PICICA: "Homofobia é crime, mas ninguém sabe as fontes deste comportamento
social e os danos físicos e morais causados naqueles que nascem gays por
razões que pretendemos explicar neste artigo."
O QUE É HOMOFOBIA
Na tradição judaico-cristão condena-se os homossexuais por atos contrários à ordem divina. A tradição teológica não construiu uma personalidade adúltera, criminosa, idólatra ou sodomita. Tratava-se de uma proibição geral, enunciada sob formas de pecado da carne. (FOUCAULT, 1976)
A passagem do vício sodomita para a interpretação científica da atração sexual e afetiva por pessoas de seu próprio sexo, é capital. Segundo Borrillo( 2010: 63) algumas formas secundárias da heterossexualidade como a sexualidade infantil, a masturbação e o fetichismo, têm autonomia. O homossexual serve à medicina e à sociologia como objeto de uma nova tentativa de normalização dos indivíduos e a submissão das consciências. Encontramos a mesma hostilidade religiosa revestida de linguagem científica que legitimiza a inferiorização e até leva ao extermínio, só que agora considerados perversos e não mais pecadores.
Na teoria psicanalítica Freud considerou a homossexualidade como uma inversão. A sexualidade humana tem uma história. Os elementos constitutivos desta história começam bem antes do nascimento da criança, e estão intimamente relacionados com o lugar que esta última ocupa no imaginário dos pais e na economia libidinal do casal. Após o nascimento, terá início a chamada constituição do sujeito: um processo marcado por intensos movimentos pulsionais, movimentos estes que definirão a expressão da sexualidade adulta. Isto significa que a maneira como cada um vive a sua própria sexualidade - de forma mais ou menos reprimida, com prazer, com culpa, enfim, as singularidades das manifestações da sexualidade de cada um - é construída desde os primeiros dias de vida.
Embora a criança demonstre em uma idade bem precoce interesse sexual, e mesmo atividade sexual, a sexualidade infantil é totalmente diferente da sexualidade adulta. A resposta que a criança dá às excitações sexuais que seu corpo produz, não corresponde à leitura que o adulto faz desta mesma sexualidade. Sem dúvida, é neste sentido que se pode dizer que a criança é inocente. Ela, de fato, o é quando está na fase típica das "brincadeiras sexuais". É o adulto que, ao surpreendê-la nestas brincadeiras lhes atribuirá - às brincadeiras - a conotação sexual do universo adulto.
É o adulto que significará à criança que certas brincadeiras são, ou não, permitidas, outras são proibidas e, em casos extremos, até merecem punição senão dos homens, de Deus. Seja como for, a resposta que o adulto dá à sexualidade da criança está diretamente ligada a maneira que este mesmo adulto viveu o despertar de sua própria sexualidade.
Assim, como vimos, ainda que a sexualidade infantil esteja presente desde o nascimento, ela tem um tempo e um ritmo que lhe são próprios, e a exposição prematura a um excesso de estímulos sexuais pode ser problemático para um sujeito em constituição. Uma das fontes deste excesso pode ser a mídia. Alguns programas de televisão podem incentivar o despertar da sexualidade de maneira prejudicial para o futuro da criança. Apenas um exemplo: há algum tempo atrás, várias emissões televisivas exibiam meninas de 3, 4 anos, às vezes menos, dançando a então famosa "dança da garrafa". É claro, que isto traz uma grande satisfação para a criança e, em dúvida, para os pais, por estar sendo admirada e agradando ao público. Entretanto, o olhar do adulto em direção a esta cena, não é o mesmo que o da criança. Isto pode provocar uma erogenização precoce e produzir um tipo de apelo sexual em completa contradição com a sua condição infantil. A mídia tem que saber disto, e se posicionar a respeito: é uma questão ética.
O comportamento sexual pode ser reflexo de um aspecto hereditário, de um aspecto médico, cultural, circunstancial, etário e pessoal. É muito complexa a questão sexual, seja do ponto de vista qualitativo ou quantitativo.
Segundo Freud (1914), a criança é o olhar do outro. É sempre, para os pais, uma projeção daquilo que eles tiveram que abandonar. Essa criança passa a fazer parte do narcisismo referente a eles. A criança carrega consigo os desejos que os pais não conseguiram realizar ( o menino se tornará um herói que o pai não pode ser) e a menina se casará com um príncipe para sua mãe). O sistema narcisista, a imortalidade do ego, que foi oprimida pela realidade, tem a sua segurança alcançada como fuga através da criança.
O amor que os pais dedicam aos filhos, que é enternecedor e tão infantil, nada mais é que o narcisismo dos pais renascido e transformado em amor objetal. “ O narcisismo primário designa um estado precoce em que a criança investe toda a sua libido em si mesma. O narcisismo secundário designa um retorno ao ego, da libido retirado dos seus investimentos libidinais.” (LAPLANCHE, 1983: 368) O narcisismo surge quando a libido afastada do mundo externo é guiada no sentido do ego, através de investimentos objetais, como secundário a um narcisismo primário que é obscurecido por diversas influências diferentes. Nesse momento, o bebê não reconhece algo externo a ele. ( fase egoísta). Nas crianças espera-se encontrar uma postura exatamente semelhante em relação ao mundo externo. Então forma a ideia de que há um investimento libidinal original do ego, parte do qual é depois transmitida aos objetos, mas que persiste relacionada com a catexia objetal. ( LAPLANCHE & PONTALIS, 1983: 329)
A auto-estima depende diretamente da libido narcisista, apoiada por dois fatos: nos parafrênicos, a auto-estima aumenta, ao contrário da neurose de transferência em que se reduz. Isso significa que nas relações amorosas, o fato de não ser amado reduz os sentimentos de auto-estima, enquanto o de ser amado os aumenta. A escolha objetal narcisista consiste em ser amado. A criança tem como objeto do amor primeiramente os pais e quando esses pais não correspondem mais às suas exigências de amor em relação a ele, os seus sentimentos de auto-estima reduzem-se. A criança está estruturando o seu ideal do ego e quando esse ego é empobrecido, a criança perde sua ilusão de que é tudo para os pais.
O nascimento de um irmão é traumático e causa uma ferida narcísica na sua imagem. O adulto quando tem o seu ideal de ego empobrecido, geralmente retorna ao narcisismo, escolhendo um ideal sexual segundo o tipo narcisista que possui o que ele não pode atingir.
Na medida em que o ciúme representa uma reação de ódio e agressividade a uma perda ou ameaça de perda, ele é um sentimento bastante simples e primário, porém tão inevitável quanto qualquer outro sentimento ao mesmo nível. O ciúme faz com que a criança se sinta humilhada e inferiorizada de uma forma menos consciente. Ela se sente indigna, deprimida e culpada. A explicação para isso é que ela não é amada ou acredita não sê-lo. Este fato significa que não é digna de amor. Inconscientemente ou não, julga não ter sido boa o suficiente, por isso foi abandonada pelos pais.
A depressão e a sensação de desvalia que essa noção “ indigno de ser amado” desperta nele são insuportáveis. Isto clarifica, então, a pungência e a torturante amargura do ciúme condenando e odiando alguém mais, no caso presente o rival, que na criança é o irmão mais novo. A maldade e a destrutividade passam a ser vistas neste ser destruidor e a projeção está ativada. Seria impossível abordar o tema do narcisismo e não explicar a questão da identificação. “ A identificação é o processo psicológico pelo qual o indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações. (LAPLANCHE & PONTALIS, 1983: 295)
Para Freud ( 1920-1922), o termo de identificação possui um papel no complexo de Édipo, sendo para a psicanálise uma expressão que se remete a um laço emocional. A identificação do menino em relação a seu pai, de querer ser igual a ele quando crescer, etc. Esse pai é tido como ideal. Apesar dessa identificação com o pai, o menino desenvolve uma catexia ( investimento de libido) de objeto verdadeiro em relação à mãe. Apresentando então, dois caminhos distintos: uma catexia do objeto sexual em relação à mãe e uma identificação com aquele que é tido como modelo, o seu pai. O complexo de Édipo normal origina-se de sua convergência.
A identificação que o menino tinha com o pai assume um aspecto hostil e passa a se identificar com o desejo de substituí-lo e ocupar o seu lugar em relação à mãe. Esse desejo surge porque ele percebe que esse pai se coloca em seu caminho, em relação à mãe. Mas, quando é o contrário, o pai agora é tomado como objeto de uma atitude feminina. O complexo de Édipo se inverte, o sentimento de hostilidade é em relação à mãe e o pai é investido libidinalmente. Neste caso, a identificação com o pai torna-se precursora de uma vinculação de objeto com ele, o pai se torna o objeto amoroso. Este é o caminho para o homossexualismo.
A distinção entre a identificação com o pai e a escolha deste como objeto, é que no primeiro, o pai é o que gostaríamos de ser, e no segundo, é o que gostaríamos de ter. Essa distinção depende da ligação desse laço emocional, se é com o sujeito ou com o objeto do ego.
A identificação esforça-se para moldar o próprio ego de uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado como modelo. ( op. cit: 134) A ideologia homofóbica está contida no conjunto de ideias que tem como finalidade normativa promover o ideal heterossexual. As teorias homofóbicas, por suas vertentes, propõem uma forma de considerar gêneros e as sexualidades pela construção de um sistema de valores que promovem a heterossexualidade monogâmica dentro de um projeto político. ( BORRILLO, 2010: 64)
Segundo o Dicionário Houaiss, homofobia é a rejeição ou aversão à homossexualidade. A homofobia discrimina e agride gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, e transgêneros (GLBT). A homofobia pode ser expressa de modo velado através de atitudes e comportamentos preconceituosos que envolvam a discriminação, por exemplo, na contratação para um emprego, locação de imóveis, ou no acesso a direitos civis. A atitude homofóbica inevitavelmente leva à injustiça e à exclusão social de quem a sofre.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais, razão pela qual neste dia se realiza o Dia Mundial pelos Direitos Sexuais e de Combate à Homofobia. Foi nesta ocasião que a OMS reconheceu que a orientação sexual não é uma “opção” e que também não se deve tentar modificá-la.
Fonte: OBVIOUS
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