéticas de produção do gênero na cultura popular: a dança, a arquitetura e a pornografia. É o que denominaria “consoladorônica” (“dildónica”), mais que teoria queer. Neste momento, trabalho na elaboração de uma cartografia das tecnologias de produção e de normalização do gênero, o sexo e a raça em regime “pós-moneísta”, isto é, posterior à invenção da categoria de gênero como uma biotecnologia do corpo sexual iniciada pelo doutor Money em torno a 1947. Trata-se de esboçar os pontos-chave de um novo ativismo que poderíamos denominar gender-copyleft; uma micro política de células que, indo além das políticas de representação, busca pontos de fuga frente ao controle estatal de fluxos (hormô­nios, esperma, sangue, órgãos…) e códigos (imagens, nomes, instituições…) e a privatização e mercantilização por parte das multinacionais médicas e farmacêuticas destas tecnologias de produção e modificação do gênero e do sexo.

Foucault destaca a passagem das sociedades soberanas às sociedades disciplinares, por vol­ta do séc. XVIII, como um deslocamento de um tipo de poder que decide e ritualiza a morte em direção a um poder que calcula e organiza a vida da população. São, em definitivo, dois modelos de gestão do corpo social. Foucault denomina “biopolítica” a um conjunto de práti­cas governamentais dirigidas a racionalizar a vida da espécie: práticas de saúde, de higiene, de natalidade, de classificação e de depuração racial. Entretanto, Foucault nunca se interessou pela noção de gênero. Do meu ponto de vista, a invenção da categoria de gênero sinaliza a passagem a um novo modelo que denominei “pós-moneísta” e que Deleuze e Guattari ti­nham caracterizado, de algum modo, com o nome de “sociedades de controle”. Trata-se de um modelo baseado na internalização, ou na invisibilização dos mecanismos de controle, na gera­ção de formas de controle difuso, reticular, hormonal e prostético. Em termos espaciais já não é um modelo de clausura (como o do hospital ou da fábrica), mas um modelo de tecido, de rede, nos quais primam o deslocamento imediato, a conexão; a contaminação e as formações somatopolíticas seriam aqui a AIDS ou o câncer, mas também as mutações produzidas pela bomba atômica, a radiação, o antrax… Este é também um modelo cibernético, de hibridação, metamorfose, mutação. Obviamente, trata-se do novo modelo do colonialismo globalizado. Não se trata mais de políticas da morte ou da vida, mas da produção e do controle de esta­dos intermediários entre a vida e a morte: a morte cerebral, a vida vegetativa, os embriões, os vírus, etc. O modelo de subjetivação é o monstro. Este é o regime que Haraway, levando Foucault a suas últimas consequências, denominou “política do ciborgue”.

Donna Haraway, operando um diagnóstico semelhante ao que levaram a cabo Antonio Negri e Michael Hardt no domínio da economia política, destaca a passagem de uma sociedade indus­trial a um sistema polimorfo e prostético de informação que vai denominar, com a expressão de Rachel Grossman, “circuito integrado”. Segundo Haraway, “estamos experimentando mu­danças tão profundas na produção da raça, do gênero e da sexualidade que são equivalentes em força de transformação àqueles que se produziram durante a revolução industrial.” Já não há dominação simplesmente em termos de classe, de raça ou de sexo; o que há é um circui­to de opressões conectadas que Haraway chama “informática da dominação”. A política do cyborg (nome que Manfred Clynes e Nathan Kline do Hospital Rockland States utilizaram em 1960 para denominar uma rata a qual haviam implantado uma bomba osmótica e um sistema de controle cibernético) aparecia ao final dos anos 80 como a ação política adequada em um tempo pós-orgânico. De novo, como no caso das políticas queer, o ciborgue trata de dar nome a uma subjetividade política que não está baseada em identificações nacionais, coloniais, se­xuais de caráter natural ou naturalizado.

J.C.: Poderia apontar quais são as possibilidades e os limites do transplante (e absorção) das noções queer de performatividade, geradas no ambiente específico americano (anglo-saxão), a um contexto como o europeu e o espanhol, nos quais as circunstâncias e os processos de produção da subjetividade e da identidade são tão aparentemente diferentes?
P.B.P.: Surpreende-me esta retórica do transplante e da absorção em outro lugar. Do meu pon­to de vista, o problema consiste em considerar a teoria queer ou o feminismo pós-colonial como um exemplo paradigmático da cultura norte-americana. Não nos esqueçamos de que a teoria queer não deixa de ser uma crítica feita a partir das margens do discurso americano dominante. Uma crítica que emana de micropolíticas pós-feministas, maricas, boiolas, inter-sexuais, transgênero e transexuais, assim como dos feminismos de cor e handiqueer. Longe de ser norte-americana, como o movimento de Seattle, a teoria queer podia ser um exemplo de um intenso questionamento dos discursos hegemônicos da cultura ocidental. Trata-se de uma resposta à globalização dos modelos norte-americanos de identidade sexual straight, mas também do feminismo liberal ou da cultura gay integracionista. Para se ter uma ideia da frágil posição que as teorias e as práticas queer ocupam na nação norte-americana, en­quanto “corpos estrangeiros”, basta recordar as afirmações de Richard Rorty em Achieving Our Contry, Leftist Thought in Twenty-Century American8. Em seu livro, o célebre filósofo pragmatista acusa a filosofia estruturalista francesa –atacando particularmente a “herança” da filosofia de Foucault– de ser a responsável pela corrupção do verdadeiro pensamento de esquerda norte-americano, por haver introduzido as noções que conduziram – segundo Rorty – às formas atuais de feminismo, à teoria queer e ao multiculturalismo. Para Rorty, a filosofia francesa alimenta a esquerda culturalista que é, segundo ele, a origem da contaminação (mais uma vez) da verdadeira tradição democrática norte-americana. Rorty não hesita em utilizar a retórica da “importação” para estigmatizar o pensamento estrangeiro como uma forma de “afrancesamento da América”. Esta mesma retórica funciona, de modo inverso, na França, para controlar a emergência das teorias queer made in France (como se se tratara, neste caso, de um processo de americanizacão da França) iniciada por autores locais que estariam “sob a influência” de Butler, Rubin ou Sedgwick (influenciadas elas mesmas por Foucault!). Por exemplo, no contexto francês a resistência à tradução de alguns dos textos clássicos da teoria queer e pós-colonial –não esqueçamos que Gender Trouble, de Judith Butler, ou The Location of Culture, de Homi Bhabha9, não foram ainda traduzidos ao francês10–, tem sido justificada em termos de resistência à “importação” do pensamento americano. É surpreendente esta obstinação em localizar a emergência da crítica queer fora do solo da nação (seja ela francesa ou espanhola) como se as teorias e práticas queer, os diferentes agentes queer, constituís­sem uma forma de contaminação, para não dizer de imigração clandestina. Seguramente esta retórica não é completamente alheia às atuais políticas de imigração na Europa e nos Estados Unidos. A mise en abîme de “importações” indica a impossibilidade de estancar este fluxo de transferências.

Quando cheguei à França, em 1998, nenhum dos textos-chave da teoria queer, nem sequer do feminismo crítico (como os de Gayle Rubin, Pat Califia), para não falar do feminismo pós-colonial, haviam sido traduzidos ao francês. Passei então um bom tempo tentando convencer, com a ajuda do próprio Derrida, alguns editores franceses da urgente necessidade de ver es­ses textos traduzidos. Mas nem sequer o apoio de Derrida serviu para convencer aos mais re­calcitrantes defensores da psicanálise ou da filosofia francesa. Neste momento, Payot, Seuil, PUF e Fayard se desculpavam dizendo que esses textos “feministas radicais” ou “gays ame­ricanos” não seriam rentáveis no mercado francês. Creio que parte desta “falta de rentabili­dade” escondia, sem dúvida alguma, medos políticos. O medo de pr em dúvida o monopólio discursivo da psicanálise sobre questões de sexualidade na França. (Não podemos esquecer que, se nos Estados Unidos invoca-se a Bíblia para argumentar contra a homoparentalidade, na França invoca-se aos seminários de Lacan e o ordem simbólico!) Mas também a rejeição às políticas de identidade como possíveis portadoras de comunitarismo e, portanto, agentes de dissolução da unidade republicana ou nacional. O curioso é que a teoria queer, cujo objetivo primeiro foi a crítica dos efeitos normativos e naturalizantes das políticas de identidade gay e lesbianas, tenha sido considerada na França o veículo de transmissão do que alguns chamam “extremismos identitários”, operando assim um deslizamento semântico das identidades se­xuais ou de gênero às identidades étnicas ou religiosas. Creio que estes deslocamentos – que ocorreram, na primeira metade do século XX, de judeu a homossexual, hoje de muçulmano a queer – são realmente significativos. Precisamente por isso, torna-se absolutamente neces­sário entender a teoria queer em continuidade com as críticas pós-coloniais.
J.C.: Aproveitando esta última referência ao pós-colonial, poderia fazer uma valoração mais detalhada da pertinência da aplicação dos topoi da teoria queer a outros contextos periféricos com relação aos centros onde estes se formulam: ao ambiente pós-colonial, ou a um âmbito onde o debate é pouco desenvolvido como o do estado espanhol?
P.B.P.: A questão da produção cultural ou da criação de práticas e discursos políticos não pa­rece poder ser decidida hoje em termos de centro e periferia. Enquanto a lógica espacial do colonialismo se baseava na suposta distancia entre a centralidade da metrópole e as colônias situadas nas periferias do mundo – uma periferia que era entendida como margem tanto no sentido de sua dependência com relação à lei imperial quanto pelo papel constitutivo que esta distância desempenhava para definir a identidade da colônia frente ao Outro –, a viagem colonial só poderia ser uma viagem da metrópole colonial em direção às periferias coloniza­das. Edward Said destacou que a direcionalidade desta viagem se inverteu durante o último século (isso é o que os discursos de extrema direita, por exemplo, o de Le Pen na França, vem chamando de “colonização inversa”), de modo que agora as antigas metrópoles apare­cem como zonas híbridas de contato e de superposição. Autores como Franz Fanon, Aimé Césaire, Edouard Glissant e Jacqui Alexander nos tornaram conscientes de que habitamos uma nova condição glocal, uma zona de fricção que não é uma exterioridade à dominação (colonial, masculina, heterossexual), mas uma zona fronteiriça, uma dobra. Por uma parte, o feminismo chicano e caribenho (articulado especialmente nas universidades da costa oeste dos Estados Unidos, como o departamento de História da Consciência da Universidade da Califórnia em Santa Cruz), na Inglaterra, na Índia (em torno ao grupo de estudos subalternos de Ranajit Guha) ou na América Latina, tem produzido narrativas críticas do colonialismo que não acentuam a defesa do autoctonismo, mas as zonas de contacto, as identidades transversais e os espaços híbridos. Será produzida, portanto, uma série de escritos fronteiriços, mestiços, bilíngues ou inclusive multilíngues, como é o caso do clássico de Gloria Andaluza, Borderlands/ La Frontera11. Surgem assim um conjunto de noções como “transculturação”, “contraponto”, “coiote”, “Malinche”, “bastarda”, “ciborgue”, “vírus” e “dildo” que deslegitimam a pureza, a tele­ologia e a unidimensionalidade das representações coloniais, sexuais e científicas dominantes.

Como nos ensina Walter Mignolo12, “a maior conseqüência da geopolítica do conhecimento é compreender que o conhecimento funciona como os fluxos da economia globalizada”. Do ponto de vista da geopolítica do saber, poderíamos dizer que o verdadeiro problema é a re­dução antropológica ou etnográfica que as micropolíticas queer não norte-americanas sofrem na leitura acadêmica nos Estados Unidos. Este verão tive a oportunidade de lecionar um mês no Chile, graças a um convite do Mestrado em Gênero da Universidade de Santiago. Pude comprovar a riqueza da produção de teorias e narrativas subalternas “glocales” queer, como as levadas a cabo por autores como Pedro Lemebel e Juan Pablo Sutherland. Nos Estados Unidos, a leitura destes autores será (no melhor dos casos) objeto de uma folclorização exo­tizante (um efeito não muito distinto daquele que Said denominou “orientalismo”), sendo desviada a departamentos de estudos latino-americanos, onde raramente alcançará o centro de um debate sobre a construção de gênero ou da sexualidade queer.
J.C.: Nesse sentido, diria então que existe um magma comum que une a teoria queer, in­dependentemente de sua origem específica, com as articulações discursivas da crítica pós-colonial contemporânea?
P.B.P.: As críticas da “epistemologia da representação” ou da “metafísica da presença” que ten­demos a reconhecer como pós-estruturalistas são elas próprias contemporâneas (talvez ecos) da produção de linguagens subalternas do feminismo radical, do movimento pelos Black Civil Rights, dos movimentos gays, lesbianos e transexuais e da crítica pós-colonial. Como desta­cava Craig Owens, são precisamente as críticas que emergem do feminismo, dos estudos culturais e do movimento negro aquelas que geraram um questionamento da legitimidade da representação (tanto estética quanto política) ao “interrogar os sistemas de poder que autori­zam certas representações enquanto que outras são obstaculizadas, proibidas ou invalidadas”. Dito de outro modo, o que vai ser produzido a partir dos anos 60 é um deslocamento do sujeito da enunciação científica. Aqueles que até agora haviam sido produzidos como objetos abjetos do saber médico, psiquiátrico, antropológico, os “subalternos” (Guha, Spivak), os “anormais” (Foucault), vão reclamar progressivamente a produção de um saber local, um saber sobre si mesmos, um saber que questiona o saber hegemônico. É o que Foucault denomina em 1976 “a insurreição dos saberes sujeitados”.

Enquanto, ao final dos anos 80, Gayatri Spivak, em seu clássico Can the Subaltern Speak?13, pensava em um apagamento sistemático da voz do subalterno no texto imperialista, uns anos mais tarde, Chandra Mohanty afirmará que o sujeito subalterno não está nem condenado ao silêncio nem forçadamente calado, mas que se situa justamente nas fraturas entre vá­rios discursos hegemônicos e minoritários; daí a dificuldade em ser ouvido. Poderíamos dizer que do ponto de vista de hermenêuticas reparadoras tanto Bhabha, já mencionado, quanto Chandra Talpade Mohanty e Jacqui Alexander14, contrariamente a Spivak, vão se encarregar de mostrar justamente como o sujeito pós-colonial fala e produz linguagens minoritárias. Creio que em termos políticos o que ocorre é que os subalternos efetivamente, pese a linguagem dominante, falam e que, além do mais, essas linguagens minoritárias não produzem somente distorções de sentido, produzem também novas significações. Longe de uma intradutibilida­de radical da condição de subalternidade, o que estes autores reclamam é o status de toda linguagem como fronteiriça, como em si mesma produto – sempre e em qualquer caso – de tradução, de contaminação, de deslocamento, negando o caráter originário e puro da lingua­gem e por extensão da identidade nacional, mas também de gênero e sexual. No que, sim, parecem estar de acordo Said, Bhabha, Spivak e Mohanty é sobre a crítica aos processos de reconstrução das identidades nacionais pós-coloniais e às políticas de identidade de gênero e sexuais como processos de renaturalização que reproduzem as epistemologias (coloniais ou sexuais) essencialistas que pretendem superar.

O acesso dos subalternos às tecnologias de produção de saber vai produzir uma ruptura epis­temológica. Esta ruptura abre uma nova topografia do conhecimento, conforme havia indicado Donna Haraway, marcada pelo deslocamento da unidade de um saber hegemônico a uma multiplicidade de “saberes localizados”. O saber localizado é para Haraway a prática da objeti­vidade subalterna frente ao saber científico e universal, portador dos valores da colonização, da heterossexualidade e do patriarcado. Trata-se de uma política desnaturalizada, estruturada em torno a vínculos sintéticos de afinidade, de políticas que unem as diferenças, alianças da descontinuidade, e não a partir do consenso, através do que Chela Sandoval chama “redes de posicionamento diferencial”.

Na arte, um dos primeiros espaços de discussão pós-colonial foi aquele aberto em 1980 por uma série de conferências e mesas redondas no New Museum de Nova York, com o título geral de Minorities Dialogues, organizado por Linda Goode, John Neeley e Hawardina Pindell. Um dos elementos que os debates deixaram claro foi a necessidade de se questionarem as práticas curatoriais delimitadas pela fronteira da identidade nacional, sexual ou pela disciplina (que fossem além de reduções identitárias como arte de mulheres, arte africana ou arte gay). Ao invés de afirmar a exclusividade da história local de nossa suposta periferia15, trata-se mais que nada de sublinhar a multiplicidade de histórias, ao mesmo tempo que o caráter híbrido de nossa própria cultura (um dia centro de colonização, hoje margem da Europa). Como indica Ella Shoat, trata-se de descolonizar a representação não somente naquilo que diz respeito aos artefatos culturais (exposições museísticas, cânones literários, mostras cinematográficas), mas também em termos das comunidades que se encontram “por trás de tais artefatos” e da construção dos contextos de recepção, isto é, da criação de públicos.
J.C.: No contexto da disseminação do pensamento queer e pós-colonial e da irrupção de uma multiplicidade discursiva de “saberes localizados” que você descreve, que uso e que perti­nência pode ter a herança teórica do pós-estruturalismo: Foucault, Derrida, etc.?
P.B.P.: A teoria queer é, de certo modo, uma segunda virada, uma retradução política de certos textos da filosofia pós-estruturalista francesa, assim como de críticas da psicanálise tanto freudiana quanto lacaniana. Ao final dos anos 70, a tradução nos Estados Unidos de La volon­té de savoir, primeiro volume de Histoire de la sexualité de Foucault, foi determinante para
o deslocamento dos chamados women studies e dos gay and lesbians studies a um estudo transdisciplinar da produção de identidades sexuais. Sem dúvida, os trabalhos de Gayle Rubin ou a historiografia de Joan Scott teriam uma influência extraordinária sobre a emergência de teorias queer. Ainda assim, a tradução (sem dúvida mais criativa que literal) que Spivak fará do livro De la gramatologie16 de Derrida em 1974, ao inglês, marcará um ponto de inflexão. Este tráfico de interpretações e releituras dará lugar, entre outros fenômenos, à definição de interpelação de gênero, de insulto sexual ou de enunciados de coming out como recitações performativas da lei heterossexual (a partir da releitura que Derrida fará da força performativa segundo J. L. Austin) nos textos de Judith Butler; à análise do dispositivo cinematográfico como uma tecnologia de gênero em Teresa de Lauretis, e à leitura da AIDS ou das representa­ções anatômico-sexuais contemporâneas como parte da biopolítica dos corpos pós-modernos (ampliando assim a genealogia do sujeito sexual na modernidade desenvolvida por Foucault) em Donna Haraway. Contrariamente ao que poderíamos imaginar, não se trata de uma sim­ples aplicação da desconstrução derridiana, das análises do poder disciplinar de Foucault ou das teorias psicanalíticas da sexualidade. Encontramo-nos frente a détournements produtivos que participam de um tráfico de significações que Spivak denominou “tradução cultural”.

Poderíamos dizer que a teoria queer só existe como tradução. A desidentificação (para voltar à expressão de Teresa de Lauretis) nacional que Derrida opera com relação à língua francesa em Monolinguisme de l’Autre, “só tenho uma língua e não é a minha”, aparece como uma das condições de possibilidade do tráfico queer. A utilização do insulto queer (viado, marica) como lugar de identificação implica correr o risco de ser contaminado pela linguagem dominante, um processo que indica a possibilidade de agenciamento do sujeito político emergindo da tra­dução e não de linguagens puros ou originais. A suposta “volta” da teoria queer à Europa não se entende sem se ter em conta as viagens anteriores de Foucault e de Derrida à América. Como, por exemplo, entender as “tecnologias do eu” sem pensar na experiência de Foucault nas comunidades sadomasoquistas de São Francisco? Como entender a desconstrução sem as proliferações parasitárias da tradução e da reescritura em inglês? As vozes que se elevam na França ou na Espanha contra a “importação” da teoria queer revelam uma persistência da crença em uma filosofia nacional, pura e straight. Dito de outro modo: uma teoria não conta­minada pelas feministas negras e chicanas, por maricas e viados (que devem ser, obviamente, americanos, porque não existem saberes minoritários em nossa homogenia cultura ibérica!). O que parece interessante é, justamente, o modo como, ao final dos anos 80, um conjunto de feministas lésbicas americanas vão utilizar a autoridade européia (e, em certo sentido, quase colonial) da filosofia francesa para legitimar uma crítica da epistemologia heterocentrada pró­pria ao feminismo branco emancipacionista. Se tivessem utilizado unicamente a referência à experiência da opressão marica, como fez o feminismo negro nos anos 70, a teoria queer não teria alcançado tal status discursivo. O problema acontece quando esse uso estratégico se converte na ortodoxia do pensamento queer.
J.C.: Poderia fazer uma valoração da pertinência, eficiência – e deficiência – política da teori­zação queer dentro dos processos contemporâneos de emancipação próprios do chamado capitalismo pós-fordista?
P.B.P.: Uma das questões políticas mais urgentes hoje é justamente aquela que suscita a relação entre as políticas de identidade, as estratégias queer e a lógica do capitalismo pós-fordista. Certamente, as políticas de identidade parecem buscar a integração na economia de merca­do e dos meios de comunicação para ganhar visibilidade, em uma equação que estabelece uma equivalência entre visibilidade, representação política e emancipação. Said foi um dos primeiros a nos alertar contra a fetichização, a “comodificação” e a celebração incondicional da diferença, que aparece como tendência (“forumizante”) da globalização. A produção de diferenças multiculturais (como alteridades mercantis ou como novos públicos) seria um dos rasgos dominantes da lógica do capitalismo pós-fordista. A questão é como levar a cabo uma crítica simultânea frente a um tipo de “internacionalismo cosmopolita” capaz de pronunciar-se em nome de todos (retórica da liberação, do avanço dos direitos humanos, etc.), mas também frente à acumulação estatística de redutos diferenciais em uma política da representação.

Sedgwick chama a atenção sobre o fato de que hoje estamos em um regime de visibilidade bem distinto do descrito por Foucault em seu diagnóstico das sociedades disciplinares. Nos últimos dez anos, os meios de comunicação levaram ao limite a lógica da produção performa­tiva da identidade sexual, de gênero, mas também racial ou étnica. De fato, os meios de co­municação como tecnologias de produção do visível ocupam hoje uma posição disciplinante que supera amplamente aquela outorgada por Foucault à medicina, à instituição penitenciária ou à fábrica no século XIX. 
Encontramo-nos diante de uma operação de produção de subjetivi­dade por meio da inflação da representação (ao vivo) que chamaria de “identidade-realidade” (em referência à fórmula do reality-show, real-tv ou “telerrealidade”). A “identidade-realidade” estaria mais próxima a uma forma high-tech de visibilidade própria dos regimes pré-modernos, que Foucault havia denominado soberanos, nos quais a execução e o corpo do condenado eram transformados em espetáculo público: câmera subjetiva na representação pornográfica, filmagem do coming out em um ambiente doméstico com mini-câmeras DV, filmagem tele­visiva ao vivo das execuções por pena de morte nos Estados Unidos, acompanhamento tele­visivo de cenas de violência doméstica, etc. Está claro que houve uma mudança com relação ao regime de ocultação e segredo que caracterizava as lógicas disciplinares do século XIX, nas quais se produziram as identidades heterossexuais e homossexuais. Neste novo regime de “hipervisibilidade” predomina, diz Sedgwick, “um ethos no qual formas de violência que são hipervisíveis são oferecidas como espetáculo exemplar ao invés de serem reservadas ao domínio do velado ou do escandalosamente secreto”. Nesta nova economia da mirada, onde a representação da identidade aparece como uma forma de violência, parece que não tem sen­tido exigir a qualquer preço a visibilidade das minorias como condição de emancipação. Não se trata mais de desvelar um conjunto de práticas que têm estado escondidas ou naturaliza-das, nem de participar das cotas de representação; nos encontramos em uma situação mais complexa nas quais a política toma a forma, diz Sedgwick, de uma “batalha entre diferentes âmbitos de visibilidade”.

Entramos em uma nova etapa nas políticas de identidade na Europa. Em contextos como o espanhol, no qual passamos da criminalização da homossexualidade à adoção do matrimônio gay, a crítica queer (que foi muito produtiva nos Estados Unidos para sair do impasse político e teórico representado pelas tradições tanto do feminismo naturalista quanto das políticas de integração gay) não pode funcionar sem um trabalho conjunto de estratégias hiperidentitárias antiasimilacionistas, críticas pós-coloniais e anti-globalização. Por exemplo, na França a fór­mula queer, esvaziada de seu conteúdo político, vem sendo absorvida como a forma fashion & chic da cultura gay. Com a aparição do canal gay de televisão Pink TV, estamos em um mo­mento, ao menos na França, no qual passamos da ignorância absoluta da cultura gay, lésbica, trans, a algo que poderíamos chamar de queer de Luxe. Não podemos continuar falando de hetero e homossexualidade reservando à “homossexualidade” uma exterioridade moral ou política, um tipo de pureza. É preciso pensar em um sistema global sexo-raça-capital como um campo de forças no qual nada fica de fora. Em um momento progressista de normalização e assimilação das minorias sexuais à norma (matrimônio gay, igualdade legal, representação mediática), parece politicamente incongruente seguir considerando aos gays e lésbicas como um grupo político radical. Temos que reconhecer que em um sentido deleuziano do termo, isto é, não estatisticamente, mas como uma reserva de transformação política, como uma força de divergências, os gays e lésbicas (assimilacionistas) não são uma minoria.
J.C.: Segundo seu parecer, existe uma recepção verdadeira ou durável das teorias subalternas (queer e outras) em nosso território nacional espanhol? Até que ponto supõe uma superação dos modos tradicionais de formular os conflitos na Espanha?
P.B.P.: As teorias subalternas provocam uma incessante transgressão (no sentido espacial do termo) de fronteiras que não é irrelevante, principalmente em um momento de decomposição e reestruturação dos Estados-nação tradicionais e de recrudescimento das políticas naciona­listas. Pode-se traçar um paralelo entre esta crise do corpo nacional e a crise do corpo sexual moderno. O corpo queer questiona a mitologia que garante a naturalização da filiação e da diferença sexual. Neste contexto, o mal-sujeito queer gera todo um conjunto de angústias sexuais e políticas. A questão da recepção das teorias queer na França ou na Espanha não me preocupa de maneira nenhuma, porque os limites nacionais não me parecem, em reali­dade, pertinentes para pensar o trabalho queer. Não é possível fechar as fronteiras textuais e políticas. Para aqueles que desejariam colocar em funcionamento um satélite internacional que permitisse controlar os deslocamentos conceituais, as práticas sexuais e políticas das minorias, as teorias queer e pós-coloniais podem parecer uma nova forma de “terrorismo” internacional. No contexto atual de globalização, trata-se, mais que nada – de acordo com uma perspectiva deleuziana –, de abrir pontos de fuga, de multiplicar os espaços de ação micropolítica e de gerar alianças estratégicas não essencialistas. A formação dos movimentos anarco-okupas-queer é também uma reação à globalização progressiva. É uma forma de pro­dução cultural que desafia as fronteiras nacionais e linguísticas. Teríamos que falar de produ­ção cultural transfuga, de um contrabando sexual e político que tem produzido suas próprias plataformas de aprendizagem de práticas (oficinas drag king, backrooms, oficinas SM, foros de internet…), suas redes de biopirataria de hormônios, fluxos e próteses. Se por uma parte a globalização implica a crise da soberania dos Estados-nação, por outra suscita a emergência de movimentos sociais transnacionais como agentes políticos, de grupos que reúnem diferen­tes minorias étnicas, sexuais e corporais (Act Up, Anistia Internacional, Greenpeace, Queer Watch, Queer For Racial and Economic Justice, o movimento handiqueer, grupos de luta intersexual, entre outros). Estes novos agentes políticos, ao mesmo tempo locais e globais, com uma localização que poderíamos qualificar de “glocal”, têm atuado como eficazes forças de resistência ao capitalismo straight neoliberal. Ao invés de continuar retratando a teoria queer como uma infiltração americana, ganharíamos ao compreendê-la como uma forma de resistência à americanização branca, straight-gay e colonial do mundo.
J.C.: Para concluir, como descreveria a efetividade política desta crítica transversal da produ­ção de diferenças, e como a distinguiria dos fundamentos e fins da crítica contra-hegemônica e anti-capitalista tradicional?
P.B.P.: Sob o impulso das análises pós-coloniais como os de Moraga, Andaluza ou Spivak, as teorias queer e pós-coloniais tentam levar a cabo análises mais complexas do poder e da opres­são, distanciados da lógica binária da dominação (bem/mal, homem/mulher, hetero/homo, gay/ lésbica, branco/negro…) que pretendem chegar a uma solução dialética para além do gênero e da sexualidade. Poderíamos dizer que as teorias queer trabalham com uma noção de opressão transversal na qual o poder não se articula nem se resolve, segundo a forma de oposições dialéticas. A recusa do modelo revolucionário de abolição de sexos e de gêneros como solução política está determinada pela necessidade de se ter em conta os recursos da identidade como possíveis lugares estratégicos de ação política, sem que sejam considerados simplesmente efeitos de um sistema de opressão ou bases naturais de formação de comunidade. Além disso, tornamo-nos cada vez mais conscientes do risco da utilização totalizante de modelos políticos humanistas, baseados nos ideais de “justiça”, “liberdade” e “igualdade” que ignoram as diferen­ças culturais, as histórias de colonização ou as opressões microidentitárias cruzadas.

Quando falo da necessidade de combinar estratégias hiperidentitárias e críticas pós-identi­tárias, refiro-me à necessidade de um certo momento de “molarização” da identidade, essa identidade molar que tanto temia Deleuze. A molarização é uma condição da ação política co­letiva, da produção de uma certa puissance (potência, mais que poder) d’agir. Curiosamente, quando escrevo molarização, o software MSWord se empenha em transformar a palavra em “dolarização”, quem sabe se consciente das atuais técnicas de mercantilização da identidade. A questão é como atravessar a molaridade identitária (sexual, nacional, racial) sem fazer da identidade o fim último da ação política. É necessário encarregar-se da própria molaridade (a opressão, neste sentido, atua como um catalisador identitário) para poder se mover em direção a um devenir molecular, inframolar e pós-identitário. Para mim, esta transição indica a passagem de uma política da representação em direção a uma política da experimentação, mas também de uma obsessão pela visibilidade como condição de emancipação a um devenir imperceptível… como garantia das micropolíticas. Ou, dito nos termos de Deleuze, da política à ética e à estética. Entretanto, distancio-me de Deleuze quando fala de uma experimentação sem prática, como no caso da bebedeira sem álcool ou do nomadismo sem sair do lugar. Se algo aprendemos do feminismo radical dos 70 foi a necessidade da prática ritualizada como força de molecularizacão e de mutação da identidade. Isto é justamente o que Aurora Lewis chama a posição da “intelectual orgânica”. Para Lewis, o processo central da produção de teoria é a experiência local que adquire caráter político através de agenciamentos coletivos nos quais intervêm sempre a ação e a narração. Sloterdijk se refere a um processo similar no seu Ensaio sobre a intoxicação voluntária (1999) quando se dirige ao criador da homeopatia, Samuel Hahnemann, como inventor de uma micropolítica da subjetividade. Da mesma ma­neira que o homeopata, segundo Hahnemann, deve intoxicar-se a si mesmo antes de poder dar qualquer conselho, o teórico político deve estar disposto a arriscar sua identidade na prática. Este é um dos sentidos do lema feminista “o privado é político”, cuja relevância pode ser entendida em escala microbiológica a partir das atuais políticas transexuais e transgené­ricas. Poderíamos dizer que caberia hoje afirmar: “minhas moléculas são políticas”. Devenir um intelectual orgânico ou um homeopata político implica utilizar a própria subjetividade como terreno de experimentação.

Por exemplo, no atual debate em torno à proibição do véu islâmico nos colégios franceses, a esquerda conservadora não duvidou em apelar ao feminismo emancipacionista para afirmar a necessidade de uma lei republicana e laica que defenda as “mulheres muçulmanas contra a autoridade patriarcal”. Para autoras como Hazle Carby ou Bell Hook, este tipo de feminismo liberal emancipacionista emerge das premissas coloniais da Ilustração e, portanto, comparte noções de justiça, autonomia, subjetividade e liberdade de caráter racista. Para muitas das críticas pós-coloniais, como Chela Sandoval, Barbara Smith, Angela Davis, Bell Hook, Chandra Mohanty, Gayatari Spivak, Jacqui Alexander e Gloria Andaluza, o discurso feminista dominan­te que se apóia na categoria “mulher” coloniza a experiência heterogênea das mulheres em um contexto de globalização, construindo uma “mulher oprimida pelas tradições do Terceiro Mundo” à qual o feminismo humanista ocidental deve emancipar. Trinh T. Minh-ha chamará este empreendimento do feminismo “projeto nativista” através do qual o feminismo preten­de ensinar as “nativas” a se converterem em boas descolonizadas.

O que ocorre, segundo o agudo diagnóstico de Jacqui Alexander, é que o corpo racializado e se­xualizado das mulheres do Terceiro Mundo funciona como uma metáfora orgânica no intercâm­bio colonial da globalização: é ao mesmo tempo catalisador da empresa colonial e instrumento de resistência anti-colonial por parte das tradições nacionalistas. Frequentemente, segundo também Spivak, o corpo da mulher colonizada se encontra preso em uma “dupla opressão”: entre a dominação do patriarcado local ou nativo e a ideologia imperialista do colonizador. Em alguns casos esta última parece deslocar à primeira, atuando como uma força de emancipação, mas opera, em realidade, como vetor de colonização. Para Spivak é preciso se opor aos “dis­cursos nacionalistas de resistência” onde a mulher funciona como um significante da cultura local do ponto de vista da opressão e do conservadorismo. O que Spivak questiona é a política do pertencimento originário e da identidade como base da ação política. Na verdade, o que encontramos são pertencimentos fragmentados e deslocamentos múltiplos.

Em todo caso, o feminismo laico colonial, mas também os discursos nacionalistas de resis­tência, receberam uma boa lição quando em outubro de 2003 uma jovem alsaciana de quinze anos decidiu raspar a cabeça em resposta à proibição do uso de véu na sua escola, o Lycée Louis Pasteur em Estrasburgo. Creio que este foi um exemplo extraordinário onde se articu­lam estratégias micropolíticas hiperidentitárias e pós-identitárias. Diante da dupla proibição religiosa e republicana, por um lado a proibição do Alcorão de mostrar o cabelo feminino em público (de onde vem a necessidade de cobrir a cabeça com o véu) e por outro a proibição de entrar com o véu nos colégios franceses, a jovem alsaciana responderá com o mais inespera­do (apesar de lógico) dos gestos: cortar o cabelo a zero. Sua resposta produzirá uma imagem corporal discordante que estabelecerá uma relação imediata com outras histórias minoritárias do feminismo: as chamadas putanes des boches – francesas condenadas, depois da liberação de Paris em 1944, a ter a cabeça raspada em público por ter ido para cama com o inimigo alemão –, as lésbicas de cabeça raspada –nas quais o cabelo funciona como signo de dissi­dência sexual – ou ainda com mulheres carecas, produto da quimioterapia. Abre-se uma linha de fratura que desafia ao mesmo tempo a autoridade patriarcal muçulmana e a autoridade republicana colonial, constituindo-se assim em sujeito político.

De maneira similar, os debates sobre a ablação do clitóris têm mostrado que não se trata de eleger (como propõem alguns profetas da “verdade radical” como Slavoj Zizek) entre um conjunto de valores universais transculturais e trans-históricos, como base da emancipação de minorias, e um relativismo pós-moderno onde não é possível julgar uma prática histórica a partir de pressupostos externos à própria idiossincrasia cultural. Trata-se, mais que nada, de situar toda prática corporal (moderna ou tradicional, autóctone ou colonial) em uma rede de fluxos de intercâmbio e significação, de apropriação e resistência dentro da economia capital-sexo-raça global. Por exemplo, o filme documentário Fire Eyes, da somali Soraya Mire –circun­cizada, e cujo clitóris seria cirurgicamente reconstruído segundo sua própria decisão – permite ver as tensões da chamada circuncisão feminina a partir da própria cultura. Soraya Mire loca­liza esta prática cirúrgica dentro de outra rede global, mais ampla, de práticas médicas e de tecnologias de normalização do corpo (apresenta um caso de mutilação por intersexualidade, o caso de uma menina que sofreu uma ablação do clitóris porque aparentemente era grande demais, e o caso da ablação do clitóris como prevenção e cura contra a masturbação excessi­va). Assim, a incisão do clitóris, longe de ser um exemplo de barbarismo exótico, se converte em mais um dos dispositivos em uma rede de mecanismos de normalização e de regulação do corpo em um contexto de globalização do gênero e da sexualidade.
 
Notas.
 
1 Refere-se a “post-op”; termo em inglês que significa “após operação de mudança de sexo”. N.T.
 
2 Em português: Donna Haraway. Antropologia do ciborgue: vertigens do pós-humano. Rio de Janeiro: Autêntica, 2000. N.T.
 
3 Beatriz Preciado. Manifiesto contrasexual. Barcelona: Opera Prima, 2002. Publicado primeiramente em francês: Beatriz Preciado. Manifiesto contra-sexuel. Paris: Editions Balland, 2000.
 
4 Judith Butler. Gender Trouble. London/New York: Routledge, 1990. [Em português: Judith Butler. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. N.T.]
 
5 Judith Butler. Undoing Gender. Boca Raton: Routledge, Taylor & Francis Group, 2004.
 
6 A aceitação de “subalterno” deriva da apropriação por parte da teoria pós-colonial contemporânea da terminologia cunhada por Antonio Gramsci para se referir àqueles cuja voz não é audível no sistema capitalista. Designa as culturas e grupos sociais submetidos ao domínio de uma potência estrangeira e que mantêm em diferentes graus seu status de subordinação, apesar da descolonização. Assim foi utilizado no livro Selected Subaltern Studies, editado por Ranajit Guha e Gayatri Spivak em 1988. Se popularizaria através do famoso artigo desta última, “Can the Subaltern Speak? Speculations on Widow Sacrifice”, Wedge 7/8, 1985, pp.120-130. A disse­minação atual do debate pós-colonial recolocou o termo em circulação, referindo-se a qualquer grupo submetido a outro que adota uma postura hegemônica.
 
7 Eve Kosofsky Sedgwick. Touching Feeling: Affect, Pedagogy, Performativity. Durham: Duke University Press, 2003.
 
8 Richard Rorty. Achieving Our Country, Leftist Thought in Twentieth-Century American. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1998.
 
9 Homi Bhabha. The Location of Culture. London/New York: Routledge, 1994. [Em português: Homi K. Bhabha. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. N.T.]
 
10 Até a data da primeira publicação dessa entrevista em 2004. Em 2006 sai a versão francesa do livro de Butler pela editora La Découverte: Judith Butler, Trouble dans le genre: le fêminisme et la subversion de l’identité. Paris: La Découverte, 2006. E  somente em 2007, é publicado o livro de Homi Bhabha pela Payot: Homi Bhabha. Les Lieux de la culture: une théorie postcoloniale. Paris: Payot, 2007. N.T.

11 Gloria Andaluza. Borderlands/La Frontera. San Francisco: Aunt Lute, 1987.

12 Walter Mignolo. Historias locales/Diseños globales. Madrid: Akal, 2003. [Em português: Walter Mignolo, Histórias locais/Projetos globais. Belo Horizonte: UFMG, 2003. N.T.]

13 Gayatri Spivak, “Can the Subaltern Speak?”, op. cit.

14 Chandra Talpade Mohanty e Jacqui Alexander. Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures. London/New York: Routledge, 1997.

15 A autora se refere aqui à Espanha. N.T.

16 Jacques Derrida. Of Grammatology. (Tradução e introdução de Gayatri Spivak). Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1976. N.T.
 
*Tradução de Gisele Ribeiro, Artista, profesora e pesquisadora, atualmente realizando a tese de doutorado Nuevas prácticas cultura­les y artísticas na UCLM, Espanha. Revisão de Sheila Cabo Geraldo Professora do PPGARTES – UERJ. A presente entrevista se encontra hospedado no site da Revista Poiésis: PRECIADO, Paul Beatriz; CARRILLO, Jesús. Entrevista com Preciado. Trad. Gisele Ribeiro. Revista Poiésis, Niterói, Nº15, jul. 2010.

**Link para a Revista Poiésis do Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes: http://www.poiesis.uff.br/

***Entrevista publicada por cortesia do Museo de Arte Contemporáneo de Barcelona – MACBA e autorizada pelos autores. Originalmente em castelhano, in: Desacuerdos: sobre arte, políti­cas e esfera pública en el Estado español. vols 2. Barcelona: MACBA/Arteleku/ UNIA, 2004. A publicação Desacuerdos está sob a “Licença Reconhecimento – Não comercial – Sem obras derivadas 3.0” de Creative Commons/Espanha. Esta licença permite a cópia em qualquer formato, mecânico ou digital, sempre e quando não se destine a usos comerciais, não se modifique o conteúdo dos textos, respeite-se sua autoria e mantenha-se esta nota. Qualquer uso que não seja o descrito na licença antes mencionada requer a aprovação expressa dos autores. http://es.creativecommons.org/licencia/

****Paul Beatriz Preciado (Burgos/Espanha, 1970) é filósofa, com Mestrado em Filosofia Contemporânea e Teoria de Gênero pela New School for Social Research, de Nova York, onde estudou com Agnes Heller e Jacques Derrida. Tem Doutorado em Filosofia e Teoria da Arquitetura na Universidade de Princeton, EUA. É uma participante ativa do atual debate sobre os modos de subjetivação e identida­de, não somente na Espanha como também em distintos foros internacionais. Seu livro Manifiesto Contrasexual (Barcelona: Opera Prima, 2002) converteu-se em uma referência indispensável à teorização queer contemporânea. É também autora de numerosos ensaios e acaba de publicar o livro Testo Yonqui: sexo, drogas y biopolítica (Madrid, Espasa-Calpe, 2008). Atualmente ensina Teoria de Gênero em diferentes universidades como a Universidade de Paris VIII, a École des Beaux Arts de Bourges e o Programa de Estudos Independentes do Museu d’Art Contemporani de Barcelona.

******Jesús Carrillo é teórico e professor de História e Teoria da Arte na Universidad Autónoma de Madrid, desde 1997. Tem Mestrado em Estudos Históricos pelo Warburg Institute da Universidade de Londres e Doutorado em História pela Universidade de Cambridge (King’s College). Entre diversas publicações destacam-se Arte en la Red (Madrid: Cátedra, 2003), Naturaleza e Imperio (Madrid: 12 Calles, 2004) e Tecnología e Imperio (Madrid: Nivola, 2003). Atuou como editor em Modos de hacer: arte crítico, esfera pública and ac­ción directa (Salamanca: Universidad de Salamanca, 2001) e Desacuerdos: sobre arte, políticas e esfera pública en el Estado español. vols 1, 2 e 3 (Barcelona, 2004-2005). Trabalha atualmente como diretor do Departamento de Programas Culturais e Públicos do Museo de Arte Contemporáneo Centro de Arte Reina Sofía.

Fonte: Territórios de Filosofia

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