PICICA: "Pelo
menos por um século perdurou no Brasil a ideia de que a democracia
brasileira não fazia distinção de cor ou raça e que, por aqui, “todos
são iguais”. O mito da democracia racial, hoje, é questionado. E
contribui para isso o reconhecimento do problema do racismo pelo governo brasileiro.
Observar o mapa da segregação racial (acima), com especial atenção à
diferença norte-sul do país e à formação de periferias nas grandes
cidades, dá uma ideia de por que essa máxima, que ainda ecoa no senso
comum e em alguns discursos, não encontra correspondência no plano real.
Analisar
a segregação espacial tomando como base o indicador de raça e cor
(colhido pelo IBGE, que classifica as respostas de acordo com a
autodeclaração dos entrevistados) em conjunto com outros indicadores se
tornou um modo eficiente de demonstrar que para entender as dinâmicas
sociais no Brasil, levar em conta sua constituição de raça e cor é
fundamental."
Mapa revela segregação racial no Brasil
O que o mapa racial do Brasil revela sobre a segregação no país
Pelo menos por um século perdurou no Brasil a ideia de que a democracia brasileira não fazia distinção de cor ou raça e que, por aqui, “todos são iguais”. O mito da democracia racial, hoje, é questionado. E contribui para isso o reconhecimento do problema do racismo pelo governo brasileiro. Observar o mapa da segregação racial (acima), com especial atenção à diferença norte-sul do país e à formação de periferias nas grandes cidades, dá uma ideia de por que essa máxima, que ainda ecoa no senso comum e em alguns discursos, não encontra correspondência no plano real.Analisar a segregação espacial tomando como base o indicador de raça e cor (colhido pelo IBGE, que classifica as respostas de acordo com a autodeclaração dos entrevistados) em conjunto com outros indicadores se tornou um modo eficiente de demonstrar que para entender as dinâmicas sociais no Brasil, levar em conta sua constituição de raça e cor é fundamental.
Cada um no seu quadrado
Espaços segregados, esteja você olhando para um restaurante ou para uma rua, evidenciam lugares nos quais grupos sociais diferentes não se misturam. Mas quando se analisa uma cidade e seus diversos e distintos bairros, segundo o sociólogo Danilo França, que pesquisa o assunto em relação à cidade de São Paulo, é possível começar a pensar a segregação como um diferencial seletivo de acesso: a recursos, ao mercado de trabalho, a serviços públicos, equipamentos culturais e de consumo.As desvantagens do convívio pouco diverso em grupos mais pobres, segundo pesquisas, apontam para chances menores de mobilidade social. Nas periferias, por exemplo, o baixo acesso a mercado de trabalho, serviços públicos, cultura, escolas de qualidade despontam como barreiras. Assim, o negro pobre segregado tende a continuar negro pobre segregado.
Na comparação com outros países como Estados Unidos e África do Sul, o Brasil aparece com níveis menos graves de segregação entre brancos e negros. Mas, diferentemente daqui, em ambos a segregação teve amparo legal para existir, por meio das leis de Jim Crow em um, e da política do Apartheid no outro.
As mais segregadas nos EUA e Brasil
O ranking foi montado a partir do índice demográfico de dissimilaridade,
de 0 a 100, utilizado para comparar a presença de dois grupos
distribuídos em pequenas áreas (regiões censitárias) em relação à
composição total da cidade. Imaginemos uma cidade que possui 10 setores
censitários e é composta por 90% brancos e 10% negros. O índice será 100
se todos os negros estiverem concentrados em apenas um setor e todos os
brancos nos demais; e será 0 (zero) se todos os setores censitários
tiverem a mesma composição da cidade (no caso, 90% brancos e 10%
negros).
E entre as capitais?
Lá e cá
Chicago (IL)
Mapa americano foi desenvolvido pelo Demographics Research Group da Universidade de Virginia
Niterói (RJ)
Além disso, os níveis “baixos” do Brasil não devem servir de motivo para comemoração. Isso porque apesar de haver uma maior proximidade entre negros e brancos, há outros fatores, como a dificuldade de acesso a serviços básicos, que tornam a análise da segregação racial no Brasil mais complexa do que parece.
A geógrafa Luciana Maria da Cruz, que estudou a relação entre espaço e violência nos bairros do Recife, em Pernambuco, afirma que a ocorrência de crimes, segundo os resultados da sua pesquisa, “não se distribui de forma aleatória” na cidade, mas está diretamente associada a regiões nobres e centrais (no caso de crimes contra o patrimônio, como furto ou roubo) e pobres e periféricas (no caso de crimes contra a vida).
“A história do Brasil é marcada pela concentração de riquezas e, consequentemente, pela desigualdade socioespacial, tanto do ponto de vista regional como intraurbano. E a raça é uma fator que aparece atrelado a isto”
Juntos e isolados
O que fazer então para romper com o ciclo que perpetua a segregação racial? O desafio é grande. Primeiro porque espaços segregados são reforçados pela busca por exclusividade (geográfica) das classes mais altas. Há também políticas de Estado que podem resultar em processos de gentrificação de áreas centrais ou que sustentam a segregação, como é o caso da criação de conjuntos habitacionais populares exclusivamente nas periferias das cidades. É preciso considerar também o mercado imobiliário, que, além de supervalorizar regiões mais centrais, cria produtos para atrair grupos sociais de condições distintas em regiões separadas (condomínios populares na periferia e de luxo no centro).O poder público poderia incentivar a não segregação através de um planejamento urbano menos apartado, incentivando empreendimentos habitacionais que favorecessem a "mescla social".Assim, o que pesquisadores sugerem é a criação de políticas públicas que regulem melhor o mercado mobiliário e seu papel sobre a ocupação das cidades, a melhoria das condições de transporte entre periferias e centro, a descentralização dos ambientes de trabalho (como regiões de alta concentração comercial), além da criação de políticas afirmativas que permitam a integração de grupos de raça ou cor e condições sociais diversas.
“A segregação gera o estranhamento, o não reconhecimento do outro e com isso as pessoas se tornam mais estreitas, menos tolerantes”, diz o professor Paulo Roberto Soares, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “É preciso esta convivência para ter consciência das desigualdades e da diversidade da sociedade. As pessoas não reconhecem e tem dificuldade para aceitar o diferente como legítimo, daí todo o tipo de intolerâncias raciais, religiosas e culturais como as que estamos assistindo cada vez com mais frequência em nossa sociedade.”
Para ele, o poder público poderia incentivar a não segregação através de um planejamento urbano menos apartado, incentivando empreendimentos habitacionais que favorecessem a “mescla social”. “Em pouco tempo teremos uma geração de jovens de classe média alta que viveu a vida toda em condomínios fechados, na escola particular, no transporte individual. Uma geração que está crescendo sem consciência ou conhecimento do centro da cidade, dos espaços de diversidade, dos espaços públicos”, diz. “Isso com certeza afetará sua consciência social e política.”
*NOTA SOBRE O MAPA: A cada censo o IBGE reúne as informações da população no menor conjunto amostral, o setor censitário, que tem tamanho variado de acordo com a densidade populacional local. O mapa que você vê acima foi montado adicionando-se dentro dos blocos aleatoriamente pontos que representam cada uma das pessoas residentes no local e colorindo-os de forma equivalente à proporção de raça/cor autodeclarada (preto, pardo, branco, amarelo ou indígena) no bloco. Alguns pontos se encontram dentro de parques ou em águas pois as delimitação dos setores censitários muitas vezes incluem essas regiões. Para executar essa tarefa se adaptou o código aberto desenvolvido por Dustin Cable no Grupo de Pesquisa Demográfica da Universidade de Virginia, nos Estados Unidos, que produziu o mesmo projeto para a população americana (mais informações aqui).
Fonte: NEXO
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